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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CXXXI - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VII


A Terceira Margem – Parte CXXXI - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VII - Gente de Opinião

Bagé, 15.01.2021

 

Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VII

 

Pioneiros Brasileiros II

 

A Seca Grande (1877-1879)

 

Guiado talvez por instintivo impulso de aventura, desprezou as regiões dos baixos Rios, que continuaram a ser o
habitat da população indígena, penetrou os altos
sertões e violou-os até as linhas imprecisas
de suas fronteiras ainda mal traçadas. (LIMA)

 

As caravanas de retirantes a marchar sempre, como o Ahasverus da lenda, suplicando embalde à muda imensidade uma gota d’água para lhes mitigar o calor dos lábios incendiados pela sede! Tudo era miséria e desolação! As árvores, como esqueletos de pé, estendiam os braços ao espaço, enquanto um vento quente e impetuoso varria do solo as folhas torradas pelo Sol! (THEOPHILO)

 

A maior seca de todos os tempos assola a região Nordeste vitimando mais de 500 mil nordestinos. O auge da produção e comercialização da borracha estimula enormes levas de flagelados a serem transportados precariamente para os seringais. Milhares perdem a vida no trajeto e os sobreviventes são abandonados à própria sorte na floresta hostil. Rodolpho Theophilo faz uma analogia entre o fado dos retirantes nordestinos e a maldição do lendário Ahasverus. Reza a lenda que Ahasverus, contemporâneo de Jesus Cristo, possuía uma oficina, em Jerusalém, localizada na rua por onde cruzavam os condenados à morte por crucificação, carregando suas pesadas cruzes.

 

Na Sexta-feira da Paixão, Cristo, ao passar na frente da oficina de Ahasverus, foi por ele escarnecido e agredido e, Jesus, então, condenou-o à imortalidade e a vagar “in æternum”.

 

O Seringueiro, como o sertanejo de Euclides da Cunha, era antes de tudo um forte, não esmorecia e com a obstinação de um titã, com uma energia e tenacidade assombrosas enfrentava, heroicamente, a floresta, os selvagens e as feras que os espreitam nas estradas da seringa.

 

É uma raça extraordinária empreendendo uma marcha colonizadora épica jamais registrada nos anais da História da Humanidade. Pouco a pouco, os seringais vão prosperando às margens do Madeira, do Purus, do Acre, do Tarauacá, do Juruá, do Abunã, do Iaco e do Beni. Não lhes importa de quem seja aquilo, como dizia Euclides da Cunha, era “terra por desbravar, por construir”. O látex transforma a Amazônia num verdadeiro “El-Dorado”.

 

O Vaticínio de William Chandless

 

William Chandless, como todos os cientistas e naturalistas estrangeiros que percorreram os “ermos sem fim” da Amazônia Brasileira, não acreditavam na férrea determinação e a ciclópica vontade de uma raça forjada no calcinado sertão nordestino expulsa de seu torrão natal pela seca inclemente. Desconheciam a força de uma raça capaz de enfrentar as mais adversas reações do meio físico, uma raça que foi capaz de adaptar-se e triunfar sobre a natureza, gravando nas páginas de nossa história gloriosos exemplos de civismo e de heroicidade.

 

William Chandless não tinha a lucidez de um Euclides de Cunha que nos faz uma análise importante, no seu “Um Paraíso Perdido”, de como os vigorosos estrangeiros nordestinos pagaram caro o aclimatamento à “Terra das Águas” antes que os genes mais vigorosos dos pioneiros fossem impregnados com as suas melhores e mais fortes virtudes e predicados e repassados às novas gerações.

 

De fato à parte o favorável deslocamento paralelo ao Equador, demandando as mesmas Latitudes não se conhece na História exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimatamento, quanto o da que, desde 1879 até hoje, atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará para aquele recanto da Amazônia. [...]

 

Salvam-se os que melhor balanceiam os fatores do clima e os atributos pessoais. O aclimado ([1]) surge de um binário de forças físicas e morais que vão, de um lado, dos elementos mais sensíveis, térmicos ou higrométricos, ou barométricos, às mais subjetivas impressões oriundas dos aspectos da paisagem; e de outro, da resistência vital da célula ou do tônus muscular, às energias mais complexas e refinadas do caráter. Durante os primeiros tempos, antes que a transmissão hereditária das qualidades de resistência, adquiridas, garanta a integridade individual com a própria adaptação da raça, a letalidade inevitável, e até necessária, apenas denuncia os efeitos de um processo seletivo. Toda a aclimação é desse modo um plebiscito permanente em que o estrangeiro se elege para a vida. (CUNHA, 2000)

 

Migração Nordestina

 

João Craveiro Costa no seu livro “A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental”, editado pela Companhia Editora Nacional, em 1940, rebate o vaticínio de William Chandless e relata a migração nordestina.

 

O Purus

 

A impressão de Chandless não foi favorável ao Purus. Dela refere Jean Jacques Élisée Reclus a notícia que nos chegou. Levou-a Chandless ao conhecimento da Geographical Society, de Londres, prenunciando ao grande Rio séculos para o seu povoamento, “tal o flagelo dos mosquitos, a insalubridade dos campos ribeirinhos e as mudanças incessantes que se dão no regime do Rio”.

