Quinta-feira, 11 de março de 2021 - 09h38
Bagé, 11.03.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLVI
Itamarati, AM ‒ Carauari, AM I
Chegamos
a Carauari, às 14h00 do dia 03.02.2013, depois de seis dias de exaustiva
navegação nos mais de 500 km que separam as duas cidades. Tão logo cheguei ao
Hotel, retirei o celular da sacola de viagem para tentar contatar meu grande
amigo Comandante Pastl e saber notícias de seus filhos vítimas do descaso e da
omissão das autoridades e da ganância de empresários da Boate Kiss, Santa
Maria, RS. Tão logo liguei o aparelho, entrou uma mensagem do Coronel Pastl,
enviada às 14h14 de 03.02.2013, informando, naquele justo momento, que os
rapazes estavam melhorando e haviam inclusive jantado; mais tarde, às 16h14,
relatou que os mesmos tinham tomado banho de chuveiro, que os ferimentos
estavam cicatrizando e que o aparelho respiratório apresentava melhoras
significativas. Eu tinha passado seis dias sem poder ter notícias de meus
queridos ex-alunos e recebi emocionado a notícia, Deus seja louvado! Estava
digitando estas linhas, na tarde do dia 04.02.2013, e nova mensagem avisava que
os meninos deveriam ir para o quarto na terça-feira (05.02.2013).
29.01.2013 – Itamarati – Comunidade São Braz
Infelizmente
não tivemos a oportunidade de conhecer o Prefeito da pequena exótica e muito
bem cuidada Itamarati ou mesmo algum de seus Secretários.
Partimos
antes do alvorecer, tinha feito uma proposta aos meus parceiros: navegar sete
dias e pernoitar em Carauari três dias, ou navegar seis dias e ficar na Cidade
quatro dias. Logicamente a segunda opção ganhou por unanimidade. Eu sabia que
isto demandaria um esforço muito maior e um desgaste físico considerável, pois
deveríamos, mesmo contando com a passagem pelos “furos”, navegar uma média superior aos 90 quilômetros diários,
obrigando-nos a permanecer numa posição incômoda por mais de 9 horas diárias.
O
dia ensolarado minava nossas forças que ganhavam novo alento apenas quando
avistávamos os botos bailarinos, as garças jangadeiras, as escandalosas araras,
os enormes troncos que mais pareciam aríetes impulsionados pela torrente do
Juruá ou ainda os raros sítios de terras firmes que contrastavam com a várzea
infinda. Num destes belos locais, o da Comunidade de Santo Antônio, o Mário foi
brindado com uma preciosa e cobiçada garrafa “Pet” de dois litros de água gelada.
Pela
fotografia aérea, suspeitei da existência de um Furo num estreito localizado
logo depois da Comunidade de Santo Antônio. Perguntei a um ribeirinho da região
sobre a existência do mesmo que nos informou mal humorado que não se tratava
mais de um Furo, mas de um Arrombado. Navegamos pelo meio do Rio já que, para
se chegar até o dito “Arrombado”,
bastaria ser levado pela correnteza. Ledo engano! Quando alcançamos, mais
abaixo, a Com. de Vista Alegre, fomos avisados que o pequeno furo ficara para
trás. Enganchamos na lancha e navegamos Rio acima mais de três quilômetros até
chegar ao almejado Furo Samaúma ([1]).
Tão
logo avistamos o Furo, vimos um nativo da etnia Deni que desaconselhou a
passagem da lancha tendo em vista as enormes toras que bloqueavam parcialmente
a entrada do mesmo. Enquanto o Mário fazia a volta de 15 km, eu e o Marçal nos
lançamos ao Furo. As manobras radicais foram necessárias apenas na entrada, o
Furo estava sendo trabalhado pelas Comunidades para se tornar um Arrombado,
encurtando em 15 quilômetros a distância que os separava de Itamarati. Depois
de o ultrapassarmos, ficamos um bom tempo de bubuia, aguardando o Mário, que contornava
a enorme volta, até que resolvi aproveitar o tempo e mapear a Comunidade
Conceição do Raimundo. Lá confirmei a localização de São Tomé para onde nos
dirigimos já que eu previra realizar ali nosso primeiro estacionamento. Como o
local não era apropriado para um acantonamento deslocamo-nos até a Comunidade
de São Braz ([2]).
Remáramos 66 km.
As
terras do antigo Seringal, ou Colocação Nazaré do Boia, foi dividida pelos
proprietários que venderam uma parte ao Sr. Pedro Rodrigues de Oliveira,
ex-seringueiro do Nazaré. Após a morte do Sr. Pedro, a propriedade passou para
sua esposa Sra. Celeste Taveira da Silva, mãe do atual líder
comunitário Antônio Raimundo Taveira de Oliveira. Cuidadoso, o Sr. Antônio
Raimundo nos interrogou a respeito de nosso trabalho e só sossegou depois que
lhe mostramos a carteira de identidade do Ministério da Defesa. A escolinha em
que ficamos alojados era tão simples como as demais, mas se destacava pelo
capricho e a decoração das salas de aula. O Marçal preparou nosso “almojanta” na residência do Antônio
Raimundo.
