Terça-feira, 5 de janeiro de 2021 - 16h51
Bagé, 05.01.2021
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XCIII
Descendo o Rio Madeira ‒ XXIV
Quando
me encontrava em serviço ativo do Exército e dirigia os trabalhos da Inspeção
de Fronteiras, executei pessoalmente a exploração e o levantamento do Rio
Cuminá (1928/29), [...]. Nestes trabalhos, serviram-me de guia os “Diários de
Viagens”, manuscritos, do Reverendo Padre Nicolino José Rodrigues de Sousa,
judiciosamente organizados, sob escrupulosa exatidão, e onde se encontram, como
o leitor verá, considerações de ordem filosófica e interessantes pensamentos,
que definem a arraigada fé católica do autor e denunciam os seus sentimentos
elevados e filantrópicos.
(Cândido Mariano da Silva Rondon)
Eu
havia confessado, durante minhas conversas ao jantar, à tripulação do
Piquiatuba que a única carne que considero mais saborosa que a dos peixes
amazônicos, como bom gaúcho da fronteira, é a de ovelha. Nunca imaginei que o
Comandante Mário, sabendo disso, buscasse, por todos os meios, achar nas
cercanias de Oriximiná, um carneiro para me oferecer uma churrascada na sua
terra natal.
O
animal foi carneado e assado às margens do belo Cuminá adornadas pelas vistosas
taquaris em plena floração e degustado por toda a equipe, além da companhia
muito agradável de seus pais.
Na
véspera da partida para Santarém, o Mário levou-nos a bela Cachoeira do Jatuarana,
com uma queda de 15 metros, que fica aproximadamente a 60 km da Cidade.
Partida de Oriximiná, PA (12.02.2012)
Deixávamos
Oriximiná felizes por termos, mais uma vez, contado com o apoio irrestrito dos
nossos Irmãos Maçons da Loja Vitória Régia n° 33, encabeçados pelo Irmão maçom
Hamilton Souza (o Ariuca), o Capitão PM Marcelo Ribeiro Costa, Comandante de
Oriximiná e seu Subcomandante Capitão PM Flávio Antônio Pires Maciel da
gloriosa Polícia Militar do Estado do Pará. Acordamos cedo, antes de o Sol
nascer, e às 06h15 (Horário de Brasília), chegamos ao trapiche onde estava a
tripulação e o João Paulo. Parti às 06h30, ainda às escuras, num ritmo forte
para vencer rapidamente os 50 km que me separavam de Óbidos. As águas fortes do
Paraná do Cachoeiri emprestaram uma energia adicional ao Rio Trombetas e, a
pouco mais de 12 km do meu destino, ao alcançar a Foz do Trombetas, foi a vez
de as águas do Rio Amazonas reivindicarem sua autoridade e mostrarem toda sua
pujança. A partir da Foz, o Rebelo resolveu me acompanhar e picamos a voga até
as proximidades do Porto Hidroviário de Óbidos, onde aportamos às 11h00 depois
de ter remado 04h30.
Óbidos, PA (13.02.2012)
O
belo complexo arquitetônico, do século XVII, onde se destaca o Forte dos Pauxís
além de outras centenas de edificações de arquitetura colonial portuguesa
justificam o fato de Óbidos ser considerada “a mais portuguesa das cidades do Estado do Pará”. Chegamos à Cidade
justamente durante a realização do seu maior evento turístico, o carnaval
(Carnapauxis), que dura mais de uma semana.
Arraias
A
bordo do Piquiatuba, eu observava o movimento dos pescadores que chegavam com
suas embarcações para descarregar o pescado no Frigorífico Pasquarelli. Fiquei
impressionado com o número e o tamanho das arraias tigradas de um barco de
pescadores que aportou a bombordo do nosso barco, alguns destes animais tinham
mais de um metro de diâmetro.
As
arraias marinhas do Caribe, há milhões de anos, adentraram aos poucos nos Rios
da Amazônia, se adaptando perfeitamente às águas doces. Pouco a pouco, estes
animais foram estendendo seus limites aos Estados do Centro Oeste atingindo,
por fim, a Bacia Paraná-Paraguai.
Acesso pelas Eclusas
As
barragens das grandes hidrelétricas poderiam servir de obstáculo para a invasão
destes colossais animais, mas, em algumas delas, como a de Porto Primavera
(Rosana, SP) e Jupiá (Três Lagoas, MS), as arraias conseguem o livre trânsito
graças às eclusas.
Quando
os navios transpõem os desníveis dos Rios, as arraias e outros peixes
aproveitam para pegar uma carona junto com as embarcações. As eclusas
neutralizam, portanto, os sistemas de “transposição
seletiva de peixes” a montante das barragens.
À
tarde, o Vieira Lopes, tutor do “Coxinha”,
nosso tripulante canino de 1ª Classe, veio pedir autorização para que o
cãozinho permanecesse em Óbidos. Mesmo considerando os óbices da ausência de
tão valoroso tripulante, autorizei. Confortavelmente instalado no Piquiatuba,
eu acompanhava o movimento incessante de embarcações que entravam e saíam do
Lago dos Pauxis ([1]).
