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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CXXXII - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VIII


A Terceira Margem – Parte CXXXII - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VIII - Gente de Opinião

Bagé, 18.01.2021

 

Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte VIII

 

Pioneiros Brasileiros III

 

O Juruá

 

O mesmo quanto ao Juruá. A exploração comercial deste Rio pouco antecede de 1860, época em que ficamos de fato conhecedores da geografia amazônica. Fê-la a aventura dos regatões à cata de plantas medicinais e especiarias da região, em contato com os aborígines menos hostis, das margens dos grandes cursos. Mas a sua navegação a vapor data apenas de 50 anos, numa extensão de 1.606 milhas náuticas. É também a Chandless que se deve a sua primeira exploração científica, quanto às condições de navegabilidade. O ilustre geógrafo percorreu e pesquisou o Juruá até 07°12’72” S, mais ou menos no Rio Liberdade, donde recuou à flecha ervada ([1]) do indígena desconfiado, os Náuas, dominadores daquelas paragens. Essa exploração foi em 1866. Chandless publicou, em 1869, o seu mapa do Juruá, hoje clássico, rematando assim a sua Expedição de dois anos antes. Seguiram-se Augusto Hilliges e Lopes Neto, que excederam a Chandless, levando a exploração à Foz do Breu. Um mapa minucioso de Hilliges documenta essa importante empresa científica. Há, ainda, a mencionar a pesquisa de Charles Broon, em 1874. Das explorações comerciais e das investigações científicas ao povoamento das duas vastas Bacias vai um passo. Quase foram simultâneas.

 

O povoamento, contudo, foi tardo e penoso, uma verdadeira odisseia que o sertanejo do nordeste escreveu na história nacional. A Província do Amazonas não dispunha de recursos para acelerar o povoamento de seu vastíssimo território. Manaus, como ainda hoje, concentrava a atividade que tibiamente se ensaiava, não passando contudo de uma Aldeia, com cerca de 5.000 habitantes, ainda em 1879, segundo Mathews, que a visitou nesse ano:

 

Avalia-se hoje, aproximadamente, a população de Manaus em cem mil habitantes. O recenseamento iniciado no Governo de Carneiro da Cunha, em 1862, dava, em 1865, para a Cidade de Manaus, 2.080 habitantes, sendo 844 brancos, 480 pardos [mulatos e cafuzes], 700 “de cor índia” [caboclos] e 56 pretos. Entre os 844 habitantes de cor branca, estão incluídos 168 estrangeiros. Reduzindo-se, encontramos 676 nacionais de cor branca o que demonstra o predomínio dos elementos caboclos. O grosso da população estrangeira era portuguesa. Na época censitária havia 43 casas de comércio portuguesas, e “apenas 27 brasileiras”.

 

Todo o interior da Província, cuja principal artéria de comunicação esteve fechada à navegação até 1867, participava da deficiência de meios administrativos, que entorpecia a própria capital. Os índios continuavam refratários ao trabalho, perdidos na densidade da floresta e no miserável viver das malocas. E mesmo que assim não fosse, não seriam eles precisamente valores reais de atividade e desenvolvimento econômico. Por seu lado, a população proveniente do caldeamento do português com o índio e o negro – este escassamente importado para as agruras do cativeiro – essa população que orçava por alguns milhares, espalhados pelos barrancos de alguns Rios mais frequentados, não bastava para imprimir à região um intenso sopro de energia e trabalho, acelerando-lhe a capacidade produtiva, povoando-a, expondo, sedutoramente, as riquezas incalculáveis de suas matas, de suas terras e de suas águas ao comércio e às indústrias mundiais.

 

O Governo Geral não procurava ajudar o desenvolvimento da Amazônia – sete vezes maior do que a França; ao contrário, impedia-o com o fechamento do Amazonas. O imigrante não vinha com o seu precioso contingente encaminhar a vida regional por uma rota segura de progresso. Apenas alguns índios fugitivos das incursões destruidoras da raça infeliz achegavam-se, timidamente, dos arredores da Capital, à margem do Rio Negro, empregando o tempo e o rotineiro labor nas aleatórias indústrias da pesca e da caça e no escasso cultivo de pequena área, onde a mandioca crescia com assombro e o milho dava quatro vezes por ano. O interior era ainda quase o deserto de 1750, entregue, em alguns pontos de clima mais benigno, às missões religiosas que se formavam para a colheita de almas ao aprisco ([2]) do Senhor e não de energias inteligentes que viessem ao fomento das indústrias e do comércio, que se iniciavam. No correr dos anos 1877-1879, quando o Ceará foi flagelado por horrorosa seca, o interior do Amazonas começou a povoar-se. Data daí a colonização, porque, no dizer de Pierre Denis, foi uma verdadeira colonização que se operou nas florestas amazônicas, remontando a esse tempo a intensificação da indústria extrativa da borracha.

