Segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021 - 10h16
Bagé, 08.02.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXIII
Francisco D’Ávila e
Silva IV
Notícias posteriores adiantavam que os peruanos diziam ter 150 homens em
armas e mais 300 no interior, assegurando, porém, os brasileiros que eles não
tinham mais de 200 homens, comandados, agora, por um Major, tendo como
subalternos um Tenente e um Alferes, além do Comissário aduaneiro e outros
funcionários, pretendendo eles estabelecer uma alfândega na referida vila de
São Felipe. Não houve maior número de atentados contra vapores brasileiros,
devido ao sistema hidrográfico do Rio Juruá, que só permitia a navegação
franca, por esses barcos, na sua parte superior, no período que vai de novembro
a abril de cada ano: época correspondente a enchente na aludida Bacia. Tais
embarcações só iam até ali, duas vezes no referido período, sendo que as que
tinham menos interesses na região, deixaram de frequentar a zona dominada pelos
peruanos. Por isso, apenas, o vapor “Moa”
da “Casa Mello e C.” que possuía
vastos seringais na região, e o “Contreiras”
que ali dispunha de vários fregueses, apareceram por lá em março de 1904, sendo
submetidos aos mesmos vexames e violências, além de outras exigências. No
ofício do Comandante do Moa ao Capitão do porto, diz aquele que foi obrigado a
pagar em ouro à “Aduanilla” da Foz do
Amônea, os impostos de importação, exportação, consumo e expediente, cujos
recibos estão assinados pelo Tenente da marinha peruana Dagoberto T. Arruaran,
encimadas as guias de exportação com o título ‒ “Aduanilla Fluvial de Iquitos ‒ Dependencia del Rio Juruá”.
O “Contreiras”, ao passar em
frente ao local da “Aduanilla”, foi
obrigado a parar em consequência de várias descargas de carabina mauser feitas
pelos peruanos, a quem teve de pagar a importância de 1.198 soles, a título de
direitos de importação e exportação. O patrulhamento dos peruanos se estendia
até o lugar Florianópolis, situado na ponta de cima do estirão de Mississipi
Velho, distante da Boca do Amônea, umas duas milhas, impedindo o trânsito dos
moradores do Alto para o Baixo Juruá.
Chegou a um ponto em que a população do Alto Juruá e do seu considerável
afluente Tejo, Rio situado acima do Amônea, umas doze milhas, irritada pela
falta de providências dos poderes públicos do Brasil, aguardadas há três anos,
via-se de uma hora para outra na situação de repelir “manu militari” ([1]) as
arrogâncias do Peru que já ultrapassavam os limites do razoável e da
tolerância.
Convém relatar, nesta altura dos acontecimentos, a ação do governo
brasileiro no sentido de repelir a invasão peruana, restabelecendo a soberania
do Brasil na região e restaurando, assim, a tranquilidade dos seus habitantes.
Como já vimos, o governo amazonense, considerando brasileira toda a
região, criou a 15.02.1902, uma estação fiscal para a Boca do Breu, a qual, por
motivos ocasionais, foi estabelecida perto da embocadura do Amônea, ato este
que levou, em junho seguinte, o Ministro peruano no Rio de Janeiro, Amador del
Solar, a reclamar verbalmente, junto ao Ministro das Relações Exteriores do
Brasil, Olinto de Magalhães, contra tal estabelecimento, assegurando que se
tratava de território incontestavelmente peruano.
Em 18.07.1902, verificando o Ministro brasileiro, que o Rio Breu fica ao
Sul da linha oblíqua Javari-Beni telegrafou ao Governador do Estado do
Amazonas, dizendo: “Coletoria está em
território que não é brasileiro. Convém que seja retirada”. Em vista disto,
o Ministro Solar telegrafou ao cônsul peruano no Pará transmitindo a notícia,
que, chegando ao conhecimento do Coronel Pedro Partilha Prefeito do
Departamento de Loreto, dirigiu este um ofício ao Comissário Carlos Vasquez
Cuadras, nos termos seguintes:
El reconocimiento tácito de nuestros derechos a esas
regiones por parte del Brasil, según se comprueba por el cablegrama transcrito,
hace que me dirija a Ud. indicando que proceda a desempeñar estrictamente la
comisión que se le ha confiado.
Depois disto, foi que partiu de Iquitos a Expedição que foi ocupar o Alto
Juruá e chegou à Boca do Amônea, na noite de 18 de outubro, ensejando um
conflito com os brasileiros ali residentes, no dia 21 deste mês. Devido a
distância e a falta de comunicações rápidas, a notícia destes fatos somente chegou
ao Rio de Janeiro, em dezembro de 1902, dando lugar a uma conferência entre o
referido Ministro Solar e o Barão do Rio Branco, então Ministro do Exterior do
Brasil, no dia 29 de dezembro aludido, em que aquele salientou o ataque à
escolta peruana e a continuação da coletoria no mesmo local.
Rio Branco respondeu que, apesar de não haver sido cumprida a
recomendação, a coletoria seria retirada, mas, que isto não importava no
reconhecimento de ser o lugar em que ela se achava e o em que se dera o conflito,
território peruano, uma vez que a imperfeição dos mapas examinados e as
notícias incompletas e contraditórias, não permitiam a solução, de pronto, do
assunto; acrescentando ser indispensável que o governo peruano recomendasse
telegraficamente ao Prefeito de Iquitos, que se abstivesse de resolver pela
força, questões de fronteira e de estabelecer postos aduaneiros e destacamentos
em território que não fosse incontestavelmente peruano. Em Iquitos, havia má
vontade por parte dos peruanos e de suas autoridades, contra os brasileiros e
os seus navios que ali aportam, não só provocando aqueles, como usurpando por
meios fraudulentos o quantitativo de fretes, despachos e multas exorbitantes,
aos navios brasileiros.
