Quinta-feira, 14 de janeiro de 2021 - 06h05
Bagé, 14.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VI
Pioneiros
Brasileiros I
O Purus e o Juruá abriram-se
há muito à entrada dos mais díspares forasteiros – do sírio, que chega de
Beirute, e vai pouco a pouco suplantando o português no comércio do “regatão”;
ao italiano aventuroso e artista que lhes bate as margens, longos meses, com a
sua máquina fotográfica a colecionar os mais típicos rostos de silvícolas e aspetos
bravios de paisagens; ao saxônio fleumático, trocando as suas brumas pelos
esplendores dos ares equatoriais. E, na grande maioria, lá vivem todos;
agitam-se, prosperam e acabam longevos. (CUNHA, 2000)
A Saga dos Pioneiros
O
“Juruá Federal”, escrito pelo Dr. José Moreira Brandão Castello Branco Sobrinho,
foi publicado pela primeira vez nos Anais do Congresso Internacional de
História das Américas da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, em 1922.
Esta
magnífica obra é o resultado das pesquisas realizadas pelo próprio autor quando
este era Juiz de Direito em Cruzeiro do Sul, Acre. A nomeação do então Bacharel
Castello Branco pelo Presidente da República como Juiz Municipal do 2° Termo da
Comarca de Cruzeiro do Sul, no Território do Acre, foi publicada no DOU de
06.03.1913. O livro constitui-se, ainda hoje, em um dos acervos mais completos
e fiéis sobre a região do Juruá. Relata-nos Sobrinho:
Ferdinando Denis, no seu livro Brasil, publicado em 1838, ao tratar dos
principais afluentes do Amazonas, omite o Juruá e o Purus dando somente na
mesma direção o Javari, Madeira, Tapajós e Xingu, porque nesse tempo o Juruá
era tido como de pouca importância. Esta suposição é confirmada pelo Padre
Constant Tastevin, na monografia “O Juruá”,
publicada em 1920, na “La Géographie”,
de Paris, em que afirma que os portugueses nunca pensaram em se estabelecer no
Juruá, que até Chandless, passava por ser menos importante que o Jutaí. Dava-se
um curso de uns 1.000 quilômetros, ou seja, menos de um terço de sua verdadeira
extensão, parecendo, assim, que se o não conhecia além de Urubu, cachoeira no
Vale do Chiruan ([1]).
O geógrafo Chandless, que explorou mais da metade do Juruá, cerca de
1.260 milhas, não alcançou o Ipixuna, voltando do Seringal Ouro Preto, 80
milhas abaixo da Foz do Moa. Em 1854, diz João Wilkens de Matos, Secretário do
Governo da Província do Amazonas, num relatório apresentado ao Presidente
Herculano Penna que, após uma viagem de 40 dias, em canoa, se chegava à Boca do
Parauacu, hoje Tarauacá. Ainda o mesmo Wilkens, em 1858, na qualidade de
Diretor de Terras, informa a existência de silvícolas aldeados até o Lugar Xué
([2]), no
Baixo-Juruá.
Chandless que, em 1867, aproximou-se da fronteira do território com o
Estado do Amazonas, refere ter sido antecedido pelo brasileiro João da Cunha
Corrêa, o qual lhe dissera que havia subido o Tarauacá, daí passando ao Envira,
donde varou para o Purus. (SOBRINHO, 2005)
O
autor do “Juruá Federal” teve a
oportunidade ímpar de entrevistar Guilherme da Cunha Corrêa, filho de João da
Cunha Corrêa – o João de Cametá e ratificar a afirmativa de William Chandless.
SOBRINHO, 2005: Esta narrativa é comprovada pelo testemunho de Guilherme
da Cunha Corrêa, ainda vivo e proprietário do Seringal Concórdia, no Baixo-Juruá,
filho do referido João da Cunha Corrêa, que era natural de Cametá, Estado do
Pará.
Acrescenta o dito Guilherme que seu pai fora nomeado Diretor dos índios
do Rio Juruá, entre 1855 e 1857, na administração do Dr. Antônio Ferreira do
Amaral, época em que cometiam a Manoel Urbano da Encarnação idêntico encargo no
Rio Purus, e nesse caráter fizera uma demorada viagem pelo Juruá, colhendo
alguns produtos da região e distribuindo pelos indígenas grande quantidade de
machados, terçados, facas, miçangas e fazendas, conseguindo alcançar a Foz do
Rio Juruá-mirim, muitas milhas além da fronteira da Zona Estadual com a
Federal.