O senhor Valdir, um solitário pescador, ostentando orgulhosamente a camiseta do
Flamengo, na sua pequena montaria, pescava de linha, a pouco mais de uma
centena de metros da nossa embarcação. De repente, o imobilismo do fleumático
pescador foi substituído pela agitação e, em movimentos rápidos, trouxe para
bordo uma bela “Dourada”. Mais tarde,
na companhia da Rosângela, passeando na voadeira, pilotada pelo Comandante
Mário, nas cercanias da Serra da Escama, cruzamos com o seu Valdir que
regressava para casa com diversos peixes lisos (de couro), pescados ali mesmo
junto à Cidade. Infelizmente, nesse passeio, minha câmera fotográfica deu pane,
as fotos saíam claras demais independentemente de se usar o modo “automático”, “manual” ou “personalizado”.
Mais uma onerosa baixa no meu material de expedicionário.
Partida de Óbidos, PA (14.02.2012)
Na
noite anterior, dormi muito pouco. Por volta da meia-noite, uma balsa do Posto
Marreiro aportou junto à nossa embarcação com os motores ligados e iniciou o
lento abastecimento de uma frota de caminhões de combustível, da mesma empresa,
em terra.
Além
do incômodo causado pelos gritos, assovios, buzinaços provocados pela
tripulação da balsa e dos motoristas e o ronco do motor da balsa, acho que a
segurança de todos aqueles que estavam estacionados nas proximidades ficou
perigosamente comprometida. O Porto Hidroviário, a poucos metros, tem um
movimento de passageiros considerável e um incidente com a transferência do
combustível poderia ter causado uma tragédia de graves proporções. Parece-me
que operações deste tipo devam ser levadas a efeito em locais apropriados onde
não coloquem em risco as vidas alheias e onde haja equipamentos de segurança
adequados em caso de sinistro.
Tentei
telefonar dezenas de vezes para o “190”
para saber se o procedimento era regular, mas não obtive nenhuma resposta. Enganei-me
com o fuso horário e saímos quase uma hora atrasados. Desde Parintins que a
operadora da “Claro” não dava sinais
de vida e portanto o relógio continuava com o horário do Amazonas, uma hora a
menos, embora estivéssemos praticamente na mesma Longitude. Foi o dia mais
cansativo de todos, remamos das 06h17 da manhã até as três horas da tarde para
percorrer aproximadamente 80 km, enfrentando ventos de proa superiores aos 35
km/h durante todo o tempo.
Senti
fortes dores nas costas, o colchão do hotel de Oriximiná era muito macio, e, só
agora, minha velha coluna, que já sofrera três cirurgias, sentia suas
consequências. A pequena distância de Oriximiná a Óbidos não dera tempo nem
mesmo da dor se instalar. Tentamos fazer uma parada na margem direita, mas a
quantidade de troncos alinhados à margem ultrapassava uma centena de metros
tornando isso impossível.
Conseguimos
parar precariamente, depois de remar quase 70 km, em uma Ilha sobre a vegetação
aquática. Chegamos cansados e satisfeitos, depois de remar mais de 85 km, pois
a jornada do dia seguinte seria menos extensa.
Chegada em Santarém, PA (15.02.2012)
Dormimos
bem, nenhum ruído a não ser o da chuva e dos ventos fortes do Quadrante Este
durante toda a noite. Saímos, eu e meu filho João Paulo, antes do amanhecer,
por volta das seis horas, com a determinação de atingir uma Ponta, à margem
direita, que longe se vislumbrava ao clarear do dia.
Os
ventos de proa forçaram-nos, novamente, a buscar a segurança da proximidade da
margem diminuindo, com isso, a velocidade de deslocamento. Durante mais de duas
horas sofremos com as fortes ondas até que, por volta das 08h30, o tempo
melhorou e buscamos ganhar velocidade nos afastando da margem.
Por
volta das 10h40, chegamos à Foz do Tapajós, embarcamos no Piquiatuba para colocar
roupas adequadas para a chegada e determinei que o Soldado Marçal fosse até o
Porto convidar os operadores de câmera de vídeo para subir a bordo da voadeira
para realizar tomadas da chegada.
Graças
ao apoio do Tenente-Coronel Sérgio Henrique Codelo, Comandante do 8° BEC, a
Seção de Comunicação Social do Batalhão conseguiu que estivessem presentes ao
Porto de Santarém as principais redes de TV locais e jornais.
O
ponto alto da entrevista foi, sem dúvida, a “Chocolate”, nossa tripulante canina de 1ª Classe, adotada pelo
grande amigo Soldado Marçal Washington Barbosa Santos. A recepção no 8° BEC
também foi marcada, mais uma vez, pela inigualável fidalguia “azul turquesa”.
Ano
que vem, se o Grande Arquiteto do Universo permitir e se os nossos amigos investidores
colaborarem, iremos subir o Rio Tapajós pela margem esquerda até São Luís do
Tapajós e descer pela margem direita. Este ano, embora o percurso fosse de
2.000 km, as colaborações ficaram abaixo dos 40%, comprometendo
substancialmente o planejamento inicial.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Lago dos Pauxis: conhecido também como “Laguinho”, na época das cheias suas águas margeiam a Este a Serra
da Escama e a Oeste a Cidade de Óbidos.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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