Quinta-feira, 8 de abril de 2021 - 18h00
Bagé, 08.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte VIII
O Sequestro da Hevea Brasiliensis II
Primeiros Empregos da Borracha
A
borracha foi empregada inicialmente em usos elementares como apagar traços de
lápis no papel. Foi Magellan quem propôs este uso e Joseph Priestley, na
Inglaterra, difundiu-o e a borracha recebeu, em inglês, o nome de “India Rubber”, que significa “Raspador da Índia”. Os portugueses a
utilizaram para a fabricação de botijas para transporte de vinhos. Em 1785, o
físico francês Jacques Alexandre César Charles, pioneiro do uso do gás
hidrogênio para encher balões aerostáticos, recobriu seu aeróstato com uma
camada de borracha dissolvida em essência de terebintina e, a partir de 1790,
começou a aplicá-la sobre tecidos e empregá-la na fabricação de molas. Em 1815,
Thomas Hancock tornou-se um dos maiores fabricantes do Reino Unido, inventando
um colchão de borracha e associou-se à Mac Intosh, para fabricar as capas
impermeáveis. Nadier; um industrial inglês, em 1820, fabricou fios de borracha
e começou a usá-los em acessórios de vestuário. A América foi assolada, então,
pela “febre” da borracha e, logo em
seguida, apareceram os tecidos impermeáveis e botas de neve na Nova Inglaterra.
A fábrica de Rosburg foi criada em 1832 mas, como os artefatos de borracha
natural sofriam sob a influência do frio e do calor, os consumidores logo se
desinteressaram dos seus produtos.
Charles
Goodyear, em 1836, havia conseguido um contrato com o Departamento de Correios
dos EUA, para fornecer sacos postais de borracha. O problema é que os sacos de
borracha eram muito ruins. Goodyear, não querendo perder o importante contrato
comercial, realizou diversas pesquisas para produzir uma borracha de melhor
qualidade, misturando dezenas de substâncias à borracha. Três anos depois,
surgia a borracha “vulcanizada”, em
homenagem a Vulcano, deus romano do fogo. Em 1842, Hancock, de posse da
borracha vulcanizada por Goodyear, descobriu o segredo da vulcanização, fazendo
fortuna. Em 1845, R.O. Thomson inventou o pneumático, a câmara de ar e a banda
de rodagem ferrada. Em 1850, já se fabricavam brinquedos de borracha e bolas
(para golfe e tênis). Em 1869, Michaux inventou o velocípede que provocou o
desenvolvimento da borracha maciça, depois da borracha oca e, em consequência,
a reinvenção do pneu, que havia caído no esquecimento. Michelin, em 1895,
adaptou o pneu ao automóvel e, desde então, a borracha ocupou um lugar
preponderante no mercado internacional.
O Ciclo da Borracha
O
Brasil inicia, a partir de 1827, a exportação da borracha natural. Charles
Goodyear inventa o processo de vulcanização na década de 1840, possibilitando a
produção industrial de pneus. No final do século XIX, a recém-criada indústria
de automóvel estava em franca expansão e, com isso, a demanda pela borracha
aumentou consideravelmente. O Brasil exportava, então, toneladas de borracha,
principalmente para as fábricas de automóveis norte-americanas.
A
necessidade de atender a demanda crescente do produto gerou uma expansão
demográfica importante na região, oriunda, principalmente, do Nordeste do país.
Em 1830, a população da Cidade de Manaus que era de três mil habitantes passou,
em 1880, para cinquenta mil. O aumento da população e da renda per capita estimulou
o comércio e contribuiu para a construção civil e de obras de infraestrutura,
era o período áureo da Borracha.
Victor W. Von Hagen Reportando Richard Spruce
Richard
Spruce havia partido de Santarém a 08.10.1850, para percorrer os afluentes do
Amazonas e, depois de quatro anos embrenhado nas selvas do Peru e da Venezuela,
coletando exemplares da flora e da fauna, aportou em Manaus. Von Hagen faz uma
interessante descrição do retorno do naturalista e de suas impressões a
respeito do “boom da borracha”.
Adoentado, Spruce resolvera regressar a Manaus para passar uma temporada de
repouso com os amigos mas, antes mesmo de aportar no seu destino, ele verificou
que algo de anormal estava acontecendo, o tráfego era mais intenso e apressado.
E o tráfego não esmoreceu quando eles se foram aproximando da pequena
Cidade. Canoas coalhavam o Rio; caprichosos batelões com gigantescas toldas de
popa, botes com imensas pilhas de mercadorias passavam velozes. Nisso, Spruce
viu a Cidade e quase não acreditou no que via! Não um, mas três barcos a vapor
estavam atracados num cais muito bem feito. O fumo que deitavam era como nuvem
negra que se erguia no ar imoto ([1]). Barcos
a vapor no Amazonas! ... Que portento! ...
Ao desembarcar, ficou abismado vendo as ruas cheias de gente: brancos,
morenos, pretos, estrangeiros arrastando mercadorias a toda pressa, como se
fossem formigas carregadeiras. Sobre o molhe, pilhas enormes de pedaços de
borracha negra e manchada de fumo, esperavam a hora de ser transportada para os
vapores ofegantes. A Cidade toda havia mudado. Estava o dobro do que era; novos
prédios haviam surgido e no armazém do Sr. Henrique Antony a confusão era
enorme.
Comprava-se tudo – fósforo, espingardas, os mais variados artigos, aos
berros e empurrões, agitando na mão o dinheiro para ter primazia nas compras.
Teria alguém descoberto o fabuloso Eldorado? O Sr. Antônio viu, do escritório
anexo, a chegada de seu velho amigo e veio de lá com os braços abertos para
receber Spruce.
