Quinta-feira, 15 de abril de 2021 - 09h17
Bagé, 15.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XIII
Revolta de Jacaré-Acanga IV
O Cruzeiro, n° 22
Rio de Janeiro, RJ, 17.03.1956
Depoimento Inédito dos três Revolucionários
Desterrados em Santa Cruz de La Sierra
[Texto de Jorge Ferreira e
Fotos de Henri Ballot]
Em Santa Cruz de la Sierra, onde o Major Paulo Vitor, o Capitão José
Chaves Lameirão e o Sargento José Gunther encontram-se exilados, o repórter
Jorge Ferreira colheu o depoimento dos três participantes da malograda
rebelião, enquanto Henri Ballot registrava fotograficamente a permanência
daqueles militares em terras bolivianas. As revelações que se seguem baseiam-se
na exposição feita ao jornalista pelos dois oficiais, que contam em detalhes os
acontecimentos que se desenrolaram em Jacareacanga, depois da queda de Santarém
até os últimos instantes da intentona.
Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), março.
‒ Assumimos toda a
responsabilidade do movimento.
‒ Sobre nossas costas
devem cair todas as suas consequências. E não fomos traídos por quem quer que
seja. Disseram que o Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Juarez Távora e uma
parte considerável da Marinha tinha compromissos conosco, e que teriam falhado
aos mesmos. É uma inverdade. Sequer conheço o Brigadeiro Eduardo Gomes
pessoalmente, ou o General Juarez Távora.
‒ Não temos compromisso
com ninguém, ninguém tinha compromissos expressos conosco: nem Exército, nem
Marinha, nem Aeronáutica, nem partidos políticos. Houve falhas, evidentemente.
Mas partiram de dois civis – cujos nomes peço não revelar. Logo mais lhe direi
em que circunstâncias elas se processaram.
O Capitão José Chaves Lameirão, 28 anos, pai de dois filhos, paulista de
Coroados, companheiro de Veloso desde os primeiros instantes da quase romântica
rebelião das selvas amazônicas, fala apressadamente, empolga-se pela narrativa,
despeja a jato suas emoções. O calor tórrido do meio-dia em Santa Cruz de la
Sierra faz-nos suar em bicas. Vamos sorvendo a segunda jarra de limonada, e
pergunto-lhe:
‒ Diga-me, Capitão, que
motivos os levaram a rebelar-se?
‒ Ora, isso não é
segredo. Levantamo-nos contra o Governo, contra a volta daqueles que deveriam
ter sido alijados da vida pública do País depois de 24.08.1954. Pusemo-nos de
armas nas mãos contra o “mar de lama”
que levou o Presidente Vargas ao suicídio.
‒ Mas vocês, sendo um
punhado, tinham esperanças de vencer as Forças Armadas de uma nação inteira?
‒ Tínhamos. Nosso plano
era iniciar efetivamente a Revolução. Era preciso que alguém o fizesse. Veloso
e eu tomamos a iniciativa. Nosso plano era apoderar-nos logo de início da Base
Aérea do Cachimbo ‒ o que fizemos. É preciso que se saiba que o Cachimbo fica
mais ou menos equidistante de Fortaleza, Recife, Natal e Salvador.
Com a Base em nossas
mãos, seria fácil aos camaradas que quisessem aderir, com seus aviões as “B-25”, as “Fortalezas Voadoras” do Nordeste e os “Ventura” de Salvador, principalmente – voar diretamente ao Cachimbo,
e ali lutar pela causa. Chamaríamos também as atenções da Nação para aquele
ponto, para o Amazonas, e isto poderia facilitar o levante no Sul.
– O plano de vocês
tinha, então, ramificações?
– Não. Já lhe disse que
o descontentamento de grande parte da Aeronáutica, Marinha e Exército é patente.
Achávamos que alguém começando a revolução, ela se alastraria naturalmente.
