Quinta-feira, 28 de janeiro de 2021 - 09h41
Bagé, 28.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XVI
Ainda em 1902, utilizando a rota do varadouro Tamaia-Amônea, veio do
Ucaiali o já conhecido Manuel Pablo Villanueva, aparentemente com o objetivo de
negociar caucho. O Governo de Lima precisava completar os dados e observações
que o Capitão Enrique Espinar coletara, em 1897, visando a emprestar maior
ênfase na ocupação do território, mediante um plano melhor elaborado, que se
basearia nos elementos a serem recolhidos por Villanueva.
No seu regresso a Lima, Manuel Pablo teve ocasião de pronunciar uma
conferência na “Sociedad de Geografia”,
durante a qual instou pela urgente necessidade de fomentar o desenvolvimento de
Nuevo lquitos, um “pueblo de caucheros”,
na Foz do Breu, que na realidade não passava de umas tantas palhoças onde vivia
o intitulado Comissário Efrain Ruiz.
O conferencista expôs, com alarme, a influência brasileira “exercida em danos aos peruanos, em quase
todo o Rio”, e asseverava: “de fato,
o Brasil estende sua autoridade nos territórios situados ao Sul do 7° grau de
Latitude, como se formassem parte de sua nacionalidade”.
Manuel Pablo Villanueva, Fronteras de Loreto, apud Bellarmino Mendonça.
As palhoças de Nuevo Iquitos foram abandonadas em 1902, ao retirar-se o seu
fundador Efrain Ruiz.
Em seguida à viagem de Villanueva, ocupou a Foz do Amônea um destacamento
composto de 20 praças e numerosos ([1])
caucheiros armados. Carlos Vasques Quadros, à frente deles, vinha exercer as
funções de Comissário. As terras da Foz do Amônea pertenciam ao Seringal Minas
Gerais, propriedade do brasileiro Luís Francisco de Melo.
Os exploradores brasileiros do Juruá chegaram à Foz do Amônea em 1890,
chefiados pelo cearense Francisco Xavier Palhano. Nessa época só havia índios
na região.
Os habitantes, à vista da arrogância dos estrangeiros, forçaram-lhes a
retirada para o Alto-Amônea, onde se julgava estar a fronteira do Peru. Luís
Francisco de Melo cometeu a imprudência de aconselhar aos seus compatriotas a
não se oporem à invasão, porque, ele acreditava, ao Governo do Brasil caberia
resolver o caso. Serenados os ânimos, Luís Francisco de Melo deu assentimento
aos peruanos para que se instalassem na Foz do Amônea.
A 15 de novembro [1902], Carlos Vasques Quadros e seu Troço ([2])
estabeleceram-se no lugar, pondo logo em funcionamento uma repartição
arrecadadora de impostos. O nome de Nuevo Iquitos das antigas palhoças de
Efrain Ruiz, na Boca do Breu, passou a ser o do “Puesto” fundado, em 1898, por Justo Balarezo.
Dentro em pouco, a mediação insensata de Luís Francisco de Melo produzia
os seus efeitos negativos. A “Comisaría
do Amônea” iniciava a cobrança de taxas aos produtos brasileiros e aos
navios de passagem pelo Rio.
Comerciantes e proprietários eram atingidos por violências morais e até
por depredações. Quadros baixou ato estabelecendo o imposto de dois décimos por
estrada de seringa, “além do pagamento de
15% ‘ad valorem’ sobre a exportação da borracha” [segundo José Moreira
Brandão Castelo Branco].
Os habitantes do Alto-Juruá e do Rio Tejo endereçaram ao Governo do
Amazonas um longo memorial explicativo das ocorrências provocadas pela “Comisaría do Amônea”. Pediam a atenção
das autoridades para essa anomalia em território reconhecidamente brasileiro.
Negavam-se a obedecer à nova ordem peruana, estando dispostos a repelir os alienígenas
pela força das armas.
Em desdobramento do plano de domínio político do Alto-Juruá [e também do Alto-Purus],
o Governo de Lima deu instruções ao seu Consulado em Belém para que
estabelecesse normas de despacho das mercadorias conduzidas pelos navios ao
Alto-Juruá e Alto-Purus, onde, nos Portos do Amônea e do Chandless, deveriam
apresentar documentação expedida por aquele Consulado. Um aviso, a esse
respeito, saiu nos jornais do Pará.
O fato provocou um movimento de protesto dos comerciantes paraenses ao
Governador Augusto Montenegro, a quem relataram a situação anômala surgida com
a exigência do cônsul peruano.
O Governador transmitiu as reclamações do comércio ao Ministro do
Exterior, que veio esclarecer o ponto de vista do Governo Federal: o Brasil não
reconhecia os Postos do Amônea e do Chandless, e, portanto, os carregadores de
mercadorias que se destinassem ao Alto-Juruá e Alto-Purus nenhum dever tinham
de legalizar papéis no Consulado do Peru.