Quanto à proibição da passagem de armamento peruano por Manaus, o
Comandante do Distrito Militar recebeu ordem do Governo Federal para impedir a
viagem do vapor inglês Ucayali, que, segundo se dizia tinha a bordo grande
quantidade de munição de guerra, pelo que o Capitão do porto, a pedido do
referido General, avisou a agência da Booth Line de que tal navio não podia
partir até segunda ordem. O vapor inglês Napo, entrado ontem de Liverpool, com
destino a Iquitos, trouxe 50 barris de pólvora, vários caixotes de armas e uma
lancha a vapor, de 14 milhas de velocidade, para o governo do Peru, pelo que o
General Medeiros impediu a saída do Napo e mandou desembarcar a pólvora e
armas.
A Red Gross Iquitos Steamship C°. Ltd., de que são agentes em Manaus os
Senhores Booth e C., avisou aos carregadores que, devido a ameaça de rompimento
de hostilidades entre o Brasil e o Peru, eram obrigados a reter todos os
carregamentos do vapor Bolívar, a sair para Iquitos a 4 do corrente,
consistentes em armas, cartuchos, pólvora, chumbo de munições e outros
materiais que possam ser considerados ou usados como munições de guerra, nem
aceitar semelhantes mercadorias até segunda ordem; determinação esta que
impeliu o Cônsul peruano Villanueva, arvorar-se em diplomata e ir reclamar do
General Medeiros, contra o desembarque do armamento que seguia pelo Napo,
dizendo-lhe o General que S.S. não tinha poderes para tanto, pelo que devia
dirigir-se ao seu Ministro no Rio de Janeiro.
Enquanto se negociava o acordo de 12 de julho referido, o Comissário
peruano da Foz do Amônea, Major Manuel Ramirez Hurtado, por ato de primeiro de
julho referido, impedia o trânsito dos moradores do Alto para o Baixo Juruá, e
por um outro datado de 19 do mesmo mês, alegou que tal medida foi tomada em
consequência da prisão de alguns peruanos, detidos como espiões pelos
brasileiros Tertuliano Teles e Francisco das Chagas Rosa; adiantando que estava
disposto a atos de hostilidade.
Mais ou menos, por esse tempo, constou que o governo peruano havia
ordenado a suspensão da cobrança de direitos de exportação de borracha:
chegando depois disso naquele Rio, cinco oficiais peruanos portadores de
instruções reservadas, os quais convidaram os seringueiros regionais para
ajudá-los a rechaçar os brasileiros; resolvendo, então, espionar as forças
brasileiras, do comando do Tenente-Coronel Cipriano Alcides, que, por sua vez
mandou um oficial explorar o terreno ocupado pelo inimigo.
Apesar do “modos vivendi” ter
sido assinado a 12 de julho, como já vimos, a força peruana ali permaneceu até
o princípio de novembro seguinte, isto é, mais de três meses e vinte dias, sem
ter conhecimento desse ajuste; dizendo o Presidente Rodrigues Alves que a ordem
do governo peruano para a retirada desse Posto Militar e Aduaneiro, foi
expedida de Lima, pelo telégrafo, no dia primeiro de setembro, ao Prefeito do
Departamento de Loreto, mas, como tivesse havido grande demora na sua execução,
o Comandante da praça peruana não a recebeu, nem teve outra informação oficial,
ocasionando, essa delonga, o conflito.
O governo brasileiro assinara um Tratado com a Bolívia, a 17.11.1903,
pelo qual o território em litígio, ficava para o Brasil, pelo que foi criado o
Território do Acre [Lei na 1.181, de 25.02.1901 e Decreto n° 5.188 de
07.04.1901], dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto
Juruá. O primeiro compreendia a zona federal do Rio Acre; o segundo ia ao
limite com o Estado do Amazonas até o Lugar Cataí; e o terceiro abarcava as
terras que iam das cercanias do Rio Moa à margem direita do Rio Breu, em cujo
âmbito se encontrava a zona ocupada pelos peruanos.
Nomeado Prefeito do Departamento do Alto Juruá, o Cel Engenheiro Gregório
Taumaturgo de Azevedo saiu de Manaus a 21 de julho e após uma viagem muito
morosa, aportou a 11 de setembro, à noite, ao Lugar denominado Invencível, onde
estavam acampadas as forças federais, e desembarcou pela manhã de 12,
inaugurando neste dia, a sede provisória da Prefeitura e assumiu ao comando das
forças em operações, de conformidade com a ordem do Exmo. Sr. General
Comandante do 1° Distrito Militar.
E como chegasse ao seu conhecimento que as autoridades peruanas
continuavam no Rio Amônea, a despeito do “modos
vivendi” assinado entre os dois países, ter consignado que a região passara
à jurisdição do Brasil, Taumaturgo oficiou a 16 de setembro referido, ao Major
Manuel Ramirez Hurtado, Comissário peruano ali, convidando-o a retirar-se para
a margem esquerda do Rio Breu; retrucando Ramirez que se manteria no seu posto,
enquanto não recebesse ordem do seu governo para evacuar a praça. (SOBRINHO,
1959)
Bibliografia
SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. Peruanos na
Região Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro – Volume 244 – Departamento de Imprensa
Nacional 1959.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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