Dois elementos civis conheciam em detalhes nossos planos. E eles ficaram de
fazer o serviço de ligação e coordenação nas Bases que estávamos certos nos
eram favoráveis. Mas esses homens falharam. Outro fator que nos prejudicou
muito foi a saída do Rio de Janeiro. Pretendíamos decolar do Campo dos Afonsos
silenciosamente, no sábado, dia 11, tomar o Cachimbo, no domingo, dia 12, que
era carnaval. Só segunda ou terça é que seria dado o alarma. Por verdadeiro
azar, porém, naquela manhã do dia 11 a chave da “hangar” em que se encontrava o “Beech”,
e que desde que existe o Parque fica num determinado lugar, nesse dia não foi
encontrada. Tivemos então que prender o Oficial de Dia, arrombar o “hangar”, desobedecer a torre de
controle, e o alarme foi dado. Isto nos prejudicou muito.
O Major Paulo Vítor, paraense, 34 anos, casado, pai de três meninos que
feito prisioneiro de Veloso em Jacareacanga depois aderiu à Rebelião passando
um rádio ao Ministro da Aeronáutica dando ciência dessa decisão, é um homem
calmo, de fala mansa, mas duro na ação. Não se arrepende, como Lameirão, de ter
feito o que fez. Quando, no dia 29, estavam sob o fogo de três “Fortalezas Voadoras”, lá em
Jacareacanga, momentos antes da retirada para a Bolívia, metralhou uma “B-25” pilotada pelo Tenente Zanoni, que
segundos antes quase o matara.
‒ Devo ter acertado,
porque o Zanoni, que vinha nos Metralhando em voo rasante, passou a fazer fogo
lá de cima, a grande altura.
‒ E como foi a “Operação Jacareacanga”?
‒ Foi uma verdadeira
Batalha. Nós ‒ o Capitão e eu ‒ iremos lhes contar tudo. Antes, porém, gostaria
que fizesse uma referência ao tratamento que estão nos dando o povo e as
autoridades da Bolívia. Estamos em Santa Cruz como se estivéssemos em nossa
própria casa. Jamais nos esqueceremos desta prova de amizade deste País.
Passam a seguir, Paulo Vitor e Lameirão, a narrar os acontecimentos
desenrolados após a recaptura de Santarém pelas Forças Legalistas. O Sargento
João Gunther, 38 anos, casado, pai de três filhos, que os acompanhou desde o
início, e que agora amargura, aqui, as consequências do exílio [toda a vez que
fala da mulher o dos filhos os seus olhos tornam-se úmidos], de quando em vez
dá um detalhe, corrige esta ou aquela passagem. Assim se passaram os fatos:
No dia 22, às 19 horas, os revoltosos retiraram-se de Santarém, evitando
combate com as Forças do Governo que viajavam no navio “Presidente Vargas”; Veloso e Paulo Vítor retiraram-se num “Douglas” e Lameirão e “Cazuza” num “Beech”. Levaram armamento, munição e 25 homens leais. O voo era
temerário, pois não havia cobertura de espécie alguma, era feito de noite,
sobre a selva, e em meio de uma tremenda tempestade. Às 21 horas pousaram em
Jacareacanga, tendo apenas um lampião a querosene iluminando cada extremidade
da pista.
No dia seguinte Lameirão voa para Itaituba no “Beech”, levando, para serem libertados, os prisioneiros Tenente médico
Adonay [que enquanto esteve preso atendeu desveladamente todos os doentes de
Jacareacanga, salvando inclusive a vida de uma parturiente] e os Sargentos
Farias Lima e Osvaldo Gomes. De ltaituba Lameirão deveria trazer 5 homens seus.
Acontece, porém, que estes haviam se retirado para Jacareacanga por via
fluvial, e o Juiz de Direito, o Prefeito, o Delegado e outras autoridades de
Itaituba pretendendo prender Lameirão assim que aterrissasse, armaram 50 homens
e ficaram de emboscada no campo. Este continuava obstruído com tambores de
gasolina, e só seria desobstruído com um senha de Lameirão. O Capitão deu a
senha, os homens de emboscada, por não a compreenderem, retardaram muito a
retirada dos tambores. Lameirão desconfiou e regressou a Jacareacanga com todos
os prisioneiros. Nesse mesmo dia Veloso decidiu que um barco iria a São Luís,
comandado por Cazuza, levando dez homens e nove prisioneiros, que deveriam ser
soltos lá. Cazuza tinha ainda a missão de reconhecer a área, preparar
armadilhas e a destruição de pontes, a fim de retardar a ação das tropas
legalistas. E bom que se esclareça que o Rio Tapajós, na altura de S. Luís é
encachoeirado, impedindo a navegação.
