Quarta-feira, 17 de março de 2021 - 06h00
Bagé, 17.03.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte L
A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu
mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me
demoverá de tal propósito.
(Euclides da Cunha)
O
início de minha Expedição pelo Juruá foi carregado de incertezas, dificuldades
e obstáculos de toda a ordem, o bom senso recomendava que eu abortasse a
Missão. Esta era, porém, uma oportunidade única de desbravar novos horizontes,
navegar por estes “brasis ainda sem
Brasil” tão desconhecidos dos nacionais e olvidados pelo poder público,
perlustrar infindos meandros do serpenteante Juruá, conhecer novas gentes e,
sem dúvida, de ter a ventura ímpar de fazer parte de uma Expedição Histórica
que desceria de caiaque, pela primeira vez,
na história do tumultuário Juruá, percorrendo-o na sua integralidade.
Tudo
conspirava contra, mas as palavras do imortal Euclides da Cunha, meu escritor
favorito, retumbavam na minha mente e me impulsionavam a continuar. Henry Ford
dizia que “existem mais pessoas que
desistem do que pessoas que fracassam”.
Eu
podia até fracassar sucumbindo aos inúmeros fatores adversos identificados
desde o planejamento inicial, mas desistir jamais.
Esta
opção nunca foi considerada, eu ia reconhecer o Juruá, empenhando-me de corpo e
alma como se esta fosse a Missão mais importante de toda minha vida. Eu estava
confiante, embora ciente das agruras que iria encontrar nestes “ermos dos sem fim”. Como oficial de
engenharia de construção, aprendi a superar, improvisar, criar, a buscar
recursos onde fosse necessário e não seria agora que meras dificuldades
logísticas iriam comprometer este projeto.
Inconstante Juruá
A inconstância tumultuária
do Rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente
enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar
horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou
arrojando-se à ventura em repentinos atalhos...
(Euclides da Cunha)
Nos
Municípios ao Norte da Bacia do Juruá no Estado do Amazonas, as aulas só se
iniciam após as cheias, enquanto ao Sul elas começarão agora e serão
interrompidas quando as águas da grande alagação chegarem. O comportamento do
Rio influencia sobremaneira a vida dos ribeirinhos e é preciso conhecer os
segredos de sua hidrodinâmica para administrar corretamente o cotidiano dos que
vivem às suas margens. Os Rios de planície têm um comportamento bastante
diverso de seus irmãos que fluem por terrenos mais acidentados onde a variação
do nível das águas é praticamente uniforme em todo seu curso. Um infindável
número de Lagos, Sacados e Igapós sangram ferozmente as águas do Juruá até que
estejam nivelados ao tumultuário Rio, determinando que a cheia se processe
progressivamente por platôs.
É
interessante observar suas águas fluindo para maioria dos pequenos afluentes
transformando-o, temporariamente, em tributário de seus próprios afluentes. As
cheias se processam, portanto, por segmentos já que as águas do Rio são
drenadas intensiva e inexoravelmente desde adentra no Estado do Amazonas. As
escuras marcas no caule das árvores deixadas pela última alagação mostravam
nitidamente este comportamento peculiar.
Em
Carauari, quando por lá passamos, a marca estava a apenas 50 cm do nível do Rio
enquanto que no Município de Juruá, uma semana mais tarde, mais abaixo,
faltavam 2,50 m para atingi-la. A distância, linha reta, entre Caruari e Juruá
é de 154 km e a fluvial de 417 km.
16.02.2013 – Juruá – Com. Estirão das Gaivotas
Aprontamos
nossas tralhas e, às 05h30, antes mesmo de telefonar para a Polícia Militar, a
viatura já estava a postos. Partimos rumo à Comunidade Saudade, a única das
três contempladas no Mapa do DNIT que realmente existia. A pouco mais de sete
quilômetros passamos pelo Arrombado do Batalha, que parece ser o único furo que
sofreu intervenção institucional no Rio Juruá. O então Prefeito Raimundo
Batalha Gomes determinou que seu pessoal abrisse um furo para abreviar os
deslocamentos de quem demandasse do Juruá para o Solimões.
Marcamos
a Foz do Rio do Breu e entramos no braço Ocidental do Juruá onde se encontra a
Ilha de Antonina.
A
formação de Antonina foi similar à das Ilhas de Mararí e Chué, o Rio do Breu
serpenteava ao longo da margem esquerda do Juruá até que o barranco que
separava os dois caudais foi rompido criando a enorme Ilha de Antonina. No
início, a largura deste Canal era a mesma do Rio do Breu que o originou e, com
o passar dos anos, solapado pela energia das alagações, foi se transformando no
talvegue do Rio Juruá, enquanto o Braço Oriental foi, aos poucos, perdendo sua
importância.
Depois
de remarmos 70 quilômetros, comecei a me sentir mal. Meu coração batia mui
rapidamente e fiquei preocupado com a pressão, chamei o Mário, que me alcançou
imediatamente meu kit de medicamentos e tomei três comprimidos para baixar a
pressão. Melhorei um pouco e retornamos aos remos, a jornada era longa e não
podíamos nos dar ao luxo de perder tempo. O Sol a pino e a ausência de ventos
transformara o Juruá num imenso espelho a refletir a abóboda celeste e as
nuvens. Era um momento mágico e eu absorto navegava ou, quem sabe, voava mesmo
sobre cristalinas nuvens em busca da Terceira Margem.
Dez
quilômetros antes do que eu achava ser o nosso destino, a Comunidade Saudade,
despachei o Mário para fazer contato e, para nossa surpresa, depois de uma
curva avistamos um povoado que, mais tarde, ficamos sabendo se tratar da
Comunidade do Estirão das Gaivotas ([1]).
Imediatamente eu e o Marçal nos refugiamos nas canaranas aguardando o resultado
das negociações do Mário, temerosos de que, aparecendo comprometêssemos as
tratativas, como acontecera com Imperatriz.
Depois
de algum tempo, fomos ao encontro do Mário que, para nossa surpresa, vinha em
nossa direção. Achamos que mais uma vez tinham-nos fechado as portas e,
desanimados, aguardamos nosso companheiro. Ele nos informou que o Secretário
Extraordinário de Juruá, o amigo José de Arribamar, já tinha passado por ali e
recomendado aos moradores que nos acolhessem já que esta era a única Com. que
possuía uma escolinha para nos abrigar nos próximos 60 km. Remáramos 99 km.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com..
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