Segunda-feira, 19 de abril de 2021 - 08h28
Bagé, 19.04.2021
Navegando o
Tapajós ‒ Parte XI
Os Tapajó I
De qualquer forma, o que se descobriu até
agora é extremamente importante. Não só para a história do Brasil, como para a história
da humanidade: estamos entendendo que o homem não é tão limitado como se pensa.
(Arqueóloga Christiane Lopes Machado)
Paleoíndios
Os sítios arqueológicos de Monte
Alegre foram visitados por diversos pesquisadores. Dentre eles ressaltamos
Charles Frederick Hartt que realizou, em 1871, estudos sobre as inscrições
rupestres da “Serra da Lua” e Alfred
Russel Wallace, em 1889, que publicou um trabalho descrevendo as Serras e
Grutas da região, no qual faz referência às inscrições rupestres.
Recentemente, a arqueóloga
norte-americana Dr. Anna Curtenius Roosevelt, bisneta do Presidente
norte-americano Theodore Roosevelt, professora da Universidade de Illinois e
curadora do Museu Field de Chicago, visitando as instalações do Museu Paraense
Emílio Goeldi, em Belém, ficou impressionada com a qualidade e a beleza da
Cerâmica Santarena. Roosevelt realizou pesquisas no Município de Monte Alegre,
no Pará, e suas escavações revelaram, nas camadas mais profundas da Caverna da
Pedra Pintada, ossos, dentes, pontas de flecha, fragmentos de Cerâmica, restos
de cuias e vasos, pigmentos e pinturas rupestres.
Para se chegar ao local, partindo de
Monte Alegre, é necessário percorrer cinquenta quilômetros de trilhas no
interior da selva até a cordilheira do Ererê, onde fica a Serra da Lua; lá se
encontraram pinturas rupestres representando o Sol, a Lua e, provavelmente,
outras figuras do cosmos.
Logo mais adiante, na Serra Paytuma,
Roosevelt pesquisou, de 1990 a 1992, a Caverna do Pilão (ou Caverna da Pedra
Pintada) e, segundo ela, existem vestígios suficientes para afirmar que grupos
humanos habitaram a Caverna no período compreendido entre 11.200 a.C. e 9.800
a.C.
No final da Era do Gelo, quando a
temperatura começou a elevar-se, as cavernas deixaram de ser a opção ideal de
moradia e os paleoíndios foram obrigados a abandoná-la e partir para os
cerrados do Planalto Central buscando novas alternativas de sobrevivência.
A floresta, na Amazônia, por sua vez,
foi, lentamente, se tornando mais densa, e para lá retornaram estes grupos,
cerca de 2.000 anos depois, para viver às margens dos Rios. Essas migrações,
certamente, não foram pontuais e se processaram em toda extensão da Amazônia.
Tupuiu
ou Tupaiu
O escritor e pesquisador Felisberto
Sussuarana comenta que a principal Aldeia dessa tribo era a “Tupuiu”, também era chamada por alguns
cronistas de “Tupaiu” que, embora
parônimas no idioma português, na linguagem indígena, tinham significados
bastante distintos:
O vocábulo “tupuiú”
é composto do termo “ypy” que
significa “primeiro, princípio, começo,
fundamento, cabeça de povoação, principal” e do substantivo, simplificado
do verbo, “yú”, que significa “estada”. Mas “morada, pousada, morar” quando prefixado com “t” do caso absoluto, que, na unidade semântica de “ypyyú”, significa “povoar em primeiro lugar”, absolutiza a forma “typyyu”, morada dos primeiros povoadores. (SUSSUARANA)
E continua,
A “tupuiú” era uma
Aldeia ampla, com cerca de 500 famílias. Observava a forma tupi do aldeamento,
com ocas ou casas em torno duma “ocaraçu”,
largo rossio ([1]),
que era a muiraciçaua ocara. Suas casas eram retangulares, com paredes de
madeira lavrada, justaposta uma peça à outra, internamente forradas com mantas
de algodão de cores vivas e cobertas com palha de pindoba, tendo duas compridas
águas e duas curtas quase a pique sobre as que seriam empenas ([2]).
(SUSSUARANA)
“Tupuiu”
se referia, portanto, à Aldeia ou povoação e o termo “tupaiu” designava a enseada de águas escuras e límpidas de
Santarém.
Relatos
Pretéritos
A região do Rio Tapajós foi, sem
dúvida, um dos berços mais importantes destas ondas migratórias que retornaram
dos cerrados em busca da fartura que a selva luxuriante propiciava.