Tem-se que fazer o baldeamento e andar-se por uma estrada de 15 km,
construída pela “Alta Tapajós” e
depois retornar ao Rio. Nesses 15 km, portanto, passagem obrigatória das tropas
legais, Cazuza deveria lutar. No dia seguinte, 24, Veloso, contra a opinião de
Paulo Vítor e de Lameirão, decidiu ir pessoalmente, com 5 homens, para
Pimental, dar combate aos 300 soldados que estavam encarregados de sufocar, por
terra, a Rebelião.
No dia 25, Lameirão, em voo de reconhecimento, viu ancorado em Pimental o
barco de Veloso, e jogou-lhe uma mensagem, pedindo que regressasse com urgência
a Jacareacanga, pois haviam perdido o campo de Cururu, na retaguarda, e podiam
ser atacados por dois fogos. Esta queda de Cururu deu-se em face da traição de
um ex-Sargento do Exército, Vilobaldo de Alencar, homem que gozava da absoluta
confiança de Veloso. Vejamos o que ocorreu. Paulo Vítor, no dia 20, resolveu
ocupar Cururu, encarregando disso o citado Vilobaldo de Alencar. Este devia
tomar o campo, aprisionar a guarnição que lá se encontrava e remover para
Jacareacanga todo o armamento e a estação de rádio ali montada. Com esta
estação os revoltosos poderiam falar com todo o País. Missão importante, para a
qual Alencar – que em Jacareacanga exercia funções de relevo, que aderira à
Revolução desde o início, que exercitava homens no tiro ‒ apresentara-se como
voluntário. E foi nomeado chefe de nove homens, levando metralhadoras de mão,
bombas de TNT, de gás lacrimogêneo, fuzis e farta munição. O plano era este:
subir o Tapajós em navio aprisionado pelos revoltosos, entrar no Rio Teles
Pires, evitando o Rio Cururu para não chamar a atenção da guarnição do campo,
ir até certo ponto, depois trocar o navio por um barco com motor de popa e por
fim ir a remo até uma picada que, em duas horas de marcha pela selva, leva ao
campo de Cururu.
O ataque deveria ser de madrugada. Pelas informações de dois índios
Mundurucus, a guarnição do campo era de sete homens, armados de sete carabinas.
Alencar tinha, portanto, superioridade de homens, de armas e contava ainda com
o fator surpresa. Pois Alencar fez tudo ao contrário: subiu o Cururu, alertou a
guarnição, que passou a pedir reforços pelo rádio e passou dois dias e duas
noites acampado na mata, sem atacar o campo.
Os reforços pedidos pelos legalistas chegaram [40 homens bem armados] e
saíram ao encontro de Alencar em um barco requisitado de uma missão de Padres
alemães localizada nas adjacências. À frente do barco vinha Frei Plácido que, à
noite, segurando uma lanterna, gritava em voz grave:
– Não atirem, que aqui é
o Frei Plácido! Eu sou de paz!
Pois com tudo isso, um homem de Alencar conseguiu prender o Frei. Alencar
conferencia com o sacerdote, a sós, e resolve entregar-se. Os nove revoltosos
que o acompanham recusam-se a render-se, como também se negam a entregar-lhe o
armamento que possuem. E com a aproximação das Forças do Governo, três deles
entram pelo igapó [mata inundada] e seis conseguem fugir no barco, regressando
a Jacareacanga. Até o dia 29 não se tinha notícias dos três primeiros. No dia
25, interceptando mensagem de Cururu, Paulo Vítor soube da prisão do Alencar e
dos reforços chegados àquele campo. Daí o apelo para que Veloso regressasse a
Jacareacanga, para ali resistirem juntos.
