Terça-feira, 20 de abril de 2021 - 06h02
Bagé, 20.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte XII
Os Tapajó II
Padre Antônio Viera (1659)
O
Padre jesuíta Serafim Soares Leite (1890-1969) poeta, escritor e historiador
português, viveu muitos anos no Brasil e se tornou um dos maiores pesquisadores
da atuação dos jesuítas no Brasil. Escreveu a “História da Companhia de Jesus no Brasil”, em dez volumes, que o
tornou merecedor do Prêmio Nacional de História (Prêmio Alexandre Herculano),
em 1938. Serafim afirma que, no primeiro semestre de 1659, o processo de
catequese dos Tapajó se iniciou com a vinda do Padre Antônio Vieira à região:
Visitou a sua
grande taba, percorreu suas praias e arredores, conversou com eles, pois sabia
falar a “língua brasílica”, na qual
compusera catecismos, orações e cânticos religiosos. Certamente, exercitou o
seu sagrado ministério na oportunidade, catequizando, pregando, batizando e
rezando missas. Os selvagens pediram ao Padre Vieira que mandasse missionários
para levantarem cruz e igrejas, como vinham fazendo em Xingu e Gurupatuba.
Padre Antônio Vieira prometeu atendê-los. E não se esqueceu da promessa.
(LEITE, 1945)
Missionário Gaspar Misseh (1660)
O
Padre Antônio Vieira expediu até o Rio Tapajós e suas Aldeias os missionários
Tomé Ribeiro e Gaspar Misseh que aportaram em Belém em 1660. Misseh faz o
seguinte relato:
Saíram os dois de
Gurupá no dia 31.05.1661 e acharam a Aldeia dos Tapajós, com Índios de seis
tribos diferentes. No dia seguinte ao da chegada, os Índios com mulheres e
filhos vieram ofertar-lhes os habituais presentes: mandioca, milho, galinhas,
ovos, beijus, mel, peixes e carne moqueada. E por sua vez receberam as dádivas
que mais ambicionavam: espelhos, facas, machados, velórios, vidrilhos, etc. Os
Padres celebraram a festa de Ascensão de Nosso Senhor, à portuguesa, com tiros
e morteiros. Houve missa, fez-se catequese, realizaram-se batismos e, antes de
descerem ao Pará, os Padres ergueram, entre expectação e comoção geral, no
terreiro da Aldeia, uma grande Cruz. (LEITE, 1945)
Padre João Felipe Bettendorf (1661)
Em
1661, o Padre Antônio Vieira ordenou ao Padre Bettendorf a fundação de uma
missão que teria como base a Aldeia de Nossa Senhora da Conceição dos Tapajós,
povoamento que, mais tarde, viria a ser denominado de Santarém.
Bettendorf
faz o seguinte relato na sua “Crônica da
Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”:
LIVRO IV
LEVANTAMENTO DO POVO DO MARANHÃO E PARÁ CONTRA OS PADRES DA
COMPANHIA DE JESUS, ENQUANTO SE INSTITUI A MISSÃO DO RIO
DAS AMAZONAS COM MISSIONÁRIOS
E RESIDÊNCIA NOS TAPAJÓS
CAPÍTULO I
MANDA O PADRE SUPERIOR ANTÔNIO VIEIRA, POR PRIMEIRO
MISSIONÁRIO DO ASSENTO DO RIO DAS AMAZONAS COM ORDEM DE FAZER RESIDÊNCIA NOS
TAPAJÓS AO PADRE JOÃO FILIPE
Apenas tinha eu
estado uns poucos meses em companhia do Padre Francisco da Veiga na Aldeia de
São João em Mortigura, quando o Padre visitador o Subprior Antônio Vieira me
chamou à casa do Pará, e lá levando-me para o cubículo que hoje serve de
livraria, me mostrou em o mapa o grande Rio das Amazonas e disse-me:
Eis aqui, meu Padre João Felipe, a
diligência do famoso Rio das Amazonas, pois a Vossa Reverência elegeu Deus por
primeiro Missionário do assento dele, tome ânimo e aparelhe-se que em tal dia
partirá, e levará por companheiro um irmão conhecedor da língua, Sebastião
Teixeira, para ajudá-lo nas ocasiões em que for necessário.
Respondi-lhe eu
que estimava muito esta dita de ser o primeiro Missionário de um Rio tão
afamado e de uma tão dilatada missão, e agradecia muito a Deus e a sua
Reverência essa eleição, e que da minha parte faria todo o possível para
corresponder, segundo a obrigação que me ficava a trabalhar com grande zelo pela
salvação das almas que por ele havia.
