Sexta-feira, 29 de janeiro de 2021 - 06h05
Bagé, 29.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XVII
Graças
à ação pioneira e patriótica desencadeada, com muita competência e
determinação, pelo Governo do Estado do Amazonas é que se conseguiu pelas
armas, com Plácido de Castro, e pela diplomacia, com Rio Branco, a incorporação
das plagas acreanas ao Brasil. Os arrojados desbravadores haviam penetrado
corajosa e progressivamente nas Bacias do Rio Purus, Acre e Juruá sem encontrar
um único boliviano ou peruano sequer. A geografia, por sua vez, mais tarde,
impôs no Rio Acre que os interesses nacionais colidissem com os dos bolivianos
e nos Vales do Alto-Purus e do Alto-Juruá nossa incontestável e laboriosa
presença viesse a enfrentar os caprichos peruanos. No dia 12.11.1898, o omisso
e temeroso Governo Federal, totalmente alheio aos interesses nacionais permitiu
que os bolivianos instalassem no Rio Acre um Porto Aduaneiro boliviano. No dia
03.01.1899, a Aduana de Puerto Alonso, hoje Porto Acre, foi inaugurada
desencadeando, imediatamente, as insurreições acreanas contra a presença
boliviana na região.
“Temos um Homem no Itamarati”
Brasil x Bolívia
Logo
após a assinatura do Tratado, o Governo Federal criou o Território Federal do
Acre e o dividiu em três Departamentos autônomos designando, em abril de 1904,
o Coronel Rafael Augusto da Cunha Matos para Prefeito do Departamento do Acre,
com sede em Rio Branco; Seringal Empresa (Rio Acre), o General José Siqueira de
Meneses para Prefeito do Alto-Purus sediado em Sena Madureira (Rio Iaco) e o
Coronel Thaumaturgo de Azevedo para Prefeito do Alto-Juruá em Cruzeiro do Sul
(Rio Juruá).
Brasil x Peru
Rio
Branco sempre afirmou que o governo brasileiro não aceitaria qualquer tipo de
negociação baseada no Tratado de Santo Ildefonso [1777], como pretendiam os
peruanos já que este Tratado tinha sido declarado nulo pelo Tratado de Badajós
[1801]. Os peruanos intensificam as ações bélicas, mas o Chanceler brasileiro,
que conhecia as questões de limites, como poucos, não se curvou às pressões
militares peruanas e respondeu enfaticamente às provocações afirmando em Nota
Oficial ao Ministro Hernán Velarde:
é que o Governo peruano começou em fins de 1902 e meados de 1903 a
apoderar-se, “manu militare” ([1]),
dos territórios em litígio, quase que exclusivamente habitados por brasileiros,
procurando modificar o estado em que se achavam as coisas, e acreditando que tais
invasões e tomada de posse violentas, efetivadas à última hora, lhe podiam
alcançar posição vantajosa no processo arbitral que desejava. [Rio Branco,
27.06.1904 ‒ Arquivo Histórico do Itamarati]
Eventualmente,
atendendo às solicitações dos cidadãos brasileiros, as Forças Nacionais
intervêm a fim de evitar que os abusos por parte das autoridades peruanas se
perpetuem.
No
dia 10.11.1903, o Ministro Hernán Velarde apresenta um protesto junto ao
Itamarati nos seguintes termos:
Un Destacamento Militar
ha penetrado en territorio peruano llegando hasta la Boca del Río Chandless en
cuyas márgenes se hallaban establecidas la Aduana, la Comisaría y una diminuta
guarnición peruana, de que el jefe de la fuerza brasilera, procediendo en
nombre del Gobernador del Acre, intimó a los peruanos la desocupación del
territorio. […] que tropas del Brasil han invadido el Perú, desposando al
amparo de la sorpresa y del número a las legítimas autoridades territoriales.
Os
peruanos tentaram iniciar seu processo de ocupação instalando pontos de apoio à
sua exploração e comércio do caucho. Uma tropa do exército peruano, em março de
1904, tentou reconquistar a Boca do Chandless, atacando inicialmente os
brasileiros no Barracão do Funil e outros Barracões do Alto-Purus com o
objetivo de conseguir mantimentos para suas tropas.
O
Prefeito do Alto-Purus, Cândido José Mariano, enviou um Ofício Reservado, no
dia 21.02.1906, ao Barão do Rio Branco, informando que no Barracão Funil os
brasileiros “despercebidos do que lhes ia
suceder e ocupados com os seus afazeres” não conseguiram “repelir tão insólita agressão, e aí, de
posse do lugar, cometeram toda a sorte de tropelias, violando brutalmente
algumas das mulheres brasileiras e aprisionando o proprietário do mesmo, de
nome Francisco Correa de Meneses, e mais dez fregueses seus, todos brasileiros”.
Os peruanos levaram os prisioneiros para o Peru e fuzilaram a quase todos.