– Meu Deus! – disse o botânico, alvoroçado – que
foi que aconteceu, Antônio?
– O senhor não sabe? – respondeu o italiano. Não
sabe, Sr. Ricardo? Nós descobrimos as riquezas fabulosas. Quem manda agora é a
borracha! Estamos na época da borracha!
Richard Spruce tinha estado muito tempo isolado na selva para entender a
coisa. Borracha? Sim, borracha! Mas, e aquela azáfama? Um caucheiro barbudo,
suando muito e bebendo ainda mais, perguntou a Spruce, com espanto, por onde
havia andado. A borracha, que poucos anos antes custava 3 centes o quilo, agora
estava 1 dólar e 50, e cada vez subia mais. Cada dia que um explorador de
borracha deixava passar, era dinheiro que perdia. A procura de objetos de
borracha crescia constantemente com a expressão da indústria.
Até mesmo no “Palácio de Cristal”,
onde os ingleses realizavam a primeira exposição universal, os produtores de
borracha atraíram verdadeiras multidões. A guerra também lhe deu o seu impulso.
A luta inevitável entre os estados livres e escravos da América do Norte,
estava principiando a devorar toneladas de viscoso líquido extraído da árvore
chamada “Hevea brasiliensis”. De tal
modo a procura superava o fornecimento, que a cada semana o preço subia.
Ninguém podia resistir à coisa.
Manaus, que as lendas do passado davam como a sede do Eldorado,
tornara-se efetivamente Eldorado. O ouro corria como água nas suas ruas e a
Cidade inteira palpitava com o recrudescimento do sonho de riqueza. Os Índios
que antes se embriagavam com rum, agora mergulhavam seu “Weltschmerz” em champanha. Comia-se até “patê de foie gras”, geleia de “Cross
& Blackwell”, biscoitos de “Huntley
& Palmers”, bebiam-se vinhos importados. Podia-se sentar a uma mesa
para jantar e tinha-se manteiga vinda de Cork, biscoitos de Boston, presunto do
Porto e batatas de Liverpool.
Caixeiros e barbeiros, homens de certa posição e mamelucos que, no
passado, mourejavam para ganhar um punhado de mil-réis, agora tinham visões de
milionários. Embrenhavam-se na ignota região do Amazonas com uma confiança que
causava espanto a Richard Spruce. Seria possível que aqueles loucos não
fizessem ideia do lugar para onde iam? O caucheiro começava sua vida de um modo
simples. Arranjava dinheiro, vendia a alma a um patrão para lhe pagar em
borracha, comprava uma piroga e mantimentos – farinha, peixe seco, garrafas de
vinho, sal, artigos caros de importação – depois adquiria mercadorias e, no fim
de tudo, machetes com que cortar e fazer porejar todas as árvores de borracha
que encontrasse.
De muitos que se haviam metido na empresa de obter a borracha e alcançar
a glória, nunca mais se teve notícia. Muitos outros voltaram, com o espanto
gravado na fisionomia, cheios de rugas pelos sustos que levaram, contando que
se viram perdidos, que tinham curtido as torturas e incômodos da fome, da sede,
da febre e das intempéries, que tinham lutado incessantemente contra enxames de
insetos que não se saciavam de mordê-los e chupar-lhes o sangue. Referiam as
suas tristes aventuras ao atravessarem pauis insondáveis, cheios de enguias
elétricas e florestas com arbustos e cipós que lhe retalhavam a carne.
Spruce queria ver o progresso chegar ao Amazonas, mas nunca supôs que ele
lá seria introduzido dessa maneira. Velhos negociantes que noutros tempos
comerciavam em insignificantes quantidades com a opulência da Amazônia, eram
agora verdadeiros nababos. Ébrios com o seu triunfo e com a champanha importada,
descreviam para Spruce o que seria Manaus dentro de poucos anos. E, por mais
que carregassem nas tintas do quadro, tudo o que diziam ainda seria inferior à
realidade: dentro de 25 anos Manaus se transformou da Aldeia de 3.000 almas que
era, na populosa e alucinante metrópole de seus 100.000 habitantes. Transatlânticos
fariam escalas obrigatórias junto às suas docas flutuantes, teatros líricos de
mármore seriam construídos, bondes elétricos atravessariam velozmente suas ruas
calçadas, capital estrangeiro superior a 40 milhões de dólares seria aplicado
na Cidade edificada sobre o pântano do ouro negro. Richard Spruce sentiu um
arrepio ao pensar naquilo que ele inconscientemente tinha ajudado a formar.
Suas mudas, seus espécimes de produtos de borracha tinham estado em exposição e
haviam contribuído para fomentar aquele negócio. Agora não havia mais de
deter-lhe o avanço.
A extração da borracha prosseguia com um entusiasmo que nunca fora
igualado por nenhum outro movimento desde a descoberta do Novo Mundo. Essa
indústria haveria de tragar os silvícolas. Tribos inteiras de Índios seriam
dizimadas. A borracha subiria ao preço fantástico de 3 dólares o quilo!
Os magnatas da borracha escravizaram o Amazonas inteiro; a cobiça e a
ambição aumentariam com o clamor sempre crescente do mundo para obter
borracha... Ninguém sabe quanto tempo poderia ter durado o delírio da borracha,
mas o famoso “seed-snatch” de Henry
Wickman pôs-lhe fim. O ouro negro tornou-se lama negra e, por volta de 1900, o
pântano da selva engoliu o sonho de um viçoso Eldorado. (HAGEN)
Bibliografia
HAGEN, Victor Wolfgang Von. South America Called Them: Explorations
of the Great Naturalists: La Condamine, Humbolt, Darwin, Spruce – USA – New
York – Alfred A. Knopf, 1945.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H