Quinta-feira, 1 de abril de 2021 - 06h00
Bagé, 01.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte III
Relatos Pretéritos - Tapajós
Manoel Ayres de Cazal (1817)
Tapajônia
Os navegadores do Tapajós observaram
numerosas colinas, e alguns montes, estando ainda muito distantes do Amazonas,
em cujas vizinhanças as terras são baixas, e nenhum Rio considerável sai deste
país para o primeiro, que é assaz largo e cheio de Ilhas de todas as grandezas
povoadas de matos. Não nos atrevemos a dizer se a parte do Sudoeste é regada
pelo caudaloso e cristalino Rio das Três Barras por ainda não estar acertada a
Latitude das suas Bocas. Mas ou estejam dentro ou fora dos limites, que
assinamos ([1])
à Comarca, e que por hora só servem para clareza da descrição empreendida, é
provável que, quando com o tempo a povoação crescer nestas paragens, venha ele
a ser em parte a divisão comum com a Província dos Arinos. Pela sua grandeza se
supõe ser navegável por larguíssimo espaço, com grande vantagem dos futuros povoadores
de uma e outra Comarca, facilitando-lhes a condução das suas produções ao
Tapajós.
Santarém: Vila grande, e florescente situada pouco dentro da
embocadura do Rio Tapajós escala das canoas, que navegam para Mato Grosso e
Alto Amazonas, e o depósito de grande quantidade de cacau, cujas árvores têm
sido cuidadosamente cultivadas no seu território, que lhes é particularmente
apropriado [...]. É povoação abastada de pescado. Tem uma Igreja Paroquial
dedicada a Nossa Senhora da Conceição, e muitas casas de sobrado. No Fortim,
que a princípio a defendia contra os bárbaros, há hoje um Destacamento para
registrar as canoas que sobem e descem por um e outro Rio. Seus habitantes, em
grande parte Brancos, criam ainda pouco gado “vacum”. (CAZAL)
J. B. Von Spix e C. F. P. Von Martius (1819)
Ao sair do camarote, notamos uma grande
mudança na água; não tinha mais o tom amarelo-sujo da do Amazonas, mas era
verde-escura e mesmo mais clara que a do Xingu; achávamo-nos, portanto na Foz
do Tapajós. Em breve, subíamos, por esse Rio cuja largura não nos pareceu muito
maior que a do Xingu em Porto de Moz. (SPIX & MARTIUS)
Antônio Ladislau Monteiro Baena (1839)
Nota
O Rio Tapajós com o Juruena, que o
constitui, tem as cabeceiras nas Serras dos Parecis, ao Ocidente das do Rio
Guaporé, situadas no terreno mais excelso do Brasil; destas Serras ele rola
para o Setentrião paralelamente ao Xingu. As suas correntes são escuras, mas em
fundo de duas braças ([2])
deixam divisar as áreas e os seixinhos da margem. A situação geográfica da sua
Foz é o paralelo austral 02°29’ cruzado pelo meridiano 323°15’ e a largura de
2.998 braças craveiras ([3]).
Este Rio extrai o nome dos silvícolas
denominados Tapajós que antigamente desceram das possessões castelhanas no alto
Peru e tomaram assento na parte contiguamente superior ao sítio que hoje ocupa
a Vila de Alter do Chão. Estes silvícolas eram menos broncos e menos bravos e
infestadores que os outros indígenas; entre os quais muito abalizavam os
Muturicus na valentia. As últimas hostilidades que eles praticaram nos povos do
Tapajós, ajudados das suas mulheres, foram em 1773, em cujo tempo também
combateram o Comandante da Fortaleza da Foz do Rio sem pavor do fogo que ele
lhes fez por um largo espaço de tempo.
É penhascoso o Tapajós. Cinco dias de
navegação para cima das suas faces o estorva grande número de catadupas e muito
difíceis de montar. Na proximidade delas ou as águas ou os ares causam doenças
segundo dizem os que ali vão apanhar cravo e outros gêneros da espessura. As
terras que este Rio retalha apresentam logo da Foz do mesmo Rio para cima de
grandes Lagos, campos, colinas e montes.
