Terça-feira, 13 de abril de 2021 - 06h03
Bagé, 13.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XI
Revolta de Jacaré-Acanga II
No
dia 28.02.1956, às 17 horas, Veloso, desarmado, foi aprisionado sem oferecer
resistência em uma casa de São Luís. Levado para Itaituba, foi transportado em
um “Beech 1512” na companhia do
Comandante da “Operação Tapajós” –
Brigadeiro Alves Cabral e escoltado pelo Major–aviador Celso Neves. Enquanto
isso, o Major Paulo Vitor, o Capitão Lameirão, e o Sargento João Gunther fugiam
no “Douglas” para a Bolívia onde
aterrissaram na noite de 29.02.1956 no aeroporto de Santa Cruz de La Sierra. O
jornalista, cronista e memorialista Pedro Rogério do Couto Moreira faz uma
interessante e rica abordagem da Revolta de Jacaré-Acanga no seu “Bela noite para voar: um folhetim estrelado
por JK”:
Bela Noite para Voar:
um Folhetim Estrelado por JK
Editora Thesaurus Ltdª, Rio, RJ, 2001
[Pedro Rogério Moreira]
Índios! E querem empalar os
paraquedistas do Exército! Depois da guerra que foi a campanha eleitoral e
a guerra para tomar posse, Juscelino ainda enfrentaria mais tiros pela frente. Enquanto
ele dorme no voo para Dourados, vamos passar em revista essas histórias plenas
de ações cinematográficas.
Iniciemos pelo protagonista da primeira
sedição, o Major Haroldo Coimbra Veloso, um verdadeiro Jim das Selvas. Este
oficial-aviador tinha o crédito de haver realizado o árduo trabalho de abertura
de várias pistas de pouso no Brasil Central e na Amazônia, para o desbravamento
de novas rotas do Correio Aéreo Nacional.
Técnico de visão humanista, o Major Veloso
congregava nessa tarefa os Índios e caboclos que habitavam as cercanias dessas
pistas. Sua missão na FAB assemelhava-se à desenvolvida nas primeiras décadas
do século XX pelo admirável humanista, talvez o maior brasileiro daquele
século, o engenheiro, militar, antropólogo e cientista Cândido Mariano da Silva
Rondon. Veloso, no entanto, deixou-se contaminar pela política partidária, o
que Rondon jamais se permitiu. A conspiração em que o Major se meteu começou a
dar errado logo no início, madrugada de 11.02.1956, um sábado de carnaval,
poucos dias após a posse de Juscelino.
Foi assim.
Veloso e seu companheiro, o Capitão Jose
Carlos Lameirão, chegam de surpresa ao Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.
Querem apoderar-se de um avião AT-11, uma versão do “Beechcraft” de transporte, convertido em avião de ataque.
Mas o hangar está fechado. Para conseguir
abri-lo, rendem o Oficial de Dia. Depois, arrombam o depósito de armas e
munições e decolam sem autorização da torre. A ação deveria ser silenciosa para
os revoltosos ganharem tempo. O alarme só seria dado nos dias de carnaval,
quando a mobilização é sempre mais demorada. Mas todo o planejamento foi por
água abaixo.
O “Beech”
dos rebeldes fez um pouso em Uberlândia, Minas, para reabastecimento, e rumou
para Cachimbo, no Sul do Pará, o centro geográfico do Brasil. Cachimbo é obra
de Veloso. Ele abriu a pista e instalou o radiofarol de apoio aos voos
nacionais e internacionais que cruzam a Amazônia.
O destacamento da FAB tem ainda a nobre
missão de apoiar os sertanistas do Serviço de Proteção aos Índios, que chegaram
àquele remoto lugar, na década de 1940, para integrar os temíveis caiapós ao
convívio pacífico com os demais brasileiros. Cachimbo, no entanto, não será o
cenário da revolução de Veloso. Foi um despiste, para confundir o governo.
O Major rebelde vai instalar seu QG muito
mais adiante, a Oeste, em Jacareacanga. É uma corrutela ([1]) no meio
da selva, situada a algumas horas a pé do Rio Tapajós, frequentada por
garimpeiros de ouro.
A pista também foi aberta pelo
bandeirantismo de Veloso. O Major pousa, dá voz de prisão ao destacamento e
estrutura a resistência, armando batalhões de Índios Mundurucu e seringueiros
residentes nas proximidades. Relata o historiador Glauco Carneiro [História das
Revoluções Brasileiras, Editora O Cruzeiro, 1965]: (MOREIRA)
Os indígenas, amigos incondicionais de Veloso desde 1949, mostravam-se
ansiosos pela luta. E não compreenderam, por exemplo, que Veloso aprisionasse
adversários e não os matasse, dando-lhes, ao contrário, alimentação e remédios.