Nunca hostilizou os silvícolas. De quem soube granjear amizade e
confiança, tendo eles apenas no Estirão dos Náuas, se retirado de suas tabas
para a margem oposta do Rio.
Nessa viagem, João da Cunha Corrêa, encontrou uma índia velha com duas
filhas, que foram conduzidas a Teffé, sendo depois batizadas pelo Padre
Torquato Antônio Ribeiro, de Fonte Boa.
Regressando do Juruá-mirim, o denodado bandeirante subiu o Rio Tarauacá,
penetrou no Envira, alcançou o Vale do Purus, num de seus afluentes,
denominado, hoje, segundo parece, Chandless.
Aí procurou Manoel Urbano, conhecido pelos indígenas por “tapaúna catu” [o preto bom], e como não
o encontrasse por ter subido o Purus, Corrêa voltou ao Teffé, levando em sua
companhia uma índia, que lhe dera um “tuchaua”
([3]), a qual
foi batizada com o nome de Leocádia, e faleceu em 1912. Era quase branca, de
rosto oval e bem conformado, estatura mediana, nariz pequeno e aquilino. Essa
viagem de João Corrêa ao Alto-Juruá, por essa época é de certo modo confirmada
pelo pernambucano Serafim Salgado, na sua exploração ao Rio Purus, em 1857,
quando assevera que os índios “Cucumas”
([4]) lhe
declinaram nomes dos brasileiros civilizados que viram nas cabeceiras do Juruá.
Assim, não padece dúvida que o destemido sertanista foi quem primeiro transitou
terras do Juruá, na qualidade de Diretor dos silvícolas. (SOBRINHO, 2005)
A
exploração comercial do Vale do Juruá já se iniciara, ainda que de forma
incipiente, antes mesmo da viagem de João de Cametá com os regatões que subiam
o Rio e seus afluentes em busca de plantas medicinais e especiarias e que foi
incrementada, mais tarde, com o aumento significativo da produção da goma
elástica depois da chegada dos seringalistas atraídos à região pela quantidade
e qualidade da Hevea brasiliensis.
SOBRINHO, 2005: Em princípios de 1884, o pernambucano Antônio Marques de
Meneses, vulgo “Pernambuco”,
acompanhado de Antônio Torres, Pedro Moita, José Vieira, Manoel Meneses,
Jacinto de Tal e Joaquim Nascimento, aportava ao Estirão dos Náuas, donde
voltou, sem demora, por ter sido atacado pelos índios, que lhe deram uma surra.
Em maio do mesmo ano ([5]),
aportavam em Manaus, os italianos Henrique Gani, Antônio Brozzo, Domingos
Stulzer, vindos da República Argentina, que ali encontraram os seus
compatriotas Antônio Marcílio e Luiz Paschoal, sócios e proprietários do
Seringal Nova Iorque, no Baixo-Juruá, nesse tempo pertencente ao Município de
Teffé e hoje ao de São Felipe ([6]).
A convite dos últimos, vieram aqueles em sua companhia para o aludido
Seringal Nova Iorque, seguindo depois para o Alto-Juruá, em viagem de
exploração, trazendo consigo os cearenses Ismael Galdino da Paixão e Domingos
Pereira de Sousa, que exploraram, em junho seguinte, esse pedaço do Juruá, que
vai do referido Estirão dos Náuas à Embocadura do Juruá-mirim. Esses
excursionistas foram os primeiros que exploraram
o Rio com o fim de o povoarem, tanto que, pelo caminho, iam deixando sinais
de sua passagem, respeitando, porém, a parte visitada por Pernambuco, somente
porque este lhes avisara de que havia passado por ali e pretendia localizar-se
numa terra firme, próxima à Foz do Rio Moa, na qual, atualmente, se acha
implantada a Cidade de Cruzeiro do Sul. Encontraram pelas cercanias do Rio Moa
extensos bananais e grande número de índios, que os iam seguindo com o maior
interesse, por terra.
No meio do Estirão dos Náuas, no local em que hoje se encontra o Barracão
do Seringal Buritizal, foram os viajantes à terra, deparando com uma enorme
maloca dos silvícolas chamados “Náuas”,
os quais deram o nome ao dito Estirão, e após uma certa demora, necessária
apenas para oferecerem aos aborígines alguns brinquedos ou outros objetos que
lhes despertassem a curiosidade, continuaram sua rota, parando novamente na
extremidade Sul do referido Estirão, na terra firme, presentemente apelidada “Colônia Rodrigues Alves” e daí
encontraram novamente muitos índios, tendo-lhes feito oferecimentos idênticos.
