Segunda-feira, 18 de janeiro de 2021 - 13h46
Bagé, 18.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VIII
Pioneiros Brasileiros III
O Juruá
O mesmo quanto ao Juruá. A exploração comercial deste Rio pouco antecede
de 1860, época em que ficamos de fato conhecedores da geografia amazônica.
Fê-la a aventura dos regatões à cata de plantas medicinais e especiarias da
região, em contato com os aborígines menos hostis, das margens dos grandes
cursos. Mas a sua navegação a vapor data apenas de 50 anos, numa extensão de
1.606 milhas náuticas. É também a Chandless que se deve a sua primeira
exploração científica, quanto às condições de navegabilidade. O ilustre
geógrafo percorreu e pesquisou o Juruá até 07°12’72” S, mais ou menos no Rio
Liberdade, donde recuou à flecha ervada ([1]) do
indígena desconfiado, os Náuas, dominadores daquelas paragens. Essa exploração
foi em 1866. Chandless publicou, em 1869, o seu mapa do Juruá, hoje clássico,
rematando assim a sua Expedição de dois anos antes. Seguiram-se Augusto
Hilliges e Lopes Neto, que excederam a Chandless, levando a exploração à Foz do
Breu. Um mapa minucioso de Hilliges documenta essa importante empresa
científica. Há, ainda, a mencionar a pesquisa de Charles Broon, em 1874. Das
explorações comerciais e das investigações científicas ao povoamento das duas
vastas Bacias vai um passo. Quase foram simultâneas.
O povoamento, contudo, foi tardo e penoso, uma verdadeira odisseia que o
sertanejo do nordeste escreveu na história nacional. A Província do Amazonas
não dispunha de recursos para acelerar o povoamento de seu vastíssimo
território. Manaus, como ainda hoje, concentrava a atividade que tibiamente se
ensaiava, não passando contudo de uma Aldeia, com cerca de 5.000 habitantes,
ainda em 1879, segundo Mathews, que a visitou nesse ano:
Avalia-se hoje, aproximadamente, a
população de Manaus em cem mil habitantes. O recenseamento iniciado no Governo
de Carneiro da Cunha, em 1862, dava, em 1865, para a Cidade de Manaus, 2.080
habitantes, sendo 844 brancos, 480 pardos [mulatos e cafuzes], 700 “de cor índia” [caboclos] e 56 pretos.
Entre os 844 habitantes de cor branca, estão incluídos 168 estrangeiros.
Reduzindo-se, encontramos 676 nacionais de cor branca o que demonstra o
predomínio dos elementos caboclos. O grosso da população estrangeira era
portuguesa. Na época censitária havia 43 casas de comércio portuguesas, e “apenas 27 brasileiras”.
Todo o interior da Província, cuja principal artéria de comunicação
esteve fechada à navegação até 1867, participava da deficiência de meios
administrativos, que entorpecia a própria capital. Os índios continuavam
refratários ao trabalho, perdidos na densidade da floresta e no miserável viver
das malocas. E mesmo que assim não fosse, não seriam eles precisamente valores
reais de atividade e desenvolvimento econômico. Por seu lado, a população
proveniente do caldeamento do português com o índio e o negro – este
escassamente importado para as agruras do cativeiro – essa população que orçava
por alguns milhares, espalhados pelos barrancos de alguns Rios mais
frequentados, não bastava para imprimir à região um intenso sopro de energia e
trabalho, acelerando-lhe a capacidade produtiva, povoando-a, expondo,
sedutoramente, as riquezas incalculáveis de suas matas, de suas terras e de
suas águas ao comércio e às indústrias mundiais.
O Governo Geral não procurava ajudar o desenvolvimento da Amazônia – sete
vezes maior do que a França; ao contrário, impedia-o com o fechamento do
Amazonas. O imigrante não vinha com o seu precioso contingente encaminhar a
vida regional por uma rota segura de progresso. Apenas alguns índios fugitivos
das incursões destruidoras da raça infeliz achegavam-se, timidamente, dos
arredores da Capital, à margem do Rio Negro, empregando o tempo e o rotineiro
labor nas aleatórias indústrias da pesca e da caça e no escasso cultivo de
pequena área, onde a mandioca crescia com assombro e o milho dava quatro vezes
por ano. O interior era ainda quase o deserto de 1750, entregue, em alguns
pontos de clima mais benigno, às missões religiosas que se formavam para a
colheita de almas ao aprisco ([2]) do
Senhor e não de energias inteligentes que viessem ao fomento das indústrias e
do comércio, que se iniciavam. No correr dos anos 1877-1879, quando o Ceará foi
flagelado por horrorosa seca, o interior do Amazonas começou a povoar-se. Data
daí a colonização, porque, no dizer de Pierre Denis, foi uma verdadeira
colonização que se operou nas florestas amazônicas, remontando a esse tempo a
intensificação da indústria extrativa da borracha.
Todo o imenso Vale do Amazonas encheu-se de cearenses tangidos da terra
natal pelo fenômeno climatérico assolador, que secava os Rios, despovoava os
lares, ermava ([3])
os campos, transformava as campinas verdejantes em nuas e áridas estepes da
morte. A onda povoadora dirigiu-se, de preferência, para as Bacias do Juruá e
Purus, Rios mais facilmente navegáveis, servidos por vapores, com um comércio
que se anunciava promissor e a indústria da borracha em adiantada fase de
organização. Levas numerosas de flagelados aportavam a Belém e Manaus, com o
organismo combalido pela fome, e eram logo recrutadas pelo comércio e metidas
no bojo dos “gaiolas”, para a longa e
torturante jornada da qual muitos nunca mais voltavam a rever as serras natais,
mortos nos barrancos, ao abandono da mais elementar assistência, pelas endemias
reinantes e peculiares às regiões desertas e úmidas.