Veloso procurou explicar-lhes que as leis das guerras dos brancos diferiam daquelas
por eles recomendadas, mas a impressão que deixou entre os Índios foi de que
estava se tornando fraco.
Esses guerreiros do arco e da flecha só se sentiram medianamente
satisfeitos quando, no final da revolta, foi-lhes ordenado fincar estacas
pontiagudas na pista de Jacareacanga, a fim de impossibilitar o salto de
paraquedistas que o General Lott envia para sufocar a Rebelião. Em poucas
horas, a terrível armadilha estava terminada e seus feitores deliraram, porque
o chefe, finalmente, estava aprendendo a matar inimigos. (CARNEIRO)
MOREIRA: Mas Veloso não matou ninguém. A
Rebelião de Jacareacanga só teve um morto, um caboclo chamado Cazuza,
lugar-Tenente de Veloso. Eram amigos desde que o Major abrira a pista de
Jacareacanga. Para Cazuza, era Deus no céu e Veloso na terra. Mas naqueles dias
de Rebelião, ele contraiu malária e ficou em casa.
As tropas que saíram da cidade de Itaituba
em direção a Jacareacanga, para prender Veloso, cercaram a casa de Cazuza,
imaginando que o líder rebelde pudesse estar ali escondido. O caboclo, quando
saiu à porta despertado pelo tropel dos soldados, recebeu urna rajada de
metralhadora. Puxou o gatilho um sargento apelidado Mineiro.
Descobriram no inquérito que o policial
tivera anteriormente uma desavença com Cazuza. Veloso imaginava que receberia
adesões no Exército, na Marinha e muitas na Força Aérea. Na FAB, ganhou
unicamente a solidariedade moral, a maioria de modo velado, de centenas, talvez
de milhares de colegas de todas as bases aéreas do país.
Apoio firme, apenas o de um oficial: o
Major Paulo Victor da Silva. Paulo Victor, pilotando um C-47 do Correio Aéreo
Nacional, pousa em Belém sem saber da revolução. O comandante da Zona Aérea
resolve aproveitar o avião dele para enviar as primeiras tropas do Exército
contra os rebeldes.
O que o comandante desconhece é que Paulo
Victor é amigo de Veloso e de Lameirão. Ele jamais executaria uma missão
punitiva contra seus amigos. Ao chegar a Jacareacanga, adere à revolução. Seu
copiloto, Tenente Carlos César Petit, leal ao governo, foi feito prisioneiro
com os soldados que estavam sendo levados para dar combate à sedição. Os
rebeldes esconderam o C-47, cobrindo-o de folhagens. Foi providencial a
camuflagem: no dia 29, as forças legalistas que ocupam Jacareacanga não
conseguem localizar de imediato o avião. Melhor para os rebeldes. O Major Paulo
Victor e o Capitão Lameirão não têm outra alternativa a não ser a fuga. E que
seja rápida, pois as tropas estão chegando!
Não há tempo de desfolhar totalmente o
C-47. Vamos girar os motores. Taxiamento nervoso para a pista. A porta lá de
trás ficou aberta. Não tem importância, depois a gente fecha. Potência total.
Olha lá as tropas legalistas cercando o aeroporto. Corrida desesperada para
decolagem. Mais velocidade, Douglas! Anda! Vamos tirar você do chão agora, não
me falhe! Descreve Glauco Carneiro: (MOREIRA)
Os galhos e ramagens foram caindo da fuselagem à medida que o avião
ganhava altura, com destino a Santa Cruz de la Sierra, a 1.500 quilômetros de
distância. (CARNEIRO)
MOREIRA: Voou tão alto o aviador Paulo
Victor que, depois de receber a anistia de JK, reintegrou-se à vida militar,
atingiu o mais alto posto da FAB, o de Tenente-Brigadeiro-do-ar, e ajudou a
fazer a Revolução de 64, que cassou os direitos políticos de quem o havia
perdoado. Está com 89 anos, reside no Rio. As estacas fincadas pelos Índios
mundurucus não espetaram nenhum dos 45 paraquedistas do Exército, enviados pelo
governo para tomar o campo de pouso rebelde.