Foram, porém, obrigados a fazer fogo para o ar, a fim de atemorizá-los, uma vez
que eles tentaram lançar mão de suas armas, instrumentos esses a que os
indígenas prestavam muita atenção e pelos quais se mostravam assaz interessados
desde o primeiro encontro na parte central desse Estirão.
Coube aos italianos a parte do Rio que vai do Seringal Treze de Maio ao
Paraná dos Mouras e aos brasileiros do Tatajuba ao Juruá-mirim. Um lustro ([7]) após,
em 1889, outros expedicionários, José Serafim dos Anjos, vulgo “Tucandeira”, Joaquim Nascimento, José
Raimundo, vulgo “Zé-Grande”, e
Antônio Doutor, Francisco Barraqueiro e Norberto de Tal, sob a direção de
Francisco Xavier Palhano, foram do Juruá-mirim até Flora, numa canoa chamada “Fura Mundo”, que partiu do Porto de
Redenção, de Bernardo Costa, próximo ao Rio Liberdade, por conta de quem faziam
a exploração, não podendo ir além por ter sido ferido Antônio Doutor.
No ano seguinte ([8]), o
mesmo Francisco Xavier Palhano partiu do dito Porto de Redenção, em companhia
de José Tucandeira, Francisco de Oliveira Lima, vulgo “Lagartixa”, João Facundo da Costa, Antônio Ramalho, Joaquim
Nascimento e Conrado de Tal, chegando a explorar de Tanaré a Minas Gerais,
tendo sido flechado Antônio Ramalho e João Facundo, numa sapopema que fica num
Sacado abaixo do Triunfo, depois de uma grande luta com os índios Capanauas.
Subiram depois, mas no mesmo ano, o português Antônio Granjeiro, que deu
nome ao Tejo, João Pereira dos Anjos, Francisco Agostinho, Antônio Poeta e o
referido Francisco Xavier Palhano, que exploraram da Boca do Tejo ao Breu. Doze
brasileiros, entre os quais Valdevino José de Oliveira, ainda vivo e residente
em Pirapora, Manoel Tomás, José Tucandeira, Maximino Rodrigues, Francisco de
Oliveira Lima, vulgo “Lagartixa” ou “Galo”, Antônio Luiz de Andrade, João
Dourado, Antônio Rocha e Francisco Barreto, exploraram o Juruá do Rio Breu até perto de cem praias acima da Foz do Rio Vacapistéa, o que não tem grande
importância para o nosso trabalho, mas citamos para mostrar que os nacionais
foram muito além do território brasileiro, pelo Tratado de Petrópolis, sem topar com os peruanos.
Em 1888, o Moa era desvendado de sua Barra até o Seringal denominado São
José, por Joaquim Barros Rego, Manoel Mendes de Matos, Francisco Teobaldo de
Melo, Amaro Teobaldo de Melo, José Merouca, João Veríssimo, José Batista de
Lima e Antônio Xavier Moreira. Deste ponto em diante, foram seus investigadores
João Batista de Lima, Rufino José da Silva, José Alves da Silva, Miguel de
Almeida, Francisco José de Melo, Joaquim de Barros Rego, Sebastião Costa, Luiz
Monteiro, Joaquim Tomás da Rocha, Amaro Teobaldo de Melo, Francisco Teobaldo de
Melo e Vicente Ferreira Lima, em épocas diversas. O Rio Azul ou Breguesso,
afluente do Moa, foi explorado em 1893 por Joaquim Tomás da Rocha, Francisco e
Amaro Teobaldo de Melo, Raimundo Cláudio, Francisco das Chagas Moreira e José
Alexandre. O Juruá-mirim foi explorado por Ismael Galdino da Paixão, Joaquim
Correia de Oliveira, Francisco Albuquerque [da firma Cohen & Albuquerque],
Manoel Martins, Manoel Felipe, José Joaquim e Boaventura de Tal.
O Tejo, de sua Foz até Restauração, em 1890, teve como exploradores José
Joaquim de Lima, Francisco Lagartixa, Manoel Tomás, Antônio Peixoto, Francisco
Ferre, João Dourado e Vicente Venâncio de Almeida. Mais tarde Manoel Patrício,
André Lopes e Mariano de Barros percorreram o resto do Tejo e o Riozinho das
duas Bocas, importante afluente de sua margem direita. O Alto Rio Liberdade
teve como principal explorador, em 1894, Pedro Juvêncio Barroso. (SOBRINHO,
2005)
Bibliografia
SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. O Juruá Federal –
Brasil – Brasília, DF – Senado Federal, 2005.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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