Conquistamos,
no Braz, um amigo sincero, um irrequieto guri chamado Estevão que acompanhou
meus lançamentos na caderneta de campo e acordou cedo para se despedir.
30.01.2013 – Com. São Braz – Xibauá Grande
Partimos,
novamente enfrentando um dia quente, pensando em parar na Comunidade de São
Romão. Ao ultrapassar o Rio Xeruã, adentramos no Município de Carauari.
Preocupados com a carência de Comunidades, procuramos confirmar em cada ponto a
localização e características da próxima para podermos acantonar com mais
conforto e segurança.
Na
proximidade de nosso destino, avistamos um enorme morro que emoldurava uma
majestosa sumaumeira, adornada com uma grande quantidade de ninhos de japiins.
Nosso
Anfitrião, em Xibauá Grande ([3]),
nossa segunda parada neste trajeto, foi o Sr. Raimundo Rodrigues de Souza, um
manauara, que se encontrava na Comunidade para consertar a alambrado da
residência da sua irmã Srª Maria Matilde Rodrigues de Souza, proprietária da
casa onde nos alojamos. Por uma destas amazônicas coincidências, ele nos
informou que a madeira seria fornecida pelo Sr. Antônio Raimundo, nosso
anfitrião na Comunidade de São Braz. A confortável casa, além de uma cozinha
completa, que facilitou o trabalho de nosso cozinheiro Marçal, tinha um
banheiro com chuveiro de águas cristalinas, um caso raro nessas paragens.
Aproveitei
o conhecimento do caseiro, Sr. José Adilson Rodrigues da Silva, para confirmar
alguns detalhes do próximo lance, conseguindo dicas preciosas de Furos e
Comunidades. O Sr. José preparou uma pirarara que havia pescado e nos convidou
a degustá-la. Fugindo ao nosso costume de fazer apenas uma refeição durante o
dia, aceitamos o convite.
Nosso
anfitrião estava tomando banho quando surgiu uma enorme cobra papa-pintos, a
cobra estava de barriga cheia possivelmente de pererecas que pululavam na
umidade do recinto. Capturei o formoso réptil e soltei-o no campo depois de o
fotografarmos e filmarmos.
31.01.2013 – Com. Xibauá Grande – Morada Nova
O
Furo do Itanga (Imagem 103) já foi parcialmente arrombado e conecta-se com um
Sacado que permite a navegação de grandes embarcações no seu braço Ocidental e,
das menores, também no Oriental. Atualmente as balsas que sobem o Juruá fazem
uso do braço Ocidental. Embora encurte o caminho em aproximadamente dez
quilômetros, este braço possui correnteza muito fraca o que, no nosso caso,
pouca diferença representou no final. Foi, no entanto, um itinerário importante
para se poder verificar como se processa a navegação nessas paragens.
Cinco
quilômetros depois do Itanga, deparei-me com uma inesperada bifurcação. Fiquei
momentaneamente desorientado até que, ao olhar com maior atenção para a
fotografia aérea do Google Earth, de 31.12.1969, entendi o que se passara
nestas últimas décadas.
O
Igarapé Mararí que, no início da década de sessenta (1960-1967) tangenciava a
margem direita do Juruá, foi desgastando o barranco esquerdo que o separava do
Juruá enquanto este fazia o mesmo pelo lado direito até que surgiu uma segunda
boca, no final da década (1968-1969). A energia das águas do Juruá foram,
então, progressivamente, principalmente no período das alagações, ampliando o
pequeno Canal que se abrira com o rompimento da segunda Boca do Mararí, criando
a Ilha do Mararí. Mais um belo exemplo da inconstância tumultuária do mais
sinuoso dos Rios. Embora os Arrombados ou mesmo os Furos formem, ainda que
momentaneamente, diversas Ilhas ao longo do curso do Juruá, considero que se
deva entender como Ilhas apenas as mais perenes. Consideramos, portanto, a Ilha
do Mararí, como a 1ª desde que partimos da Foz do Breu.
O
Sr. José Adilson, em Xibauá Grande, tinha-nos dado uma descrição pormenorizada
da localização e das condições do Furo Morro Alto. Segundo ele, existia uma
casinha com cobertura de palha logo depois da Comunidade Morro Alto, e o Furo
ficava ao lado da mesma. A amplitude do Canal permitiu que o Mário entrasse com
a lancha de apoio e fizesse algumas tomadas com a câmera. Chegamos à Morada
Nova, ([4])
nosso destino final, depois de percorrer 117 km, por volta das 15h00, onde
fomos muito bem recebidos e alojados na casa de reuniões da Comunidade. Encontramos
na Comunidade o Sr. Percivaldo, mencionado pelo Sargento Barbosa em Itamarati,
um artista da construção náutica. Na frente de sua casa está estacionado um
belo iate de madeira de linhas arrojadas construído pelo famoso artesão.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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