Os sobreditos campos dos Parecis,
terminados na fralda da serrania que corre da altura de 14° para o Norte e para
o Poente, assumem este nome de uma cabilda de silvícolas assim chamados, que
foi desbaratada e extirpada do solo pátrio com bastante feridade ([4])
por frequentes tropas saídas do Cuiabá a explorar ouro.
Em 1626, entrou o Capitão Pedro Teixeira
neste Rio a fazer resgates de escravos indígenas bravos em companhia de um
religioso capucho e à testa de 28 soldados e avultado número de índios.
Começaram em 1668 os Padres da companhia a plantar Aldeias neste Rio e chegaram
a administrar cinco.
Em 1747, João de Sousa de Azevedo desceu
das terras Setentrionais de Mato Grosso pelo Sumidouro ao Arinos, no qual havia
embocado ([5])
com Pascoal Arruda à cata de ouro e voltando este seu companheiro para a
capital da sua Capitania, intentou ver se deparava com o mesmo metal em outra
paragem e com este pressuposto seguiu a undação ([6])
do Arinos e entrou no Tapajós, do qual se dirigiu à Cidade do Pará ([7])
em 1749, com o ouro achado.
O aparecimento deste homem provocou a
curiosidade do Governador do Pará, Francisco Pedro de Mendonça Gurjão, para
exigir dele notícias topográficas de Mato Grosso: e a este fim foi chamado ao
Colégio Jesuítico, onde disse tudo quanto sabia da matéria e referiu que a
descoberta das Minas de Mato Grosso fora praticada pelo Sargento-Mor ([8])
Antônio Fernandes de Abreu no que se não mostrou cabalmente noticiado porque o
verdadeiro descobridor de Mato Grosso foi em 1734 o sorocabano Fernando Paes de
Barros, com o seu irmão Arthur Paes; e o dito Sargento-Mor só viu o descoberto
país em companhia do mencionado Fernando Paes em consequência de ser mandado
pelo Brigadeiro Antônio de Almeida Lara, Regente de Cuiabá, a examinar o novo
país. Este mesmo Azevedo escreveu, a 16.01.1752, uma Memória sobre o Tratado de
Limites de 1750 entre as duas Coroas do último Ocidente da Europa e deu-a ao
Governador do Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o qual enviou para a
Corte. (BAENA, 2004)
Paul Marcoy (1847)
Depois de uma série de bordejadas ([9])
entre o Nordeste e o Sudeste, chegamos à embocadura do Rio e lançamos a âncora
a meia milha da Cidade de Santarém, localizada na margem direita. A confluência
do Tapajós com o Amazonas forma uma Baía mais ampla do que qualquer outra que
eu já tinha visto. Tanto na direção do grande Rio como na do seu afluente, a
margem de terra firme recuava tanto que a vista tinha dificuldade de acompanhar
as sinuosidades.
A junção do Ucayali com o Maranhão, que me
havia surpreendido, parecia agora medíocre em comparação com a enorme extensão
de água à nossa frente. Uma dupla linha de morros, baixos e pelados, rodeava a
margem direita do Tapajós, Rio que se forma no interior pela união de muitos
riachos que nascem na chapada dos Parecis. A cor de sua água é um verde puxado
para o cinza; ela se move tão imperceptivelmente que chega a parecer água
parada.
Na ponta formada pela junção dos dois
Rios, sobre o topo achatado de uma longa colina, estão os muros de barro de uma
Fortificação outrora destinada a proteger as possessões portuguesas do Amazonas
e do Tapajós contra as incursões dos índios e os ataques dos piratas da Guiana
Holandesa. Ao pé da colina e à sombra da Fortificação, espalham-se as casas de
Santarém, que se estende para além das duas torres quadradas de uma igreja.
Algumas escunas, chalupas, igarités e canoas ancoradas defronte à Cidade davam
um toque de alegre animação à Capital do Tapajós, que conta uma centena de
casas.
A primeira exploração do Rio Tapajós data
de 1626. Foi feita por Pedro Teixeira, que subiu o seu curso por doze léguas em
companhia de um Frade capuchinho chamado Cristóvão ([10]),
um comissário da inquisição, 26 soldados e uma leva de índios Tapuias nutridos
no seio da igreja romana e que já haviam recebido o duplo batismo de água e de
sangue.