Nesse mesmo dia 25 avião legalista sobrevoa Jacareacanga, comandado pelo
Capitão Assis, e joga panfletos com os seguintes dizeres:
“Povo de Jacareacanga. Suas vidas correm perigo. Aconselhem àqueles que
estão com o Major Veloso para que abandonem esta loucura. Abandonem todos
Jacareacanga. Fujam se possível. Pensem nas crianças. Quantas mulheres perderão
seus maridos? Quem avisa amigo é!”. [Transcrição “ipsis literis”]
Paulo Vítor e Lameirão ficam sabendo que “Fortalezas Voadoras” haviam sido transferidas para Belém. Sabiam
que a desigualdade era grande, e que o fim se aproximava. Voltam a Pimental,
jogam mensagem a Veloso, insistindo no seu regresso. Querem estar juntos para
qualquer decisão, inclusive para morrer. No dia 27 voltam a pedir que Veloso
regresse. Sabiam que este se encontrava em São Luís, e que nessa mesma noite
travou-se o combate no qual Cazuza perdeu a vida, sendo metralhado pelas
costas. No dia 28, bombardeiros sobrevoam Jacareacanga, atirando panfletos
exigindo a rendição e, caso contrário, ameaçando conquistar aquele povoado “a qualquer preço”. E logo, em seguida,
as “B-25” metralham o acampamento dos
revoltosos. Paulo Vítor passou, então, ao Brigadeiro Cabral, comandante da 1ª
Zona Aérea, o seguinte rádio:
“Informo Major Veloso encontra-se fora da Jacareacanga. Nenhuma decisão
será tomada na sua ausência, para o que estamos dispostos a defender
Jacareacanga também a qualquer preço”.
Belém responde pedindo a Jacareacanga para ficar na escuta às 14 horas,
para uma resposta ao Major Paulo Vítor. Às 14 horas Belém pede que aguardem
mais uma hora. As 16 horas chega o seguinte rádio:
“O movimento que vocês chefiam não teve o apoio que esperavam. Veloso e
Lameirão já são desertores. Falta pouco para você ser também considerado
desertor. Apresente-se enquanto é tempo, pois a solução do seu caso é mais
simples. Se possível, aconselhe Veloso o Lameirão também se apresentarem. Não
sacrifiquem inutilmente suas vidas, de seus companheiros em Jacareacanga e de
seus patrícios no cumprimento do dever. Aguardo resposta. O Capitão Barreira e
Stravaqui oferecem-se para conversar com você amanhã, em fonia, do avião, e
estará em Jacareacanga na hora que você desejar. a) Brigadeiro Alves Cabral”
Eis a resposta de Paulo Vítor:
“Aguardamos regresso de Veloso. Proponho sobrevoo de Jacareacanga do
avião comandado pelo Capitão Barreira amanhã às 14 horas Z. [11 horas Rio]”
Logo em seguida um “Beech”
legalista sobrevoa Jacareacanga, chamando a estação de rádio local e procurando
saber o nome do operador. Lameirão atende e pede para que se identifique quem
quer saber o nome do operador.
‒ É o Brigadeiro Cabral.
‒ Aqui é o Capitão
Lameirão.
‒ Abra o campo para que
eu possa aterrar e falar com você.
‒ Negativo.
‒ Desobstrua o campo,
Capitão. Vamos conversar aí mesmo, em terra.
‒ Estranho o pedido do
Brigadeiro em face dos rádios trocados entre o Major Paulo Vítor e a 1ª Zona
Aérea, assinados pelo senhor mesmo.
‒ Ignoro a existência
desses rádios. Leia-os para mim.
O Capitão deu ciência ao brigadeiro do teor das mensagens.
‒ Deve ter sido
resolução de quem estava respondendo pela Zona. Endosso-os. Mas abra o campo,
Capitão.
‒ Negativo, Brigadeiro.