Relata Leandro Tocantins:
As populações ribeirinhas ficaram em pânico e apelaram para o Coronel
José Ferreira de Araújo. Este reuniu uma centena de seringueiros e foi ao
encontro dos peruanos. Cruzeiro, “Cuartel
General” dos incursores, já estava abandonado quando a diligência
brasileira alcançou-o. Ferreira de Araújo prosseguiu para montante,
encontrando, na passagem, barracões destruídos e pessoas famintas, pois houvera
saque de víveres. E na Foz do Santa Rosa deparou com o novo acampamento
peruano, a fervilhar de gente, sendo recebido a bala, o que deu ensejo a
renhida luta durante o dia 31 de março de 1906, noite adentro, até 11 horas da
manhã de 1° de abril de 1906. Os invasores retiraram-se, na maior parte,
protegidos pela escuridão da noite, indo procurar os varadouros das cabeceiras
do Rio.
Estes fatos foram reproduzidos dos jornais de Manaus por “O País”, de 26.07.1904, cujos recortes
se encontram na Coleção de Rio Branco, Arquivo Histórico do Itamarati. Logo
após a essa ocorrência, o General Luis Antônio de Medeiros, Comandante do
Distrito Militar, em Manaus, recebeu uma Comissão de proprietários do Alto-Purus
que lhe foram narrar os fatos e pedir proteção. Os brasileiros prenderam 5
peruanos em Funil e sem o consentimento de José Ferreira de Araújo e sua
completa ignorância [diz o Prefeito Candido Mariano], sob a chefia “de um desalmado de nome Jorge Rangel deram
morte aos prisioneiros”, fato “reprovado
por todos, não lhes servindo de desculpa o modo por que foram tratadas pelos
peruanos as famílias naquele lugar. “Esse
tristíssimo caso, originário da invasão peruana no território nacional e das
depredações por ela cometidas merece a censura dos homens educados”. Mas, “trata-se de gente sem instrução e
inteiramente dominada pelo ódio à vista dos horrores ali praticados pelo
invasor audaz”.
Estas ocorrências só vieram a ser conhecidas no Rio de Janeiro nos
últimos dias de abril, através de telegramas de Manaus. Somadas aos
preparativos militares do Brasil, na capital amazonense, aumentavam de muito a
tensão psicológica. Mas o bom senso acabou por vencer a intransigência peruana
que poderia ter arrastado a uma guerra não desejada pelas duas nações. A
08.05.1904, o Ministro Hernán Velarde dirigiu uma nota ao Itamarati cujos
termos já indicavam melhores disposições de espírito do Governo peruano. A
certa altura, dizia o representante do país vizinho:
Hoy, Señor Ministro,
interpretando el espíritu de concordia que guía y ha guiado siempre a mi
Gobierno en sus relaciones con el Brasil, propongo a V. Exª como medio decoroso
de salvar las graves dificultades en que se hallan comprometidos nuestros
respectivos países la neutralización de la zona reconocida como litigiosa por
ambos los Gobiernos y la consecuente retirada de las fuerzas que pudiesen
encontrarse en esa zona, mientras se negocia un acuerdo que ponga término a
toda dificultad entre nuestros respectivos países.
A nota foi lida a Rio Branco por Velarde e, explicada a inteligência da “zona reconocida como litigiosa” não
logrou acolhimento do Chanceler, porque, se aceita, ficaria neutralizado todo o
imenso território pretendido pelo Peru, tanto o que se estende ao Sul da linha
Madeira-Javari do caduco Tratado de 1777, compreendendo 251.000 km² no Estado
do Amazonas, ao Norte da oblíqua Javari-Beni.
“Ponderei imediatamente ao Sr.
Velarde que tal proposta era inadmissível”. O Brasil só aceitava a neutralização
de dois pequenos territórios no Alto-Juruá e no Alto-Purus, e nesse sentido o
Itamarati ia redigir uma nota em termos explícitos. (TOCANTINS, 1989)
Rio
Branco negou-se a tentar qualquer tipo de acordo com o Governo de Lima enquanto
os Destacamentos Militares peruanos permanecessem nas regiões do Alto-Juruá e
Alto-Purus. Como as ações peruanas persistissem, o Presidente Rodrigues Alves
determinou ao General Luiz Antônio de Medeiros, Comandante do 1° Distrito
Militar, sediado em Manaus, AM, que organizasse dois destacamentos e os
deslocasse para o Alto-Juruá e o Alto-Purus. O Comando de 300 combatentes,
destinados ao Alto-Purus, coube ao Major Olímpio de Oliveira, enquanto o
Tenente-Coronel Cipriano Alcides, no comando de 225 soldados do 15° Batalhão de
Infantaria, seguiria para o Alto-Juruá. Partiram ambos, de Manaus, em princípio
de maio.
Bibliografia
TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre, Volume II –
Brasil – Brasília, DF – Conselho Federal de Cultura e Governo do Estado do
Acre, 1989.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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