Ninguém ignorava o objetivo da viagem e
não será preciso agora fazer mistério dele. Pedro Teixeira, em nome do primeiro
Governador da Província do Pará, Francisco Coelho de Carvalho, foi buscar um
acordo com os índios. Havia necessidade de braços para o trabalho na Cidade e
nos campos, e as nações Tupinambá, Tapuia e Tucuju, que até então haviam
suprido a demanda, não eram mais suficientes para repor os índios que durante
onze anos, haviam perecido nas mãos dos portugueses em seus novos domínios.
(MARCOY)
Alfred Russel Wallace (1848)
Finalmente, após 28 dias de viagem, na
Barra do Tapajós, cujas águas azuladas e transparentes formavam um curiosíssimo
contraste com a turva correnteza amazônica. (WALLACE)
Henry Walter Bates (1849)
A Baía de Mapiri marcava o limite de
minhas expedições pelo Rio, a Oeste de Santarém. Contudo, na estação da seca é
possível viajar por terra, como fazem comumente os índios, podendo-se percorrer
80 ou 90 km ao longo das vastas praias do Tapajós, com suas alvas areias. [...]
Para Leste, minhas andanças me levavam até a Barra do Maiacá, que entra no
Amazonas cerca de quatro quilômetros e meio abaixo de Santarém, onde a límpida
corrente do Tapajós começa a ser manchada pelas águas do Rio principal. (BATES)
Richard Spruce (1851)
[...], o nome local do Tapajós é “Rio Preto”, mas a verdadeira coloração
das águas é azul-escura. Quando o avistei pela primeira vez, na estação seca, a
água azul se estendia Rio abaixo por diversas milhas, até ser absorvido pela
vastidão barrenta do Amazonas. Junto à Cidade havia uma ampla praia de areia
branca, que se estendia por cerca de uma légua ([11])
para jusante, enquanto que, a montante, o Rio seguia sinuosamente por cerca de
5 milhas ([12]).
Contudo, quando chega a estação chuvosa e o nível do Amazonas sobe, suas águas
represam as do Tapajós, e nenhuma gota de água azul ou nesga de praia arenosa
pode ser vista da confluência. (SPRUCE)
Bibliografia
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Chorographico do Pará
(1839) – Brasil – Brasília, DF – Editora do Senado Federal, 2004.
BATES, Henry Walter Bates. Um Naturalista no Rio Amazonas –
Brasil – São Paulo, SP – Livraria Itatiaia Editora Ltda. – Editora da
Universidade de São Paulo, 1979.
CAZAL, Manoel Ayres de. Corografia Brasílica ou Relação Histórico
Geográfica do Reino do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Imprensa
Régia, 1817.
MARCOY, Paul. Viagem pelo Rio Amazonas – Brasil – Manaus, AM –
Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2006.
SPIX & MARTIUS, Johann Baptist Von Spix & Carl Friedrich
Philipp Von Martius. Viagem pelo Brasil (1817 – 1820) – Brasil – São
Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1968.
SPRUCE, Richard. Notas de um Botânico na Amazônia – Brasil – São
Paulo, SP – Livraria Itatiaia Editora Ltda. - Editora da Universidade de São
Paulo, 2006.
WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro – Brasil –
São Paulo, SP – Editora Companhia Editora Nacional, 1939.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Assinamos:
firmamos.
[2] Duas braças =
4,4 m (uma braça craveira = 2,2 metros).
[3] 2.998 braças
craveiras = 6,6 km.
[4] Feridade:
brutalidade.
[5] Embocado:
acertado.
[6] Undação:
corrente.
[7] Cidade do Pará:
Belém.
[8] Sargento-Mor:
Major.
[9] Bordejadas:
navegar aproveitando os ventos, mudando frequentemente o rumo.
[10] Cristóvão: Frei
Cristóbal de Acuña.
[11] Uma légua = 6,6
km.
[12] 5 milhas = 9,25
km (1 milha = 1,85 km).
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* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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