Quarta-feira, 31 de março de 2021 - 06h00
Bagé, 31.03.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte II
Relatos Pretéritos - Tapajós
João Daniel (1741-1757)
[...] o Rio Tapajós na verdade é um dos
mais avultados, que, da banda do Sul, recebe o Amazonas. Tem este Rio as suas
cabeceiras muito perto das minas de Cuiabá, que tomam o nome do Rio Cuiabá, que
tomam o seu curso para o Sul, e se vai meter no Rio da Prata; e talvez que pelo
Rio Cuiabá, ou algum outro tenha o Rio Tapajós comunicação com o Rio da Prata;
pois consta que na verdade há a tal comunicação, posto que ainda não se sabe de
certo por qual Rio: se pelo Tapajós, ou pelo Madeira, de que falamos supra. E
quando não seja por este Rio Cuiabá, ao menos se afirma estarem vizinhas as
cabeceiras de um e outro Rio. Recolhe o Rio Tapajós de uma e outra banda muitas
e grandes ribeiras, e alguns Rios de nome, especialmente da banda de nascente.
[...] É o Rio Tapajós navegável até suas cabeceiras; porém com alguma
dificuldade nas suas catadupas, e daí para cima, onde corre mui violento, por
não atender ao grande princípio, que nas cachoeiras o espera, bem como os
pescadores, que não atendendo à grande queda, que os espera no fim da vida,
para o inferno correm sem freios nos seus vícios, “nullus est qui recogitet” ([1]).
Contudo não são as cachoeiras do Tapajós
tão medonhas, como as do Rio Madeira porque se podem navegar para cima
facilmente no tempo da enchente, e ainda na vazante em embarcações pequenas. Quase
na sua Foz forma grandes Baías, onde recolhe o Rio Cumane, que nele deságua da
banda de Oeste; é de poucos dias de viagem. Deságua o Rio Tapajós no Amazonas
com tanto ímpeto que, por um grande espaço, se conhecem divididas por uma corda
as águas de um e outro; ou porque quer mostrar que ainda à vista do Amazonas é
Rio grande ou que é Rio de distinção.
Já para cima da sua Foz, coisa de duas
léguas ([2]),
tem furo para o Amazonas, bem pelo meio de uma língua de terra, capaz de
grandes embarcações em todas as estações do ano, exceto na Boca que, nas secas
do verão, quase fica em seco. Nesta Boca do Tapajós está uma Fortaleza, que é a
primeira Rio abaixo da banda do Sul. [...]
Junto à catadupa do Rio Tapajós, acima da
sua Foz pouco mais de cinco dias de viagem, está uma fábrica, a que os
portugueses chamam convento, por ter o feitio dele. Consiste este em um
comprido corredor com seus cubículos por banda, e com suas janelas conventuais
em cada ponta do corredor. É fábrica, segundo me parece das poucas notícias que
dão os índios brutais em cujas terras estão, de pedra e cal, e conforme a sua
muita antiguidade, mostra ser feito por mãos de bons mestres.
É todo de abóbada, e muito proporcionado
nas suas medidas, e não é feito, ou cavado em rochedo por modo de lapa, ou
concavidade, como são os templos supra, mas obra levantada sobre a terra.
Alguns duvidam se toda a fábrica consta de uma só pedra, porque não se lhe veem
as junturas: famoso calhau se assim é e, na verdade, só sendo um inteiro calhau
parece podia durar tanto, pois segundo o ditame da razão se infere que ou é
obra antes do Universal Dilúvio, ou ao menos dos primeiros povoadores da
América que, por tão antigos, ainda se não sabe decerto donde foram, e donde procedem.
A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre nos índios , é que ali
moraram, e viveram nossos primeiros pais, de quem todos descendem, brancos e
índios; porém que os índios descendem dos que se serviam pela porta, que
corresponde às suas Aldeias, e que por isso saíram diferentes na cor aos
brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta correspondente à Foz, ou
Boca do Rio; será talvez a principal e ordinária serventia do palácio, e a
outra uma como porta travessa; outros dizem que naquele convento moraram os
primeiros povoadores da América e que, repartindo a seus filhos e descendentes
aquelas terras, eles bulharam ([3])
entre si sobre quem havia de ficar senhor da casa, e que finalmente só se
acomodaram desamparando a todos. Eu não discuto agora sobre estas tradições,
cuja ponderação deixo à discrição dos leitores, só digo que o palácio, ou
convento bem merece veneração por velho e gozar dos privilégios dos mais
antigos.
Algum autor houve que discorria ser a
América o Paraíso Terreal, onde Deus pusera Adão, apontava para isso várias
razões, fundadas já na sua grande fertilidade, e já nos seus grandes Rios; e
outros que não aponto por me parecerem quiméricos, além de assentarem os
maiores escriturários, que o lugar do paraíso era, e é na Ásia, encoberto, e
oculto aos homens; e também pode ser na América do que prescindo; só digo que
os que o põem na América têm neste “Convento”
e tradição dos índios grande fundamento.