Aviou-me logo o
Padre Francisco Velloso, Superior da casa, com as coisas seguintes que aqui se
referem, para saberem os Missionários do tempo antigo. Deu-me uma canoa
meãzinha, já quase velha e sem cavernas bastantes, um altar portátil com todo o
seu aviamento, [...]; e com isso mandou a Mortigura em busca de farinha para a
viagem, e ao Cametá em busca de umas poucas tartarugas, que as daria ao Padre
Salvador do Vale.
Queria o Padre
Subprior Antônio Vieira que as residências dos Ingaíbas, onde assistia o Padre
João Maria Gorsony, e a do Gurupá, onde assistia o Padre Gaspar Misseh e a do
Rio das Amazonas com os Tapajós, fossem sobre si sem mais dependência que do
Padre Subprior da Missão; mas respondi-lhe eu que, da minha parte, não queria
ser independente da casa do Pará, porque convinha ter a quem recorrer nas
necessidades que se oferecessem e houvesse quem tivesse obrigação de acudir-me
em razão de seu ofício; e com isso não se efetivou o que o Padre Subprior pretendia
fazer, caso os Padres Missionários quisessem.
Com este
limitadíssimo aviamento, eu com meu companheiro, muito doente, fomos para minha
missão, que não tinha outro limite “que
todo o Rio das Amazonas”, que corre pelo Distrito das conquistas da Coroa de
Portugal, começando na Aldeia do Ouro, em Cambebas, até a residência de Gurupá
ou Tapará, incluindo todo o Rio dos Tapajós com suas serrinhas e sertões.
Chegado que fui a Mortigura, deu-me o Padre Francisco da Veiga uns três para
quatro paneiros ([1])
de farinha com uma só tartaruga, que os Índios comeram por ceia.
Em Cametá, não me
deu o Padre Salvador de Valles mais que uma boa vontade, por não ter peixe, nem
coisa alguma para me dar naquela missão; e assim partimos, sustentando-nos pelo
caminho com farinha e um bocadilho de doce, tirado do boiãozinho que levávamos.
Não faltaria
algum conduto ([2])
se o irmão mais prático que eu, que ainda era novato, mandasse pescar os
Índios; passados uns seis para sete dias, chegamos à Fortaleza de Gurupá, onde
o Paulo Martins Garro mandou disparar duas peças de artilharia para com isso
nos dar as boas-vindas, e agasalhou-nos muito bem; no dia seguinte, nos
acompanhou em sua canoa até o Tapará, fazendo os gastos pelo caminho,
botando-me água às mãos, para com isso dar exemplo do respeito que os Índios me
haviam de guardar.
Andamos dia e
quase meio de Gurupá até a Residência do Tapará, onde não achamos o Padre Tomé
Ribeiro, nem o Padre Gaspar Misseh, por haverem ido ambos para o Pará;
fizeram-nos os Índios seus presentes de peixe-boi assado e excelente, mas, como
não é tão sadio, comendo dele o Capitão-Mor logo lhe deram febres que duraram
muito tempo, com que, despedindo-se, voltou para sua Fortaleza, e nós, depois
de termos doutrinado os Índios conforme pedia a necessidade, fomos para
Iguaquara. Aqui ajuntei a gente que lá havia, doutrinei e lhe fiz prática do
que haviam de guardar em minha ausência, e deste modo fui visitando as mais
Aldeias, catequizando, batizando e confessando.
Estava naquele
tempo a Aldeia de Gurupatiba dividida em duas: uma que estava em uma porta do monte
sobre o Igarapé e se chamava Caravela pelos brancos, e não é crível quanto me
custou batizar aqui uma velha, para que não morresse sem a água do santo
batismo; a outra parte estava em riba do monte onde está hoje; e como me
encaminhava para ele de madrugada, vieram os Índios, postos por fileiras, com
candeinhas de cera preta em mãos receber-nos, levaram-nos para sua Aldeia; aqui
achei muito que fazer: avisei todos que se juntassem na Igreja, disse-lhes a
Missa, doutrinei e batizei quantidade de inocentes e, sem embargo de ter
encomendado que não deixassem nenhum ainda dos que não fossem batizados, ficara
de fora um rapazinho que estava muito mal.
