Terça-feira, 9 de fevereiro de 2021 - 06h05
Bagé, 09.02.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXIV
Francisco D’Ávila e
Silva V
Mais tarde, tendo o mesmo Prefeito notícia transmitida por Oséas Cardoso
em nome do Senhor Nogueira júnior, chegado a 26 de outubro, em Cruzeiro do Sul,
sede do novo Departamento, de que, aquele Comissário persistia na prática de
atos hostis aos brasileiros e continuava resolvido a exigir o pagamento de
impostos dos navios que subissem o Rio.
O Coronel Prefeito, tendo que estabelecer um Posto Fiscal na Foz do
Amônea e instalar no mesmo local a sede de um juizado de paz, resolveu enviar
uma força de cinquenta praças, sob o comando do Capitão Francisco de Ávila e
Silva, encarregado de instituir o aludido Posto Fiscal, garantindo-lhe o livre
exercício, e apoiar o Tenente Fernando Guapindaia de Sousa Bregense, Delegado
Auxiliar de Polícia da Prefeitura, que ia incumbido de dar posse aos juízes de
paz há pouco nomeados.
Esta força embarcou a bordo do vapor nacional Moa, uma das vítimas dos
peruanos, em março deste ano, que saiu de Cruzeiro do Sul, a 27 de outubro,
alcançando o Seringal Cachoeira, a 17 milhas abaixo da Boca do Amônea, no dia
seguinte. Três testemunhas de vista depuseram sobre a movimentação da tropa que
devia seguir para o Amônea, bem como acerca do combate havido neste lugar:
Mário de Oliveira Lobão, Virgílio Lima do Nascimento e Alfredo Teles de
Meneses.
O primeiro era farmacêutico do vapor “Contreiras”
e foi quem dirigiu o serviço de saúde da força expedicionária; o segundo servia
como escrivão do referido barco, e, representava, simultaneamente, o seu
proprietário na viagem de março de 1904; e o terceiro foi um dos dirigentes de
seringueiros que tomaram parte na peleja.
De acordo com os informes que nos deu por escrito o Senhor Alfredo Teles
de Meneses e algumas notas extraídas do arquivo da Prefeitura do Alto Juruá,
fizemos o relato dos fatos que cercaram a ação desenvolvida pelos brasileiros
neste episódio ocorrido em a nossa fronteira, como se poderá ver no nosso
trabalho intitulado “O Juruá Federal:
[Território do Acre]”.
Agora, com os subsídios fornecidos pelas duas outras testemunhas
supracitadas e algumas achegas colhidas ([1]) em
jornais da época, tentaremos uma exposição mais pormenorizada.
Comecemos pelo mais minucioso deles, Virgílio Lima Nascimento, aliás
primo do Dr. Mário Lobão, como era este conhecido no Juruá, ambos sobrinhos do
Cel Hermelindo Contreiras de Oliveira, proprietário do vapor do mesmo nome, no
qual, posteriormente, fiz várias viagens no Rio Juruá, todos meus conhecidos,
que, ao narrar as ocorrências havidas, em março de 1904, entre peruanos e o
vapor aludido, o Cel Thaumaturgo de Azevedo lhe prometera que, na próxima
viagem, embarcaria o 15° Batalhão, no dito vapor, o qual saiu de Belém do Pará,
no meado de setembro, aportando ao Cruzeiro do Sul, sede da nova Prefeitura, em
fins de outubro, lugar em que apareceu a bordo o Tenente Sombra, com uma
requisição para o embarque do referido Batalhão.
Presente, o proprietário do navio, respondeu que o Prefeito podia dispor
do mesmo como lhe aprouvesse. Como, porém, constasse a Thaumaturgo haver nos
seringais, aguardando ordens cerca de 500 voluntários, resolveu S. Exa.
reservar o “Contreiras” para
recebê-los, embarcando nele, somente o Capitão Ávila, chefe da Expedição,
Tenente Guapindaia, Alferes Mateus, o secretário da Prefeitura Fran Pacheco e
doze praças, enquanto os soldados do 15° de Infantaria, embarcariam no vapor “Moa”. Juntas saíram de Cruzeiro do Sul
as duas embarcações, nas quais reinava a maior alegria, recebendo pelo caminho
numerosos voluntários, até as proximidades do Amônea, quando ao passarem na praia
chamada Feijão [sete milhas a jusante do Amônea] o “Contreiras”, tomando a frente, transpôs o difícil passo, numa feliz
manobra, o que não aconteceu ao Moa, cujo comando adotando outro expediente,
trepou sobre o lajeado existente no meio do Rio, virou de proa para baixo,
ficando em grave risco de naufragar, durante três dias.
Enquanto isto se passava, o “Contreiras”
chegava, quase ao meio dia de dois de novembro, em frente ao Posto Militar
peruano, atracando 200 m a montante, no porto de Luís de Melo [Minas Gerais],
onde o Alferes Ramirez penetrou a bordo, com 12 praças armadas, censurou o
Comandante pela sua indelicadeza e o intimou a entregar os papéis do navio,
ante o que o Tenente Guapindaia, presente ao ato, disse:
Eu Fernando Guapindaia, Tenente do Exército Brasileiro,
Chefe de Polícia do Acre, lhe prendo, em nome do meu governo, por que exerce
dentro do meu país uma profissão ([2])
não reconhecida por nós outros. Esteja preso!