‒ Está bem. Vou tomar as
providências para vocês parlamentarem amanhã com o Capitão Barreira. Boa tarde,
Capitão. Seja feliz.
‒ Ah, brigadeiro. O
senhor sabe que uma “B-25” metralhou
o nosso acampamento? Que poderia ter matado mulheres, crianças e prisioneiros?
‒ Quando foi isso?
‒ Hoje, pela manhã.
‒ Não estou de acordo
com esse ataque. Até amanhã, Capitão. Tenha uma boa noite.
‒ Até amanhã,
Brigadeiro. Felicidades para o senhor.
Em Jacareacanga, no povoado, que dista três quilômetros da Base, a
população estava sobressaltada. Após o ataque da “B-25”, Paulo Vítor e Lameirão providenciaram a retirada de
mulheres, crianças e velhos, além dos prisioneiros, para lugar seguro, na outra
margem do Rio. Deram liberdade aos seus homens para que se retirassem com suas
famílias. Com eles ficaram apenas seis caboclos, que se recusaram abandoná-los.
Tinham, nesse dia, 28, resolvido entregar Jacareacanga, assim que Veloso
chegasse. Não iriam sacrificar a vida da população civil de Jacareacanga sem a
menor possibilidade de êxito.
‒ Mas esperaríamos
Veloso, de qualquer forma. E se fôssemos obrigados, lutaríamos. Não morreríamos
“de graça” – diz-nos Paulo Vítor.
Foram recolhidas todas as armas que estavam em poder dos civis. Frei Angélico,
que estava presente, aplaudiu a medida.
‒ Esse Frei não tomou
qualquer partido. Esteve conosco sempre, aconselhando-nos. Seu desejo era
evitar derramamento de sangue entre irmãos.
No dia 29, pela manhã, Frei Angélico, a pedido de Paulo Vítor e de
Lameirão, rezou missa pela alma de Cazuza. Às 10 horas o Major, o Capitão, o
Sargento Gunther, os seis voluntários e Frei Angélico saíram para o campo. Às
11h15, obtiveram informação confidencial de que Veloso não poderia mais atingir
Jacareacanga, que estava isolado na selva, e o conselho de que “se retirassem para o estrangeiro com a
máxima urgência”. Paulo Vítor e Lameirão decidiram então ganhar tempo. Pediram,
na parlamentação combinada com os legalistas, mais 24 horas, “para esperarem o Veloso”. Com isso
pretendiam consertar o “Douglas”, que
estava com “pane” de partida no motor
esquerdo. Às 11h30 chegam duas esquadrilhas do Governo: três “Catalina” e três “B-25”, além de um “Beech”.
O Capitão Barreira, do “Catalina”,
inicia a parlamentação. Os outros, para que as duas partes estivessem à
vontade, tinham ordem do Coronel Walter Bastos para desligar os respectivos
rádios e tirar os fones dos ouvidos. O Capitão Barreira disse:
‒ Vocês não têm a menor
chance de êxito. Vai haver derramamento inútil de sangue. Rendam-se.
‒ Queremos mais 24
horas. Veloso não está aqui. Amanhã decidiremos com ele ou sem ele.
‒ Não estou autorizado a
decidir isto. Vou comunicar-me com Brigadeiro Cabral.
Barreira entrou em contato com o Brigadeiro. Aqui embaixo, Vítor,
Lameirão e Gunther viviam momentos decisivos. Se lhes fossem cedidas as 24
horas, no dia seguinte ninguém os encontraria em Jacareacanga, teriam, de
madrugada, rumado para a Bolívia. Mas o Brigadeiro Cabral que estava no “Beech” ao saber do pedido de Paulo Vítor
e Lameirão, teve uma explosão de raiva. E ‒ contam-nos Paulo Vítor e Lameirão –
passou a proferir impropérios, chamando os revoltosos de “cachorros e de cretinos”. Apontam Frei Angélico como testemunha. E
disse ainda isto:
‒ Amanhã vou mandar
fuzilar vocês. Vou espetar o Paulo Vitor na ponta de uma espada. Vou arrasar
tudo. Amanhã não, hoje de tarde! De tarde não, agora! “B-25”! Preparem-se para atacar a casa de rádio.