Embora o Chanceler Rio Branco estivesse, a essa época, absorvido nas
conversações com os plenipotenciários da Bolívia, acompanhava, “pari passu”, as ocorrências políticas
naqueles longínquos afluentes do Amazonas.
Nos volumes “Recortes de Jornais”,
organizados por ordem de Rio Branco, encontra-se todo o noticiário da época a
respeito dos sucessos no Alto Purus e no Alto-Juruá. De vez em vez o Barão
anotava observações à margem desse documentário.
Respondendo ao Ministro do Peru, o qual lhe havia dirigido Nota sobre a
ordem do Cônsul de seu país em Belém, Rio Branco disse que:
certamente o Peru tem o direito de criar em território que seja
incontestavelmente seu as estações fluviais que lhe aprouver, mas não pode
estabelecê-los, como ultimamente fez, em territórios sobre que o Brasil entende
ter direito.
Neste caso se acham os que formam as Bacias do Alto-Juruá e Alto-Purus,
onde, ao contrário do que afirma o Sr. Ministro, por mal informado, o Governo
do Peru nunca havia exercido atos de jurisdição, e cuja população, em sua quase
totalidade, é notoriamente brasileira.
E termina, categórico:
Mantenho a declaração: o Governo Brasileiro não reconhece os Postos
Aduaneiros peruanos do Amônea e do Chandless. Este último já não existe, o
outro, no interesse das boas relações entre os dois países, deve ser retirado,
como o foi, a pedido do Governo peruano, a Coletoria Amazonense que ali
existia. [Nota de Rio Branco ao Ministro Amador del Solar, 24.12.1903 - Arquivo
Histórico do Itamarati]
A situação no Juruá era tumultuosa. No exercício de
práticas aduaneiras, a “Comisaría”
coarctava ([3])
a liberdade dos brasileiros, exigindo pela força o pagamento de tributos. Para
causar efeito psicológico solenizavam, diariamente, o ato de içar e arriar a
bandeira peruana, diante do pelotão em armas. Os navios tinham de trazer o
pavilhão no Peru içado no mastro de popa. Assumira o comando do Destacamento
Militar o Tenente Dagoberto Arriaran, após uma viagem aventurosa, desde Manaus,
sob o disfarce de caixeiro-viajante.
O oficial, vindo de Iquitos, tomara o vapor na capital amazonense mas,
durante a viagem, foi reconhecido como agente peruano e quase é desembarcado
num barranco qualquer, por instâncias dos passageiros. Salvou-o de tal sorte os
seus rogos e protestos de inocência. O Tenente Arriaran tornou-se o responsável
por uma série de coações praticadas na Foz do Amônea: os navios tinham de parar
no Posto peruano, a fim de se submeter à cobrança fiscal, ao exame da carga,
dos documentos, e muitas vezes os recalcitrantes eram chamados à fala com tiros
de rifle.
A “Comisaría”, no intuito de
alargar por todos os meios a tardia influência do Peru naqueles sítios,
decretou novos tributos que incidiram no consumo, no trânsito fluvial, na
exportação de produtos e na importação de gêneros e mercadorias. Aos moradores
do Alto-Juruá o Comissário dirigiu circulares comunicando a obrigatoriedade de
registro de nomes dos seringais, sob ameaça de penas severas caso as
determinações da “Comisaría” não
fossem cumpridas. Denúncias chegaram a Manaus de que aportariam ao Amônea, pelo
varadouro do Ucaiali, mais duzentos homens do exército regular.
Isto seria o preparo de uma ofensiva com maior raio de ação: a Cidade de
São Filipe.
As “Comisarías” peruanas no
Alto-Juruá e no Alto-Purus foram criadas por lei, em setembro de 1901, segundo
informou o Encarregado de Negócios do Brasil em Lima, Alfredo Carlos Alcoforado,
quem primeiro transmitiu a Rio Branco a notícia de serem essas repartições
instituídas pelo Prefeito de Iquitos, autorizado pelo Ministro do Exterior.
Havia um projeto [continua o informe de Alcoforado] a ser submetido ao
Congresso, legalizando-as como “Capitanías
de Puerto y Comisarías fluviales en el Río Alto Yuruá y Purus, con residencia
en Puerto Iquitos y Boca del Chandless” [Ofício de 26.07.1903]. Finalmente,
Alcoforado comunicou a aprovação legislativa da medida, logo sancionada pelo
Executivo [Ofício e telegrama de 11.09.1903 – Arquivo Histórico do Itamarati].
Reinava este estado de coisas no Alto-Juruá e no Alto-Purus, em fins de
1903, quando Rio Branco, após concluir o ajuste de 17 de novembro, com a
Bolívia, passou a tratar exclusivamente o caso do Peru.
O Chanceler brasileiro iniciava a fase dinâmica das negociações para
obter um arranjo que viesse pôr cobro ([4]) aos
desentendimentos entre os dois países. (TOCANTINS, 1989)
Bibliografia
TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre, Volume II –
Brasil – Brasília, DF – Conselho Federal de Cultura e Governo do Estado do
Acre, 1989.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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