Os paraquedistas chegaram em barcaças,
subindo o Rio Tapajós. E não dispararam sequer um tiro. Haroldo Coimbra Veloso,
o líder da sedição, era alto, magro e alourado. Tinha mesmo um quê de artista
de filme de aventura. Se o redator deste folhetim não tivesse mencionado que
ele era o nosso Jim das Selvas, diria agora que, em Jacareacanga, Veloso é o
Gary Cooper de Beau Geste ([2]).
No início da revolta, quando ainda espera
receber o socorro que não veio, de camaradas das outras armas, e já tendo
dominado Jacareacanga, ele deixa o colega Paulo Victor como comandante da praça
daquela cidade e, ao lado de Lameirão, voa Rio abaixo no AT-11, indo instalar
seu Quartel-General na cidade de Santarém, onde o Tapajós despeja suas águas
azuis no barrento Amazonas.
Ocupa o aeroporto com facilidade, prendendo
quem se declara legalista. E ali resiste por alguns dias, embora atormentado
diariamente por um B-17. A fortaleza voadora veio de Recife com uma missão
específica. Está equipada com aparelho especial de fotografia. Não dá sossego
aos rebeldes, com insistentes voos rasantes sobre a pista, na tentativa de
localizar o AT-11 camuflado.
O ambiente em Santarém, no entanto, tirante
o B-17, é de piquenique. Conta o repórter Arlindo Silva, em reportagem de
sucesso na Revista “O Cruzeiro”:
(MOREIRA)
Depois dos primeiros dias, nós, jornalistas, acostumamo-nos com o B-17 e
não nos incomodamos mais com seus rasantes. No terceiro dia de permanência no
QG rebelde, a ausência de novidades nos deixava entediados.
Sentávamos no chão [Veloso fazendo bombas com cápsulas presas entre as
pernas] e começavam as anedotas. Aquilo não parecia uma guerra. Parecia um
piquenique de fim de semana, com o B-17 fazendo a cobertura. Enquanto as
emissoras do país inteiro noticiavam que se travavam batalhas nas ruas de Santarém,
Veloso e Lameirão tiravam boas sestas, deitados nos duros bancos do aeroporto.
(Arlindo Silva – Revista O Cruzeiro)
MOREIRA: Tiros, de verdade, só houve no dia
21, 11 dias depois do início da revolta. O AT-11 havia decolado para um voo de
observação sobre o Rio Amazonas, por onde navegava um navio mercante fluvial,
procedente de Belém, com tropas da Aeronáutica para sufocar a Rebelião. Na
volta desse voo, Veloso e Lameirão quase colidem o AT-11 com o B-17. Depois do
pouso, não houve tempo para a camuflagem. Surgiram então dois Catalinas, e um
deles mandou chumbo. Os tiros de metralhadora, no entanto, erram o alvo. Terá
sido mesmo para valer?
Os rebeldes revidam com tiros de revólver!
É também uma guerra de palavras. Os rebeldes enviam o seguinte telegrama ao
comandante da 1ª Zona Aérea, Brigadeiro Antônio Alves Cabral, em Belém:
Em virtude de o Catalina 6514 ter metralhado a estação de passageiros de
Santarém, onde se encontravam civis, inclusive senhoras, a partir desta data
passaremos a reagir a qualquer ameaça, responsabilizando esse comando pelas
consequências.
Parece briga de colegiais. O Brigadeiro
Cabral responde. Não da mesma forma, telegráfica, mas usando um Catalina que
deixa cair lá de cima uma mensagem datilografada, concitando os rebeldes a se
renderem antes que seja tarde demais.
Na iminência da chegada do navio com as
tropas legalistas, e sem receber o apoio militar de que precisava. Veloso
entrega a Praça de Santarém e volta para Jacareacanga. Vai, diz ele, arquitetar
o plano para o confronto decisivo. As tropas da Aeronáutica que chegam de navio
a Santarém, comandadas pelo Tenente-Coronel Delayte, são baldeadas para
barcaças, de calado mais raso, a fim de evitar o encalhe na subida do Rio
Tapajós.
Era o que Veloso queria, diz o historiador
Glauco Carneiro. No trecho encachoeirado do Rio, onde o caudal se estreita, ali
onde se encurta a distância entre a mira do atirador e o alvo, o Major rebelde
imagina armar seus Índios e caboclos. Conta o historiador: (MOREIRA)
Bibliografia
MOREIRA, Pedro Rogério. JK, Bela Noite Para Voar: um Folhetim Estrelado por JK – Brasil –
Rio de Janeiro, RJ – Editora Relume Ltdª, 2006.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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