Terça-feira, 23 de março de 2021 - 06h01
Bagé, 23.03.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte LIV
Ao
passar pela Boca do Purus, minha memória, madrugando no passado, recolheu, no
arquivo ancestral, a imagem de dois ícones de nossa história, em outubro de
1905, navegando no vapor Rio Branco, singrando este mesmo Rio tendo como
destino Manaus. José Plácido de Castro Comandante vitorioso do Movimento
Revolucionário Acreano que resultou na incorporação das terras “ditas”
bolivianas ao Brasil e Euclides da Cunha que chefiara a “Comissão Brasileira de
Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o Rio Purus desde a Foz,
no Solimões, até suas cabeceiras, definindo as fronteiras do país com a Bolívia
e o Peru.
(Hiram Reis – Descendo o Solimões)
Novamente
os cordiais Policiais Militares nos apoiaram na hora da partida. Quando
chegamos ao flutuante do “Pisca”, ele
já estava a postos para que pudéssemos carregar, na lancha “Mirandinha”, o material que ficara sob
seus cuidados. Eu visitara Codajás, AM, pela primeira vez em 2009 e ao deixá-la
para trás constatei consternado o retrocesso de uma Cidade que regrediu
consideravelmente em todos os aspectos, apresentando uma triste realidade que
parece ser a tônica das cidades do Rio Solimões pelas quais passamos
diferentemente do que observamos no Juruá.
05.03.2013 – Partida para Anamã
O
Mário ficou arrumando as tralhas na lancha e eu e o Marçal iniciamos nossa
jornada. A noite emprestava à paisagem um toque de magia e mistério, eu me
orientava pela claridade da Cidade que ainda dormitava preguiçosamente e pelas
luzes das embarcações que desciam placidamente o formidável manancial.
Os
primeiros raios solares só surgiram no horizonte matizando as diáfanas nuvens
depois de termos remado hora e meia. Ao raiar do dia, cruzamos por uma
embarcação da Marinha do Brasil, a P20, que realizava manobras na área. O dia
transcorreu sem grandes alterações, o calor era insuportável e foi necessário
reabastecer nossos cantis por três vezes.
O Lendário Rio Purus
Avistamos
a Boca do Purus e, antes de entrarmos em um Furo que conduzia à Cidade de Anamã,
solicitei ao Mário que fizesse algumas tomadas da Boca do lendário Rio Purus.
Como em 2009, cruzamos, novamente, pelas enormes alfaces d’água (Pistia
stratiotes) de mais de 50 cm de diâmetro do Purus.
Pela
Foz do Purus haviam passado alguns desbravadores em busca do conhecimento e da
fortuna, muitos em busca da simples sobrevivência, idealistas buscando estender
nossas fronteiras pela força do direito, e guerreiros tentando fazê-lo pelo
direito da força. O Purus não é apenas um Rio, mas um protagonista que, junto
com homens de grande valor, gravou páginas de glória na história da nossa
nação.
Homens
que enfrentaram o desconhecido, que subjugaram a mata, que a analisaram,
estudaram, mas também homens que tiveram suas vidas arrebatadas pela força da
natureza e cujos destinos foram manipulados inexoravelmente pelas titânicas
energias telúricas. O Purus merece nosso respeito pelo que foi, pelo que é e
pelas contraditórias passagens levadas a efeito na sua calha.
Um
Rio patriota que guarda nas suas águas as imagens imaculadas de um Plácido de
Castro e de um Euclides da Cunha. Um Rio de ambição e sem consciência, que
reflete as carrancas dos ambiciosos seringalistas que escravizaram os
seringueiros nordestinos e suas famílias. O Purus pré-histórico é tudo isso e
muito mais. Nas suas calhas, foram descobertos os restos de gigantescos
animais, como o “Purusaurus brasiliensis”
de 15 a 20 metros de comprimento que dominava as águas do Lago Pebas. O
Purusaurus viveu de 5 a 6 milhões de anos atrás e provavelmente foi o maior dos
crocodilianos gigantes extintos. Nosso preito de respeito a esta artéria viva
da nacionalidade brasileira que reflete, nas suas águas, a pujança de uma raça
do porvir, alicerçada no invulgar passado, mas com os corações e mentes
voltados para o futuro.
Anamã
O
Furo, indicado ao Mário por um ribeirinho, diminuía consideravelmente a
distância até Anamã e por ele enveredamos. As águas do Solimões penetravam
velozmente pelo Furo e, chegando ao Lago, já tinham empurrado as águas negras
mais para o interior, tingindo-o totalmente com suas águas leitosas.
Depois
de remar uns dez minutos, avistamos a Cidade das originais e multicoloridas
casas de madeira, ao fundo, e picamos a voga para atingi-la. Remamos direto
para o Porto de Anamã que, por sinal, encontra-se em péssimo estado de
conservação.
Guardamos
nossos materiais em um flutuante da Prefeitura, sob custódia do “Vovô” e contatamos o Cabo PM Evandro
Carreira, que nos levou até o Hotel e, às 19h00, até o restaurante do “Soldado” que a Prefeitura havia-nos
igualmente franqueado.
Anamã e a Enchente de 2012
A
maior enchente em mais de cem anos castigou uma das mais belas cidades do
Estado do Amazonas. A alagação colocou o Município de Anamã em situação de
emergência já que 100 % das ruas da Cidade estavam debaixo d’água e mais de 800
casas tinham sido inundadas, sendo que mais da metade delas precisou utilizar
do recurso do assoalho levantado.
A maioria das casas de Anamã é de madeira e sua arquitetura requintada, riqueza de detalhes e pinturas vivas chamam a atenção de quem a visita. Os marceneiros locais são muito hábeis e os acabamentos originais raramente repetidos. As marcas das águas nas paredes das residências não deixam dúvidas do estado de calamidade que assolou a pequena Anamã. Verificamos muitas obras sendo executadas e esperamos que o pico da cheia que se avizinha não venha a causar mais transtorno aos seus moradores.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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