 

Mas o próprio Chandless registrou o movimento comercial que se operava no Purus. A exportação, em 1861, não era de desprezar: 793 arrobas de salsaparrilha, 9.936 de cacau e 16.777 de borracha. Três anos depois, verificava-se um aumento sensível: salsaparrilha 3.092 arrobas; 14.100 de cacau e 36.625 de borracha. A importação, segundo o mesmo explorador, assinalava a cifra de 20.000 libras esterlinas, aproximadamente. Falhou o vaticínio de Chandless. A riqueza vegetal das margens do Purus despertou a cobiça do comércio e, em 1869, ele começou a ser navegado por vapores da Companhia Fluvial Paraense, organizada no mesmo ano da celebração do Tratado de Limites com a Bolívia, para a navegação do Amazonas e seus tributários principais. Em 1871, excedia de 2.000 o número de seringueiros na região estabelecidos e a fundação da Cidade de Lábrea, à Foz do Rio Ituxi por Pereira Lábrea, data daquele ano.

 

Não eram o Purus e o Acre, como declarou o Sr. Dyonizio de Cerqueira, uma região abandonada, por ocasião do tratado de 1867. Pela Bolívia ela o era certamente, não só abandonada, mas inteiramente desconhecida. O Acre entrou para os nossos conhecimentos hidrográficos desde 1860, pela exploração de Manoel Urbano, ao passo que os bolivianos o desconheciam por completo, tanto assim que o próprio Beni, “depois de várias tentativas para ser explorado, só o foi em 1881 por Antenor Vasquez e, em 1884, pelo Padre Armentia”. (COSTA)

 

Ahasverus e o Gênio

(Antônio de Frederico Castro Alves)

 

 

Sabes quem foi Ahasverus? ([2]) – o precito ([3]),

O mísero Judeu, que tinha escrito

Na fronte o selo ([4]) atroz!

 

Eterno viajor de eterna senda...

 

Espantado a fugir de tenda em tenda,

Fugindo embalde à vingadora voz!

 

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,

E no mundo tão grande... o forasteiro

Não teve onde... pousar.

Com a mão vazia – viu a terra cheia.

 

O deserto negou-lhe – o grão de areia.

A gota d’água – rejeitou-lhe o Mar.

 

D’Ásia as florestas – lhe negaram sombra

A savana sem fim – negou-lhe alfombra ([5]).

O chão negou-lhe o pó! ...

 

Tabas, serralhos ([6]), tendas e solares...

 

Ninguém lhe abriu a porta de seus lares

E o triste seguiu só.

 

Viu povos de mil climas, viu mil raças,

E não pôde entre tantas populaças

Beijar uma só mão...

 

Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,

Desde a inglesa à crioula das Antilhas

Não teve um coração!

 

E caminhou! ... E as tribos se afastavam

E as mulheres tremendo murmuravam

Com respeito e pavor.

 

Ai! fazia tremer do vale à serra...

Ele que só pedia sobre a terra

– Silencio, paz e amor! –

 

No entanto à noite, se o Hebreu passava,

Um murmúrio de inveja se elevava,

Desde a flor da campina ao colibri.

 

“Ele não morre” a multidão dizia...

E o precito consigo respondia:

– “Ai! mas nunca vivi!” –

O Gênio é como Ahasverus... solitário

A marchar, a marchar no itinerário

Sem termo do existir.

 

Invejado! a invejar os invejosos,

Vendo a sombra dos alamos frondosos...

 

E sempre a caminhar... sempre a seguir...

 

Pede uma mão de amigo – dão-lhe palmas;

Pede um beijo de amor – e as outras almas

Fogem pasmas de si.

 

E o mísero de gloria em gloria corre...

Mas quando a terra diz: – “Ele não morre”

Responde o desgraçado: – “Eu não vivi! ...”

 

 

Bibliografia

 

COSTA, João Craveiro. A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1940.

 

LIMA, José Francisco de Araújo. Amazônia - a Terra e o Homem – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1937.

 

THEOPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará – Brasil – Ceará – Fundação Waldemar Alcântara, 2001

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Aclimado: aclimatado.

[2]   Ahasverus: também chamado de Assuero ou Cartafilo, zombou de Jesus Cristo quando este passava em frente a sua residência com a pesada cruz às costas. A punição por esse ato tão desrespeitoso veio logo em seguida. Como castigo, o sapateiro foi amaldiçoado pelo Messias à errância eterna: a caminhar infinitamente pelo mundo, até o fim dos tempos, até a chegada do Apocalipse, sem ter paz nem des­canso e sem nunca poder conhecer a morte. (Kenia Maria de Almeida Pereira) ‒ referência na página 104 deste livro.

[3]   Precito: condenado.

[4]   Selo: destino.

[5]   Alfombra: tapete espesso e fofo.

[6]   Serralhos: palácios dos sultões.

Galeria de Imagens

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