Encontramos inúmeros relatos a
respeito dos Tapajó que se iniciaram a partir do século XVI (1542) e que,
depois de dois séculos, foram diminuindo, quase desaparecendo juntamente com os
Tapajó que se tornaram uma tribo extinta. Podemos apresentar diversos fatores
que concorreram para isso; como a morte provocada pelas “novas” doenças trazidas pelos europeus, a ação das tropas de “resgate”. Estas operações militares
provocaram um grande êxodo, intermitente, para locais distintos e de difícil
acesso, onde seu valor numérico já não era mais predominante. Gradualmente,
isto gerou um colapso cultural provocada pela associação com outras etnias. O
outro elemento que provocou a decadência dos Tapajó foi a grande miscigenação
provocada pelos aldeamentos ([3])
em que diversas etnias conviviam entre si e com os brancos, gerando uma grande
confusão de elementos culturais indígenas, além da imposição dos valores
europeus que alteraram, significativamente, sua organização social.
Frei
Gaspar de Carvajal (1542)
A primeira referência sobre os
indígenas que povoaram a Foz do Tapajós foi feita pelo Frei Gaspar de Carvajal,
em julho de 1542, no seu “Relatório do
Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de
Orellana”, onde relata:
Navegamos rapidamente, desviando-nos dos lugares povoados e
uma tarde fomos dormir em uma floresta de carvalhos localizada na boca de um
Rio que entrava pela mão direita no de nossa navegação, com uma légua de
largura. (CARVAJAL)
Ali permaneceram um dia e meio
aproveitando para descansar e colocar proteções laterais nos barcos. Carvajal
narra que, nas proximidades deste Rio, foram atacados pelos Índios:
No final das contas, escapamos quase sem problemas, ainda que
tenha sido morto outro companheiro nosso chamado Garcia Soria, natural de
Logronho. Na verdade não lhe entrou a flecha meio dedo, mas como estava já com
peçonha, não suportou nem vinte e quatro horas e rendeu a alma ao Nosso Senhor.
(CARVAJAL)
Carvajal não nomina os Índios e nem o
Rio, porém, uma análise do percurso sugere que se tratava realmente do Rio
Tapajós. Vários pesquisadores concordam com esta tese.
A pesquisadora norte-americana Helen
Constance Palmatary, que iniciou os estudos descritivos de coleções
arqueológicas da Amazônia, em 1939, afirmou que:
O fato de o Rio Tapajós entrar no Amazonas pelo lado direito;
o fato de o fluxo de água no cruzamento dos Rios levar em direção ao Tapajós,
os vestígios da área sugerem que a região era densamente povoada como de fato
os portugueses a encontraram anos mais tarde; e o fato de os grupos indígenas
do Rio Tapajós e os do lado oposto do Rio Amazonas usarem flechas envenenadas.
(PALMATARY)
Frei
Alonso de Rojas e Laureano (1637)
Em 1637, chegaram, à Vila de Nossa
Senhora de Belém, seis soldados e dois leigos franciscanos embarcados em uma
frágil canoa. Os franciscanos Andrés de Toledo e Domingos de Brieva haviam
fugido da Missão sediada às margens do Rio Napo, dirigida pelo Frei Laureano de
la Cruz. Os Índios haviam se rebelado e, enquanto um grupo chefiado pelo Frei
Laureano fugia para Quito, os Freis Andrés de Toledo e Domingos de Brieva
preferiram, juntamente com seis soldados, descer o Rio até Belém. Um destes
soldados, o português Francisco Fernandes, já havia residido no Pará e conhecia
relativamente bem a área. A viagem não foi documentada, na época, mas sua
história gerou uma crônica cuja autoria foi atribuída ao Frei jesuíta Alonso de
Rojas que, em Quito, teve acesso às informações sobre a Expedição, e escreveu,
em 1639, a crônica:
Relación del Descubrimiento del
Río de las Amazonas y sus dilatadas Provincias y ..., hoy San Francisco de
Quito, y declaración del mapa onde está pintado ... [1640].