Porém, quis Deus
que, acabado já tudo, como parecia, entrasse eu em dúvida se porventura por
negligência dos Índios tinha ficado alguma criança sem batismo; portanto, sem
embargo parecer isto ao irmão escrúpulo, quis eu tornar a visitar as casas que
já tinha visitado todas. Coisa notável: entrando em casa de um Principal, vi
uma redinha velha e preta de fumaça, e, chegando para ver o que nela estava,
achei um rapazinho inocente reduzido a ossos e quase aos últimos da morte. Perguntei
ao Índio Principal se este menino estava batizado e respondeu-me ele que não, e
que não se tinha tratado dele, pois estava muito mal; então dando-se eu uma
repreensão ao Principal, batizei lá mesmo o menino chamando-o Francisco Xavier.
Foi isto singular
providência de Deus, porque pouco depois se foi para o Céu gozar da vista de
seu Criador, da qual havia se privado para sempre se eu, por inspiração,
particular não tivesse tornado a visitar as casas. De Gurupatuba fomos para o
Tapajós, onde havia de fazer minha residência, conforme a ordem do Padre
Superior e Visitador, Antônio Vieira. Lá chegamos depois das festas do Espírito
Santo [fins de junho de 1661] e fomos recebidos dos Índios daquela populosa
Aldeia com grande alvoroço e alegria; levaram-nos para uma casinha de palma, eu
não tinha mais cômodo que uma varandinha com dois limitados cubículos ([3])
e, à ilharga ([4]),
uma choupaninha para dizer Missas.
Vieram ver-nos
não somente os cinco “Principais” que
havia naquele tempo, de diversas nações na Aldeia, mas também os mais com suas
mulheres e filhinhos, trazendo-nos presentes a que chamavam potabas ([5]).
A todos contentei,
dando-lhes juntamente a razão da minha vinda, de que gostaram muito, por haver
tempos que desejavam a dita de ter consigo Missionário da Companhia de Jesus.
No dia seguinte,
vieram outros “Principais” do Sertão,
também com suas dádivas de cágados e frutas, rogando, com muita instância,
quiséssemos chegar até suas terras para levantar a Santa Cruz e fazer-lhes
igreja, como nas mais Aldeias dos cristãos; correspondi a seus presentes com a
pobreza que trazia comigo, dando-lhes minha palavra que cedo lhes atenderia com
o que pediam. (BETTENDORF)
Bettendorf, na sua famosa “Crônica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do
Maranhão”, reproduzida mais tarde pelo Padre João Daniel no seu “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas”,
escrita na prisão entre 1757 e 1776, faz referência ao caso do Padre Antônio
Pereira, conhecido como o “Queimador dos
Monhangaripes”:
Possuíam os
Índios Tapajós alguns corpos [ou múmias] ressequidas de seus antepassados, que
conservavam numa casa dentro da mata, e aos quais prestavam periódicas
homenagens ou adoração, segundo pensavam os Padres. Em torno desses cadáveres
secos, mantinham rigoroso segredo, só conhecido dos pajés e dos homens velhos
da tribo. Chamavam a essas múmias “Monhangaripes”.
(BETTENDORF)
No
seu tempo, Bettendorf não tentou eliminar a prática ancestral seguindo o
conselho de Maria Moaçara ([6]),
Principaleza da tribo e de outros tuxauas que temiam uma revolta de grandes
proporções.
Padre Antônio Pereira,
entretanto, contando com o respaldo de muitos habitantes brancos na Aldeia,
usando conselhos e ameaças, conseguiu que os Índios lhe trouxessem as múmias e
mais “umas pedras que usavam por ídolos”.
Apresentaram os silvícolas sete corpos mirrados dos seus avoengos ([7])
e umas cinco pedras que também adoravam... As pedras todas tinham sua dedicação
ou denominação, com alguma figura que denotava para o que serviam. Uma presidia
aos casamentos, como o deus do Himeneu dos antigos; outra à qual imploravam o
bom sucesso nos partos, e assim as mais... Havia também a que presidia as
pescarias e caçadas, plantações, etc. (BETTENDORF)
Bibliografia
BETTENDORF, Padre João Filipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no
Estado do Maranhão – Brasil – Brasília, DF – Edições do Senado Federal,
2010.
LEITE, Serafim. História
da Companhia de Jesus – Brasil –
Rio de Janeiro, RJ – Civilização
Brasileira, 1945.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Paneiros: cestos.
[2] Conduto: alimento.
[3] Cubículos: quartos pequenos.
[4] Ilharga: ao lado.
[5] Potabas: oferenda que se fazia ao cacique e ao pajé.
[6] Moaçara: quer dizer Fidalga Grande, porque
costumam os Índios, além dos seus Principais, escolher uma mulher de maior
nobreza, a qual consultam em tudo como um oráculo, seguindo-a em o seu parecer.
(BETTENDORF)
[7] Avoengos: antepassados, ascendentes.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H