Os comerciantes largavam esses homens seminus e esqueléticos aqui e ali,
à margem dos Rios navegáveis, com grande cópia ([4]) de
mantimentos, armas e munições, à mercê dos fados incertos, à fabricação da
borracha já então ardentemente procurada pelas novas indústrias que surgiam na
Europa. Foram assim se formando os seringais, se firmando a propriedade da
terra, se arraigando no espírito daquela gente inculta a ideia da soberania do
Brasil, incontestável e única sobre todas aquelas águas e todas opulentas
florestas onde a hevea era uma mina inesgotável. E no seio da mata dominada
apareceu, de improviso, um fator novo da vida econômica nacional, a figura
original do seringueiro triunfante.
Em 1877, saíram do Ceará mais de 14.000 pessoas, rumo a Amazônia. No ano
seguinte houve um verdadeiro êxodo; a corrente imigratória atingiu a enorme
cifra de 54.000 indivíduos. E não mais parou a onda povoadora. O Ceará
despovoava-se em benefício da Amazônia. O Amazonas tornou-se o refúgio
predileto do cearense acossado pela seca.
Ainda em 1900 a vaga humana faminta, que abandonou os lares pátrios,
registrou o número de 47.835 pessoas, das quais mais de dois terços seguiram o
caminho do Norte, em demanda das paragens abençoadas onde a água do céu nunca
falta e as fontes imensas, que formam as caudais fluviais, jamais secaram. A
Amazônia começou a viver na imaginação do cearense como as regiões lendárias
das fabulosas minas de ouro viveram no espírito ardente dos paulistas das
bandeiras penetradoras. O povoamento foi sempre crescente. Bandos de assalto no
seio da floresta virgem ocuparam todos os pontos, abriram caminhos,
empreenderam, na medida da sua fraqueza, em frente de uma natureza cujo poder é
desmesurado, a adaptação do solo à vida humana. O que foi essa luta estupenda
de adaptação ao meio hostil, que o cercava e o deprimia, ainda o cearense,
raro, das primeiras levas pesquisadoras da riqueza vegetal, o conta comovido.
Assim, acossados da terra natal pela inclemência do Sol, penetraram ousadamente
a mata opressora em cujo seio úmido a morte imperava.
E subiram os Rios amplos em cujas margens dominava o selvagem, que se
precavia, se amoitava nas sebes e no cimo das árvores, de tocaia, à espreita do
invasor para feri-lo mortalmente; e transpuseram os saltos perigosos das
correntes encachoeiradas, realizando a audácia dos primeiros avanços através
desses precipícios vertiginosos; iniciaram as entradas pelos Igarapés
torcicolantes ([5]),
mata adentro, buscando-lhes as nascentes no perlongamento dos ([6])
meandros traiçoeiros, à cata da seringueira. E, no verdor eterno da floresta
virgem, disputando ao índio a terra e a água e ao clima inóspito a própria
vida, escondiam a saudade torturante das campinas natais, afogavam a nostalgia
intensa que os devastava, dos lares ermos da sua solicitude ([7]).
Mas a terra desflorada pelo cearense heroico, que excedeu em pertinácia e
arrojo ao bandeirante, a floresta que ele feria, abrindo caminho para frente,
lançando a semente da abundância ao redor das primeiras habitações, restituía,
dadivosa, com prodigalidade infinita, aquelas rudes canseiras incessantes. Vieram,
nessas levas de desesperados, homens ousados e inteligentes na sua rudeza de
sertanejos, que souberam reviver o período colonial da conquista dos sertões
bravios.
A margem dos Rios, que os gaiolas de quando em vez navegavam para
deixar-lhes mercadorias de toda sorte pela borracha que recolhiam, levantaram
suas toscas barracas de paxiúbas cobertas de caranaí ([8]), cujo
tipo uniforme e rude ainda hoje se apresenta, trazendo ao espírito de Euclides
da Cunha a impressão emocionante das habitações não menos rústicas dos gauleses
de César.
Era a propriedade que se firmava... Assim, desesperadamente instalado na
região hostil, onde a “hevea de Aublet”
era floresta e constituía para eles, pela facilidade da exploração e abundância
da remuneração comercial, a única riqueza cobiçável, lançaram a Amazônia à
civilização. E prosperaram os paroaras ([9]).
O sucesso dos primeiros cearenses que se internaram e puderam regressar
prósperos ou se firmaram na região como proprietários eventuais de latifúndios
borracheiros, seduziu os demais filhos do nordeste.
Outros povoadores vieram do Piauí, do Maranhão, do Rio Grande do Norte,
da Paraíba, de Alagoas, de Pernambuco, trabalhar a floresta amazonense, sem se
aperceberem da conquista que faziam e da cobiça que despertavam. Mas, nas
grandes investidas da civilização amazônica, o cearense foi sempre o elemento
preponderante. O Acre é obra deles, como produto do seu arrojo e da sua
tenacidade, o povoamento de todo o interior do Amazonas. (COSTA)
Bibliografia
COSTA, João Craveiro. A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental
– Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1940.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Ervada: envenenada.
[2] Aprisco: seio da Igreja.
[3] Ermava: tornava deserto.
[4] Cópia: quantidade.
[5] Torcicolantes: serpenteantes.
[6] No perlongamento dos: indo de encontro aos.
[7] Da sua solicitude: do seu zelo.
[8] Caranaí: palmeira da família das Arecáceas.
[9] Paroaras: nordestinos residentes na Amazônia.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H