Sexta-feira, 12 de março de 2021 - 06h01
Bagé, 12.03.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XLVII
Itamarati, AM ‒ Carauari, AM II
01.02.2013 – Com. Morada Nova – B. do Preguiça
Novamente
nos deparamos com uma Ilha formada nas últimas décadas – a Ilha do Chué (Imagem
107). A única diferença que existe na formação desta Ilha e a de Mararí, citada
anteriormente, é que o Canal agora era formado por igapós. Curiosamente a
posição da Ilha, as curvas do Juruá e do afluente são muito semelhantes às do
Mararí.
Remamos
freneticamente nesse dia para conseguirmos realizar nosso intento de alcançar
Carauari em seis dias. Vale a pena relatar um caso insólito que aconteceu em
Rio Manso. Ao nos aproximarmos da Comunidade, as pessoas em fila indiana se
dirigiram rapidamente para uma das casas e, como esta fosse muito pequena para
acomodar tanta gente, buscaram imediatamente uma maior e fecharam
apressadamente portas e janelas. Perguntei a uma senhora, que não conseguira
acompanhar a estranha “procissão”, se
ela podia me dizer o nome do povoado e ela, visivelmente apavorada, disse que
não sabia de nada. Depois de algum tempo, um homem entreabriu uma das janelas
do refúgio. Informei-lhe sobre nossa missão, que não éramos celerados e que
aquela multidão não precisava ter medo de dois inofensivos canoístas. Rio Manso
parece ter sido um presságio que não identificamos na oportunidade.
Depois
de remar mais dez quilômetros, chegamos exaustos a Imperatriz, por volta das
15h00, após navegar durante nove horas, sem aportar; foram mais de 105 km sob
Sol causticante, banzeiros e ventos fortes. O Mário já fizera os devidos
contatos e tinha desembarcado o material na frente da escolinha da grande
povoação que possui Igreja, Centro de Recreação, enfim diversos locais onde
exaustos peregrinos poderiam encontrar abrigo.
Puxamos
nossos caiaques para a margem, retiramos a água do convés, e estávamos
carregando também nossas tralhas para a escolinha quando surgiu um elemento,
não sei de onde, dizendo que a chave da escolinha estava com a líder do povoado
que se encontrava em Carauari.
O
impressionante disso tudo é que ninguém interveio oferecendo uma varanda, um
telheiro, enfim um abrigo. A sugestão “surreal”
e absurda dos “hospitaleiros”
ribeirinhos é que deveríamos procurar abrigo em Nova Esperança, uma Comunidade
que fica a quase quarenta quilômetros de distância e que jamais teríamos
condições de alcançar naquele dia remando. Observem os leitores que em nenhuma
oportunidade me referi a Imperatriz como COMUNIDADE, ela absolutamente não
merece este título.
A
primeira lição que recebi de COMUNIDADE foi de uma índia Cocama, da Comunidade
Prosperidade, quando lá aporei em dezembro de 2008 pedindo abrigo. Ela veio até
nós e nos ajudou a carregar nossas tralhas para a escolinha e, quando foi
interpelada por um jovem e arrogante nativo, por estar nos ajudando, ela lhe
respondeu – “porque isto aqui é uma
COMUNIDADE!”
A
falta de hospitalidade de Imperatriz ficará, para sempre marcada em nossas
memórias. Que saudades tenho dos pescadores da minha Laguna dos Patos que, numa
emergência, nos abrigaram, vestiram e alimentaram! Saudades da Dona Anésia lá
de Santa Isabel do Rio Negro que, mesmo acompanhada de apenas duas filhas e
dois netos numa Ilha remota, não deixou de alimentar e abrigar o canoísta
solitário.
Aqui
mesmo, no Juruá, quantas vezes fomos abrigados e convidados a partilhar do
jantar na casa de ribeirinhos! Não esquecerei jamais do Professor Raimundo Nonato
Andriola, da Comunidade da Boca da Campina que comemorou meu aniversário na sua
casa com direito a bolo e refrigerantes. Muito tem de aprender os ribeirinhos
de Imperatriz com seus vizinhos, perfeitos comunitários.
O
desastre só não foi total porque encontramos, a 7 km de distância de
Imperatriz, a Com. da Boca do Preguiça ([1]).