Avançando para ele, o agarra, corre e toma-lhe a espada, sem que de severo
outra frase a não ser esta fosse dita: “otra
arma, no la tengo señor”; foi quando apitos e os 12 soldados peruanos foram
envolvidos e revolvidos ao rancho dos marujos, guardados por 10 praças do 15° e
uma turma dos voluntários e o Alferes ficou detido no camarote do imediato com
duas sentinelas, recusou o almoço, aliás escolhido e a todos dizia:
que juzgue usted que los nuestros se entregaron cobardemente sino habría
balas y muchas!
Não mentia. Depois deste incidente, o vapor suspendeu âncoras, e ao subir
uns mil metros, fez-se ouvir a fuzilaria peruana, passando por sobre o navio “como se fossem mãos cheias atiradas de milho
ou feijão”.
Aí, foram detonados pelo “Contreiras”
dois foguetões, conforme combinação anterior, sinal a que o comando do vapor “Moa”, ao longe, correspondeu. Como as
águas do Rio estivessem diminuindo, o navio teve que prosseguir a sua derrota,
deixando os voluntários com o Capitão Ávila, no Seringal Minas Gerais, ficando
a bordo o Tenente Guapindaia, sua guarda e os prisioneiros, sem corresponder à
fuzilaria dos peruanos.
O “Moa” continuava encalhado,
pelo que os soldados sabedores do que se passara no “Contreiras”, impacientes, desembarcaram e atravessando a floresta,
vieram em socorro dos seus irmãos, e, como não o encontrassem, reuniram-se ao
seu chefe e aos voluntários que aguardavam, nas proximidade do Rio Amônea, os
companheiros que subiram no “Contreiras”,
o qual sem água para navegar, permanecia na Boca do Rio Tejo.
Por isto, o Tenente Guapindaia teve que ir ao encontro do Capitão Ávila,
numa baleeira do referido vapor, conduzindo os seus prisioneiros, mas, ao
chegar em frente a um rancho peruano, à margem direito do Rio, um numeroso
piquete de soldados inimigos tenta atacar a baleeira, à vista do que, o oficial
brasileiro vira-se para o Alferes Ramirez, coloca-lhe a parabellum ([3]) na
testa, e diz-lhe:
contenha o seu povo, do contrário você é o primeiro que morre.
Fazendo os nossos soldados o mesmo com as doze praças peruanas. Ramirez
grita para os seus, voltem e não atirem de forma alguma, sendo atendido. Meia
hora depois, chegavam ao acampamento brasileiro, onde, durante o dia três,
prepararam-se para o que fosse preciso.
No dia 4, o Capitão Ávila já havia terminado o cerco do reduto peruano,
cuja disposição era a seguinte: campos de 2 km de extensão por uns 300 m de
largo, no ângulo esquerdo formado pela incidência do Rio Amônea com o Juruá, em
que numa distância de 50 m do Rio, via-se uma rua composta de 25 casas de
madeira, com uma isolada, bem grande, que servia de quartel e duas menores para
moradia dos oficiais. Junto à margem do Amônea o terreno era elevado, tendo aí
na extremidade uma grande trincheira em forma de quadrilátero, que foi o
principal ponto de apoio do inimigo.
À margem do Juruá, 12 pequenas trincheiras completavam a defesa do porto.
Atrás disso, a floresta. O cerco fora disposto de modo que a vanguarda ficou na
margem direita do Rio Juruá, o flanco esquerdo, comandado pelo Tenente
Guapindaia, à margem direita do Amônea e a retaguarda, o grosso da força
atacante, metida na mataria. Ávila enviou um ofício, por um Sargento, ao chefe
adverso, dizendo que de ordem do seu governo vinha garantir os interesses e a
liberdade dos brasileiros: tendo como resposta, segundo a versão de Virgílio
Lima, o seguinte:
Sr. Capitão Ávila e Silva, sendo o senhor Comandante de um Batalhão
brasileiro, eu também sou de um outro peruano, por isso tenho muito prazer de
trocar algumas balas consigo, pois que, tenho muitas. Espero de que cumpra o
seu dever, garanto-lhe cumprir o meu.
Ao terminar a leitura o Capitão Ávila ordenou aos corneteiros que
tocassem alerta e fogo, iniciando-se o combate, que durou todo o dia quatro e
findou às 05h30 do dia seguinte, sem interrupção, diminuindo, apenas durante a
noite, a fuzilaria: tendo concorrido muito para enfraquecer o inimigo a sede,
pois, quando tentavam sair das trincheiras eram atingidos pelas balas dos
brasileiros, morrendo diversos. (SOBRINHO, 1959)
Bibliografia
SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. Peruanos na
Região Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro – Volume 244 – Departamento de Imprensa
Nacional 1959.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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