Terça-feira, 29 de dezembro de 2020 - 08h19
Bagé, 28.12.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXXXVII
Descendo
o Rio Madeira ‒ XVIII
Rumo a Foz do Rio Madeira
Rumo à Fz. do Sr. José Holanda (16.01.2012)
Resolvi passar a
última noite em Nova Olinda do Norte, nas confortáveis instalações do Palace
Hotel. Precisava descansar para enfrentar o último lance que faltava do Rio
Madeira, e o Porto Hidroviário, onde aportara o Piquiatuba; com sua
movimentação constante, não permitiria um sono reparador.
Havia prometido ao
grande Amigo e Mestre José Holanda que chegaria à sua Fazenda, a 78 km de
distância, exatamente às onze horas e, para isso, precisava manter uma média de
13,8 km/h, um ritmo bastante forte para o final dessa 1ª Etapa da 4ª Fase do
Projeto Desafiando o Rio-Mar.
Acordei às 04h45 e
fui direto para o Porto. Às 05h30 partimos, eu e o Soldado Marçal Washington
Barbosa Santos (Cozinheiro do B/M Piquiatuba), embarcado no caiaque “indomável” de propriedade do José
Holanda. A correnteza forte, a ausência de troncos, as nuvens encobrindo o Sol
causticante, tudo conspirava para que atingíssemos nosso objetivo no tempo
estipulado. O Marçal resolveu deixar o João Paulo remar comigo os últimos quinze
quilômetros.
Uma esperada garoa
começou a cair refrescando nossos corpos, o Grande Arquiteto, por intermédio de
São Pedro, resolvera dar uma “forcinha”
para que atingíssemos nosso objetivo com mais tranquilidade ainda. Chegamos às 11h01,
um minuto além do programado para o tão esperado churrasco. O Mestre Holanda
fora abastecer sua lancha e chegou logo em seguida.
Degustamos uns
saborosos jaraquis ([1]) e carne
de porco assados enquanto ouvíamos atentamente as histórias de sua vida. O
Mestre Holanda perguntou a meu filho se ele estava satisfeito com o caiaque que
ele emprestara e, como ele respondesse afirmativamente ganhou o caiaque de
presente, ele já tinha deixado, também, em Itacoatiara, um carro para ficar à
nossa disposição.
José Holanda
A biografia do José
Holanda é um exemplo de luta e determinação de um homem que jamais se
conformou, nunca se acomodou e que, se hoje tem condições de levar uma vida
mais confortável, é porque o fez por merecer. É um privilégio poder dizer que
sou seu Amigo e mais que isso que ele é, sem dúvida, um de meus Mestres. Descendente
de cearenses que se estabeleceram nas proximidades de sua atual propriedade,
possui a determinação e a vontade férrea dos sertanejos cuja têmpera foi
forjada no Sol causticante da caatinga.
Com treze filhos e
mais de 30 netos, Holanda encanta a todos com sua fala mansa, seu carisma
contagiante e a riqueza ímpar de experiências colhidas em suas mais de sete
décadas de vida na região.
Alfabetizado
tardiamente pelo antigo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização),
recuperou o tempo perdido lendo autores consagrados, dentre eles Ernest
Hemingway. O deslocamento até a fazenda do José Holanda, na Foz do Rio Madeira,
foi realizado numa lancha rápida por ele mesmo projetada, com motor Suzuki de
300 HP.
Quando desci o
Amazonas, em dezembro de 2010, José Holanda comentou que o abigeato é comum na
região e que em determinada ocasião um comerciante local, seu vizinho e
proprietário de um flutuante comercial, surrupiou-lhe seis búfalos. Conhecendo
o responsável pela autoria do roubo, ele se dirigiu, com a tranquilidade que
lhe é peculiar, ao estabelecimento comercial do mesmo e fez uma compra
considerável de combustível e de gêneros bem superior ao preço dos seis animais
levados pelo inescrupuloso mercador.
Determinou que a
embarcação carregada se afastasse e ficou com uma lancha rápida para lhe
facilitar uma emergencial evacuação. Chamou o meliante para uma mesa e disse
que precisava conversar com ele. Olhando fixamente nos olhos do ladrão disse
que o pagamento do material que ele havia acabado de adquirir deveria ser
abatido do preço dos búfalos roubados. Quando o malandro se esticou para pegar
uma arma, Holanda mostrou-lhe a Calibre 12 engatilhada e destravada e saiu sem
ser incomodado pelo covarde trapaceiro.
Por volta das 14h00
horas, partimos, embarcados no Piquiatuba, para Manaus, eu precisava conhecer a
Ponte sobre o Rio Negro depois de pronta, checar alguns projetos rodoviários do
2° Gpt, visitar alguns diletos amigos em Manacapuru e Iranduba, comprar alguns
livros e pesquisar alguns dados na Biblioteca Pública. A ida também tinha um
aspecto logístico importante: precisávamos reabastecer o Piquiatuba para
continuar nossa jornada pelo Rio Amazonas, de Mauari, Costa do Amatari, AM, até
Santarém, PA, renovar o estoque do rancho e trocar nossas roupas de cama por
outras limpas já que as águas amareladas do Madeira tinham deixado nelas sua
marca.
Irmão Rio
A sensação de
navegar de madrugada é mágica, as luzes e as lembranças de Nova Olinda aos
poucos foram ficando para trás e desvanecendo-se. As pás do remo mergulhavam
carinhosamente nas águas tranquilas que mais pareciam um colossal espelho a
refletir infindáveis emoções.
Redescobri o
Madeira ao meu estilo, vasculhei impressões colhidas pelos “civilizados”
desde o século XVII, extasiado aprendi com o Engenheiro e escritor Manoel
Rodrigues Ferreira a verdadeira história da “Ferrovia do Diabo”, tive a
oportunidade, graças ao Jornalista José Carlos de Sá Júnior, de conhecer as obras
e as características técnicas da Hidrelétrica de Santo Antônio, vivenciei com
citadinos, ribeirinhos e garimpeiros suas experiências, suas histórias, seus
sonhos.
Naveguei mais de
1.100 km do Rio Madeira durante 24 dias, dos quais 14 dias de navegação e 10
dias de estada em 5 cidades e 1 comunidade, e, em todo este período, ele foi
meu Mestre e eu seu atento discípulo. Fizemos uma média de 45,8 km/dia se
considerarmos os deslocamentos e as paradas e 78,6 km/dia se considerarmos
apenas os dias de navegação.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Jaraqui (Prochilodus brama): peixe muito comum no Amazonas, o
corpo apresenta listras negras horizontais na parte superior da linha lateral,
mais acentuadas na parte posterior. Semelhante ao curimatá.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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