Nessa época de alagação na Bacia do Juruá, não existem praticamente locais de
terra firme para acampar e os que existem estão cobertos pela mata.
Depois
de uma longa curva à esquerda, uma esperança: avistamos ao longe o Mário
conversando com uma moradora, até que, de repente, ele acelerou o motor e
achamos que mais uma vez tínhamos sido enxotados. Felizmente ele estacionou a
lancha na frente de outra casa e nos sinalizou, de longe, com o polegar para
cima. A nossa barraca seria montada na varanda da humilde habitação do
hospitaleiro Sr. Antônio Geraldo Brito dos Santos e o Marçal dormiria na
sala-cozinha da casa.
Tomei
meu banho, coloquei meu abrigo e meias para não ser torturado pelos piuns e
coloquei um “filmete” de nossas
jornadas para as crianças assistirem no computador enquanto conversava com
nosso anfitrião. O contraste era nítido entre Imperatriz e a Com. da Boca do
Preguiça, uma com boas e numerosas construções, escola, templo, casa de
recreação e a outra com apenas quatro famílias vivendo na penúria, mas
solidários e dispostos a dividir o pouco que tem. Obrigado Sr. Antônio Geraldo
por nos acolher, não encontraríamos outro abrigo até chegar à distante Nova
Esperança. Percorrêramos 105 km.
02.02.2013 – Com. Boca do Preguiça – Goiabal
O
Sr. Antônio orientou-nos a respeito dos furos Jaibá e Pupunhas. O Mário teve
dificuldades para entrar com a lancha na Boca do Jaibá tomada por troncos mas,
superado o entrave inicial, o amplo Furo não possuía outros obstáculos.
Antes
do Furo Pupunhas existem algumas entradas que podem ser identificadas como
Bocas de Lagos pela cor escura de suas águas e que não enganariam um nauta
atento, o Furo Pupunhas fica na curva, depois de um barranco e, confirmando
nossas expectativas, surgiram dele duas rápidas voadeiras. Chegamos à
Comunidade Goiabal ([2])
por volta das 14h00, depois de percorrer 95 km. Localizada a pouco mais de 01
km do antigo Arrombado do Idílio ou Euré. O Mário aguardou nossa chegada para
confirmar a parada já que a próxima Comunidade ficava muito longe. Decidimos
permanecer em Goiabal tendo em vista que a próxima etapa até Carauari era
inferior a 60 km.
O
Sr. Ataíde Soares dos Santos e o líder da Comunidade Sr. Mário Castro dos
Santos ajudaram-nos a carregar as tralhas e nos instalaram na Casa de
Recreação. A esposa do Líder comunitário, Sr.ª Antônia Rosa Pires dos Santos,
permitiu que o Marçal preparasse a refeição na sua cozinha. Tomei meu banho,
almocei e permaneci na barraca lançando os dados no computador e tratando da
perna direita que vinha me incomodando há mais de dois dias.
03.02.2013 – Comunidade Goiabal – Carauari
Partimos
por volta das sete horas já que a jornada era bem mais curta neste último dia.
Passamos pelo Arrombado do Euré que certamente em menos de uma década deverá
alterar novamente o seu curso. Ele deverá romper o bloqueio em um pequeno
estreito ([3])
diminuindo ainda mais a distância até Carauari.
Chegamos
depois do meio-dia a um Lago muito assoreado que já foi um dia o leito
principal do Juruá e avançamos lentamente até a bela Cidade. Sem o auxílio da
correnteza do Rio nossa velocidade que antes girava em torno dos 13 km/h,
passou para 7,7 km/h. Em Caruari ([4]),
depois de remar por 63 km, novamente fomos socorridos pelos amigos da Polícia
Militar liderados pelo 1° Tenente Alain que providenciou para que ficássemos
instalados no confortável Hotel Medeiros e realizássemos as refeições no
Restaurante Bom Gosto. O acesso à internet, por sua vez, só foi possível graças
à boa vontade da Fernanda Camilo Ferreira, Agente de Pesquisas e Mapeamento do
IBGE.
²Total Parcial: Itamarati ‒ Caruari = 531,0 km
²Total Geral: Foz do Breu ‒ Caruari = 2.308,5 km
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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