Terça-feira, 2 de fevereiro de 2021 - 06h00
Bagé, 02.02.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XIX
Modus Vivendi III
Como
o Congresso do Peru havia autorizado seu governo a tomar um grande empréstimo
para compra de canhões Krupp da Alemanha, o Barão do Rio Branco solicitou ao
Marechal Francisco de Paula Argollo, Ministro da Guerra, que concentrasse no
Amazonas 4.000 homens, com os meios necessários para tomar as lanchas de guerra
peruanas, ocupar Iquitos e dominar o Rio Ucaiali, por onde teriam de transitar
possíveis reforços para o Alto-Juruá e o Alto-Purus em caso de conflito. Os
combates entre peruanos e brasileiros prenunciavam uma guerra iminente.
Rio
Branco, atento, caso o conflito irrompesse, aproveitou a oportunidade para
conseguir o apoio da Bolívia e negociar ainda uma aliança com o Equador, país
que amargava com o Peru uma antiga e litigiosa questão de fronteiras. As
providências tomadas pelo Governo brasileiro abalaram o ânimo das autoridades
de Lima que ordenaram ao Ministro Hernán Velarde que buscasse uma conciliação.
Velarde
insistiu em neutralizar, durante algum tempo, uma zona que abrangia os
territórios do Alto-Purus, do Alto-Juruá e, usando de nítida má-fé, baseado na
Linha Madeira-Javari do extinto Tratado de Santo Ildefonso, tentava estender
esta área até ao Município de Lábrea, Amazonas.
Rio
Branco, conciliador, como sempre, conseguiu que se estabelecesse, a 12.07.1904,
um “Modus Vivendi”, que se destinava
a prevenir possíveis conflitos no Alto-Purus e no Alto-Juruá, neutralizando os
territórios contestados, permitindo aos dois Governos estabelecerem as bases
para uma futura decisão amigável que resultaria num Tratado honroso para ambas
as partes.
O
“Modus Vivendi” era mais uma tática inteligente
que permitiria dar continuidade ao projeto de ocupação pelos nossos nacionais
interrompendo, temporariamente, os conflitos entre caucheiros e seringueiros,
estimulados pelas tentativas peruanas de estabelecer Postos Aduaneiros no
Alto-Purus e no Alto-Juruá, densamente habitados por brasileiros, até que se
chegasse aos acordos diplomáticos definitivos. O “Modus Vivendi”, de 12.07.1904, assinado por Rio Branco e o Ministro
peruano Hernán Velarde, no Palácio Itamarati, segundo o seu prólogo, tinha como
objetivo prevenir possíveis conflitos no Alto-Purus e no Alto-Juruá permitindo
aos dois governos ultimarem as tratativas amigáveis para um acordo definitivo e
honroso para ambas as partes.
Modus
Vivendi
01° A discussão
diplomática para um acordo direto sobre a fixação de limites entre o Brasil e o
Peru desde a nascente do Javari até a linha de onze graus de Latitude Sul
começará no primeiro dia de agosto e deverá ficar encerrada no dia 31 de
dezembro deste ano de 1904;
02° Os dois Governos,
desejosos de manter e estreitar cada vez mais as suas relações de boa
vizinhança, declaram desde já o seu sincero propósito de recorrer a algum dos
outros meios de resolver amigavelmente litígios internacionais, isto é, aos
bons ofícios ou a mediação de algum Governo amigo, ou à decisão de um árbitro,
se dentro do indicado prazo, ou no das prorrogações em que possam convir, não
conseguirem um acordo direto e satisfatório;
03° Durante a
discussão, ficarão neutralizados os seguintes territórios em litígio:
a) o da Bacia do
Alto-Juruá desde as cabeceiras desse Rio e dos seus afluentes superiores até a
Boca e margem esquerda do Rio Breu e daí para Oeste pelo Paralelo da
Confluência do mesmo Breu até o Limite Ocidental da Bacia do Juruá;
b) o da Bacia do
Alto-Purus desde o Paralelo de onze graus até o lugar denominado Cataí
inclusive.
04° A polícia de cada
um dos dois territórios neutralizados será feita por uma Comissão Mista,
formada de uma Comissão Brasileira e outra Peruana. Cada Comissão se comporá de
um Comissário, do posto de Major ou Capitão, de um Comissário substituto, do
posto de Capitão ou Tenente, e de uma escolta de 50 homens e as embarcações
miúdas que forem necessárias;
05° À margem esquerda
da confluência do Breu ou em algum outro ponto águas acima, sobre o Juruá,
assim como em Cataí, ou em algum outro ponto próximo sobre o Purus, se
estabelecerão Postos Fiscais Mistos, que darão guias para que os direitos de
exportação dos produtos das duas regiões provisoriamente neutralizadas sejam cobradas
na Alfândega brasileira de Manaus ou na de Belém do Pará, e receberão os
certificados de pagamento de direitos de importação que em alguma das duas
citadas Alfândegas brasileiras de Manaus e Pará, ou na peruana de Iquitos,
tenham sido efetuados para os despachos de mercadorias com destino aos ditos
territórios provisoriamente neutralizados.
Esses direitos de
importação serão os mesmos que o Governo Federal Brasileiro presentemente faz
cobrar nas suas estações fiscais, e deles caberá a metade a cada um dos dois
países;
06° Os crimes cometidos
por brasileiros nos dois territórios neutralizados serão julgados pelas
Justiças do Brasil, e os cometidos por peruanos pelas Justiças do Peru. Os
indivíduos de outras nacionalidades que cometerem crimes contra Brasileiros
serão julgados pelas Justiças do Brasil, e contra Peruanos, pelas do Peru.
Quanto aos acusados que pertençam a outras nacionalidades por crimes contra
indivíduos que não sejam Brasileiros ou Peruanos, a jurisdição competente para julgá-los
será a brasileira ou a peruana, segundo determinação que tomem de comum acordo
os Comissários das duas Repúblicas, depois do exame das circunstâncias do caso;
07° As dúvidas ou
divergências que se suscitarem entre os Comissários serão levadas ao
conhecimento dos dois Governos para as resolverem;
08° Ficarão a cargo de
cada um dos dois Governos as despesas com o respectivo pessoal e material,
inclusive a referente à escolta;
09° Além das duas
Comissões Mistas de administração, cada Governo nomeará um Comissário Especial
para o Alto-Purus e outro para o Alto-Juruá, com os auxiliares e escolta que
sejam necessários formando assim duas outras Comissões Mistas que serão
incumbidas de fazer um reconhecimento rápido desses dois Rios nos territórios neutralizados;
10° O pessoal das
Comissões de que tratam os artigos anteriores será designada no prazo de trinta
dias a partir desta data do presente acordo, devendo chegar às regiões com a
maior brevidade possível;
11° Formularão ambos os
Governos, de comum acordo, as instruções pelas quais se deverão guiar as
Comissões Mistas;
12° Os dois Governos,
do Brasil e do Peru, declaram que as cláusulas deste acordo provisório não
afetam de modo algum os direitos territoriais que cada um deles defende. (CHDD)
Bibliografia
CHDD (Centro de História e Documentação Diplomática). Circulares do
Ministério das Relações Exteriores – Brasil – Brasília, DF – Cadernos da
Fundação Alexandre de Gusmão, Ano IV, n. 7, 2005.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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