A verdade é que os índios lhe têm tal
respeito e veneração, que se não atrevem a morar nele, não obstante o viverem
em suas fracas choupanas quanto basta a encobrir os raios do Sol, e
incomodidade da chuva; nem têm instrumentos para maiores fábricas, por não terem
uso do ferro; e tendo ali casas feitas, e bem acomodadas, as deixam estar
solitárias, servindo de covis aos bichos do mato, e de palácio aos grandes
morcegos, e aves noturnas que ali vivem e moram muito contentes e sossegadas,
enquanto os tapuias não lhes dão caça com as suas flechas, para deles fazerem
bons assados, e melhores bocados para os seus. Ao sair pela sua porta os
índios, e por isso saíram tisnados ([4]),
e vermelhos; e quem sabe se por causa deste fogo, e fumo, não habitam o
convento? [...] Mais curiosos foram os que mediram outra semelhante no Rio
Tapajós, que com grande cabedal ([5])
deságua acima do Rio Coroa.
Entre os mais Rios e Ribeiras que recolhe
o Tapajós é um o Rio Cupari, a pouca mais distância de três dias e meio de
viagem da banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este
Rio, mais que pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e
talhada por modo de uma grande Igreja, ou Templo, que bem mostra foi obra de
arte, ou prodígio da natureza. É grande de cento e tantos palmos no
comprimento; e todas as mais medidas de largura e altura são proporcionadas
segundo as regras da arte, como informou um missionário jesuíta, dos que
missionavam no Rio Tapajós, que teve a curiosidade de lhe mandar tomar bem as medidas.
Tem seu portal, corpo de Igreja, Capela-mor com seu arco; e de cada parte do
arco, uma grande pedra por modo de dois Altares colaterais, como hoje se
costuma em muitas Igrejas; dentro do arco e Capela-mor, tem uma porta para um
lado, para serventia da sacristia. O missionário que aí quiser fundar missão já
tem bom adjutório ([6])
na Igreja, e não o desmerece o lugar, que é muito alegre. Bem pode ser que nos
mais Rios e Distritos do Amazonas, e seus colaterais, haja algumas outras
Igrejas, ou Capelas; nestes três Rios Tapajós, Coroa e Xingu se descobriram
estas, por serem mais frequentados. (DANIEL)
José Monteiro de Noronha (1768)
Da Viagem da Cidade do Pará até as Últimas Colônias
dos Domínios Portugueses em os Rios Amazonas e Negro
54. O Rio Tapajós tem as suas fontes junto à cordilheira
das Gerais. Desce do Sul ao Norte paralelo aos Rios Xingu e Madeira, e deságua
na margem austral do Amazonas em 02°25’ ao mesmo Polo do Sul. Unem-se-lhe
vários Rios; um dos quais é o das Três Barras que lhe é Oriental, aonde o
Sargento-Mor ([7])
João de Souza de Azevedo achou ouro no ano de 1746 e o Rio Arinos, aonde no
mesmo ano foram descobertas as minas de Santa Isabel por Pascoal Arruda,
passando por terra do Mato Grosso ao Rio Arinos, cuja jornada se faz em quinze
dias, e em menos de Cuiabá.
55. Há neste Rio grandes Saltos, chamados vulgarmente
cachoeiras, cravo e óleo de copaíba. As suas terras ainda são povoadas de
muitas nações de índios infiéis das quais as mais conhecidas são: Tapakurá,
Carary, Maué, Jacaretapiya, Sapopé, Yauain,
Uarupá, Suarirana, Piriquita, Uarapiranga. Os índios das nações Jacaretapiya e
Sapopé são antropófagos. Os da nação Yauain têm
por sinal distintivo um listão largo e preto no rosto, principiando do alto da
testa até a barba.
Os das nações Uarupá, Suarirana, e
Piriquita têm as faces matizadas com sinais pretos, que lhe fazem os pais na
sua infância com pontas de espinhos, e tinta negra aplicadas nas picaduras dos
mesmos espinhos. Nos seus ritos, costumes e armas, são como os demais, sem
especialidade notável.
56. Na Barra do Rio Tapajós, à parte Oriental dele está
a Vila de Santarém, defendida por uma Fortaleza. Pelo Rio acima, há mais quatro
povoações, a saber: a Vila de Alter do Chão [antiga Borary ou Iburari], na
margem Oriental e superior a Santarém 8 léguas ([8]);
a Vila Franca [antiga Cumaru ou Arapiuns] na margem Ocidental fronteira a Alter
do Chão com a mediação de uma Baía de mais de 4 léguas e pouco acima da Barra
do Rio Arapiuns.
A Vila Boim [antiga S. Inácio ou
Tupinambaranas] distante da Vila Franca 10 léguas na mesma margem. A Vila de
Pinhel [antiga Maitapus] também Ocidental, e acima da Vila Boim 4,5 léguas. Os
índios, que habitam nestas Vilas e em todas as demais povoações, que ficam do
Tapajós para baixo se chamam vulgarmente entre eles “Canicaruz”; em distinção dos que assistem nas povoações de cima,
aos quais apelidam por “Yapyruara”, e
vale o mesmo que “gente do sertão, ou
parte superior do Rio”. (NORONHA)
Bibliografia
DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas – Brasil
– Rio de Janeiro, RJ – Contraponto Editora, 2004.
NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até
as Últimas Colônias do Sertão da Província (1768) – Brasil – Belém, PA –
Typographia de Santos & Irmãos, 1862.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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