Nela Rojas afirma que os religiosos e
soldados foram bem recebidos, abrigados e alimentados:
Esses mesmos soldados e os dois religiosos, quando desceram o
Rio, chegaram a umas mui dilatadas províncias cujos habitantes são chamados
pelos portugueses Extrapajozes. Estes agasalharam os religiosos e os soldados
e, por sinais lhes disseram que fossem com eles por um Rio acima, em cuja
margem encontraram uma grande Aldeia [...] Meteram-nos em uma casa muito
grande, com madeiras lavradas, forradas de mantas de algodão, entretecidas de fios
de diversas cores, onde puseram uma rede para cada qual dos seus hóspedes,
feita de folhas de palmeira e bordada de diversas cores, e lhes deram para
comer: caça, aves e peixes. Nessa Aldeia, viram os soldados caveiras de homens,
arcabuzes, pistolas e camisas de pano.
Disto deram depois a notícia aos portugueses e lhes disseram
que aqueles Índios tinham morto alguns holandeses que chegaram até aquelas
províncias sendo deles as caveiras e as armas. (ACUÑA & CARVAJAL &
ROJAS)
Frei Laureano de La Cruz, por sua vez,
escreveu sobre a mesma Expedição um relato que chamou de “Nuevo descubrimiento del Río de Marañón, llamado de las Amazonas, hecho
por la Religión de San Francisco, año de 1651”. Laureano afirma que, ao
chegar à Província dos “Trapajosos”,
os expedicionários tiveram suas roupas, víveres e demais pertences roubados.
Prosseguindo a viagem, logo adiante fugiram os dois Índios,
mas continuaram, apesar disso, em busca do seu descobrimento. Já tinham
caminhado os servos de Deus 200 léguas, sem encontrar gente, por estarem os
povoados ali afastados do Rio, quando chegaram à Província dos Omáguas, onde
foram providos de mantimentos, de que iam muito necessitados [...]
Foram continuando a viagem reconhecendo as povoações dos
gentios que iam encontrando pelas margens do nosso grande Rio, e passando sem
estorvo nem contradição alguma, perto das conquistas de Portugal [sem terem
encontrado o “Eldorado” nem a “Casa do Sol”], chegaram a uma Província
chamada de Trapajosos, onde os seus moradores, cobiçosos, atrevidos, despiram
os pobres tirando o pouco que levavam.
Desta maneira continuaram a viagem, até que chegaram a uma
praça de portugueses, que se chama Gurupá. (ACUÑA & CARVAJAL & ROJAS)
Frei
Laureano de La Cruz (1650)
Frei Laureano de La Cruz subiu o Rio
Tapajós, em 1650, integrando uma Expedição portuguesa com o intuito de resgatar
Índios cativos. Eram estes os Índios de outras tribos que os Tapajó
aprisionavam em suas guerras. Frei La Cruz comentou que:
las razones con
que los portugueses quieren paliar su iniquidad, son decir que aquellos indios
que ellos iban a rescatar los tienen ya sus años sentenciados a muerte para
comérselos, y que les hacen buena obra en librarlos de la muerte y sacarlos a
tierra de cristianos a donde lo sean, aunque esclavos. (ACUÑA & CARVAJAL
& ROJAS)
Bibliografia
ACUÑA & CARVAJAL
& ROJAS – Christóbal de Acuña & Gaspar de
Carvajal & Alonso de Rojas. Descobrimentos
do Rio das Amazonas (1945) – Brasil
– São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1941.
CARVAJAL,
Gaspar de. Relatório do Novo
Descobrimento do Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de
Orellana – Brasil – São Paulo, SP – Consejería
de Educación – Embajada de España – Editorial Scritta, 1992.
PALMATARY,
Helen Constance. The Archaeology of the Lower Tapajós Valley: Brazil.
Transactions of the American Philosophical Society – Inglaterra – literary
Licensing, New Series, Tomo n° 50, Parte III, 06.04.2013.
SUSSUARANA,
Felisberto. Santarém antes da sua
Fundação ‒ Brasil ‒ Santarém, PA ‒ Programa da Festa de Nossa Senhora da
Conceição (PFNSC), 1991.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro,
Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II Circuito
de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[3] Aldeamento: os
aldeamentos jesuíticos tinham a finalidade de impor aos Índios a cultura
cristã. A política provocava a destribalização e violentava princípios
fundamentais da cultura e costumes indígenas. Os religiosos consideravam que os
aldeamentos protegiam os nativos da escravidão, facilitavam sua conversão ao
cristianismo e propiciavam que os mesmos fossem utilizados como uma força
militar contra tribos hostis ou intrusos estrangeiros. A política dos
aldeamentos era tão agressiva que, muitas vezes, os Índios preferiam trabalhar
com os colonos, pois estes raramente interferiam com seus costumes e valores
culturais.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H