As “B-25” abriram fogo
imediatamente sobre a casa de força e a estação rádio, onde se encontravam os
oficiais revoltosos parlamentando com os legalistas. Paulo Vítor, Lameirão e
Gunther, os únicos que tinham metralhadoras de mão, refugiaram-se na mata. Os
outros, inclusive o Frei, abrigaram-se por perto. E abriram fogo contra os
aviões. A batalha durou cerca de 90 min. Uma rajada de metralhadora passou a
poucos metros de Paulo Vítor. Cessado o tiroteio, dois “Catalina” amerissaram no Rio Tapajós, que estava desguarnecido,
porque julgavam os revoltosos que a parlamentação excluía a possibilidade de
combate.
As tropas paraquedistas saíram de dentro dos “Catalina” e ocuparam o povoado, que dista 3 km do campo. O
Brigadeiro Cabral deu ordem para as “B-25”
protegessem os “Catalina” e a
progressão dos soldados para o campo.
Paulo Vítor, Lameirão e Gunther saíram da mata, correram cerca de 1.500 m
em aberto, e foram até o local em que se encontrava o “Douglas”, camuflado. Decidiram sair dali imediatamente. Iniciaram a
retirada da camuflagem dos motores, para dar a partida. Nesse instante passou a
“B-25” pilotada Capitão Zanoni, e
abriu fogo contra os revolucionários. Paulo Vítor respondeu, e afirma ter
atingido o alvo. Tentaram dar a partida no motor esquerdo. Nada.
Apelaram para a manícula, auxiliados pelos seis voluntários que com eles
permaneceram até os últimos instantes. No povoado as tropas governista já
marchavam para o campo. E o motor esquerdo teimava em não pegar. Foram 75 min
de ansiedade, de esperança de desespero, em que estavam praticamente entre a vida
e a morte. Mas o; motor roncou! O direito foi fácil: estava em ordem. Iniciaram
a saída da mata. O “Douglas”
encalhou. Foram 5 min que pareciam séculos. Por ordem de Paulo Vítor, os seis
caboclos desobstruíram 500 m da pista numa largura de 15 m.
Paulo Vítor arremeteu, e o “Douglas”
decolou levando-os para o exílio. Eram exatamente 14h07. Uma das “B-25” percebendo a fuga, perseguiu-os
por mais de uma hora.
‒ O que nos salvou foi o
mau tempo. Entrávamos pelas nuvens adentro, procurando fugir da mira da “B-25”.
Nós não tínhamos a menor possibilidade de reação. Estávamos à mercê deles.
Às 19h47, depois de voarem 1.500 Km, pousavam em terras bolivianas em
Santa Cruz de la Sierra, onde amargam as penas do desterro.
‒ Mas há um projeto de
anistia, que certamente será aprovado e permitirá o regresso de vocês três ao
Brasil. Foi proposto pelo próprio Governo.
‒ Se o Governo agiu
assim, ele deve saber por que o faz. Ficaremos aguardando os acontecimentos.
‒ E se não vier a
anistia?
‒ Iremos trabalhar. E
quando pudermos, chamaremos as nossas famílias e nos fixaremos nesta terra que
tão generosamente nos recebeu
No dia 4 de março, o embaixador brasileiro na Bolívia, Sr. Teixeira
Soares, pediu ao Governo deste país o internamento de Vítor, Lameirão e Gunther,
longe de Santa Cruz de la Sierra, de Cochabamba e de La Paz. Alegando que estas
três cidades são pontos de escala do CAN, da FAB, e que os três rebelados
continuariam, assim, mantendo contato com seus camaradas de farda. Até o
momento em que redigimos estas notas, nada havia sido resolvido pelo Governo
boliviano. (O CRUZEIRO, N°22)
Bibliografia
O CRUZEIRO, N° 22. Depoimento Inédito dos três Revolucionários
Desterrados em Santa Cruz de La Sierra – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Revista O Cruzeiro, 17.03.1956.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H