 

Todo o imenso Vale do Amazonas encheu-se de cearenses tangidos da terra natal pelo fenômeno climatérico assolador, que secava os Rios, despovoava os lares, ermava ([3]) os campos, transformava as campinas verdejantes em nuas e áridas estepes da morte. A onda povoadora dirigiu-se, de preferência, para as Bacias do Juruá e Purus, Rios mais facilmente navegáveis, servidos por vapores, com um comércio que se anunciava promissor e a indústria da borracha em adiantada fase de organização. Levas numerosas de flagelados aportavam a Belém e Manaus, com o organismo combalido pela fome, e eram logo recrutadas pelo comércio e metidas no bojo dos “gaiolas”, para a longa e torturante jornada da qual muitos nunca mais voltavam a rever as serras natais, mortos nos barrancos, ao abandono da mais elementar assistência, pelas endemias reinantes e peculiares às regiões desertas e úmidas.

 

Os comerciantes largavam esses homens seminus e esqueléticos aqui e ali, à margem dos Rios navegáveis, com grande cópia ([4]) de mantimentos, armas e munições, à mercê dos fados incertos, à fabricação da borracha já então ardentemente procurada pelas novas indústrias que surgiam na Europa. Foram assim se formando os seringais, se firmando a propriedade da terra, se arraigando no espírito daquela gente inculta a ideia da soberania do Brasil, incontestável e única sobre todas aquelas águas e todas opulentas florestas onde a hevea era uma mina inesgotável. E no seio da mata dominada apareceu, de improviso, um fator novo da vida econômica nacional, a figura original do seringueiro triunfante.

 

Em 1877, saíram do Ceará mais de 14.000 pessoas, rumo a Amazônia. No ano seguinte houve um verdadeiro êxodo; a corrente imigratória atingiu a enorme cifra de 54.000 indivíduos. E não mais parou a onda povoadora. O Ceará despovoava-se em benefício da Amazônia. O Amazonas tornou-se o refúgio predileto do cearense acossado pela seca.

 

Ainda em 1900 a vaga humana faminta, que abandonou os lares pátrios, registrou o número de 47.835 pessoas, das quais mais de dois terços seguiram o caminho do Norte, em demanda das paragens abençoadas onde a água do céu nunca falta e as fontes imensas, que formam as caudais fluviais, jamais secaram. A Amazônia começou a viver na imaginação do cearense como as regiões lendárias das fabulosas minas de ouro viveram no espírito ardente dos paulistas das bandeiras penetradoras. O povoamento foi sempre crescente. Bandos de assalto no seio da floresta virgem ocuparam todos os pontos, abriram caminhos, empreenderam, na medida da sua fraqueza, em frente de uma natureza cujo poder é desmesurado, a adaptação do solo à vida humana. O que foi essa luta estupenda de adaptação ao meio hostil, que o cercava e o deprimia, ainda o cearense, raro, das primeiras levas pesquisadoras da riqueza vegetal, o conta comovido. Assim, acossados da terra natal pela inclemência do Sol, penetraram ousadamente a mata opressora em cujo seio úmido a morte imperava.

 

E subiram os Rios amplos em cujas margens dominava o selvagem, que se precavia, se amoitava nas sebes e no cimo das árvores, de tocaia, à espreita do invasor para feri-lo mortalmente; e transpuseram os saltos perigosos das correntes encachoeiradas, realizando a audácia dos primeiros avanços através desses precipícios vertiginosos; iniciaram as entradas pelos Igarapés torcicolantes ([5]), mata adentro, buscando-lhes as nascentes no perlongamento dos ([6]) meandros traiçoeiros, à cata da seringueira. E, no verdor eterno da floresta virgem, disputando ao índio a terra e a água e ao clima inóspito a própria vida, escondiam a saudade torturante das campinas natais, afogavam a nostalgia intensa que os devastava, dos lares ermos da sua solicitude ([7]).

 

Mas a terra desflorada pelo cearense heroico, que excedeu em pertinácia e arrojo ao bandeirante, a floresta que ele feria, abrindo caminho para frente, lançando a semente da abundância ao redor das primeiras habitações, restituía, dadivosa, com prodigalidade infinita, aquelas rudes canseiras incessantes. Vieram, nessas levas de desesperados, homens ousados e inteligentes na sua rudeza de sertanejos, que souberam reviver o período colonial da conquista dos sertões bravios.

 

A margem dos Rios, que os gaiolas de quando em vez navegavam para deixar-lhes mercadorias de toda sorte pela borracha que recolhiam, levantaram suas toscas barracas de paxiúbas cobertas de caranaí ([8]), cujo tipo uniforme e rude ainda hoje se apresenta, trazendo ao espírito de Euclides da Cunha a impressão emocionante das habitações não menos rústicas dos gauleses de César.

 

Era a propriedade que se firmava... Assim, desesperadamente instalado na região hostil, onde a “hevea de Aublet” era floresta e constituía para eles, pela facilidade da exploração e abundância da remuneração comercial, a única riqueza cobiçável, lançaram a Amazônia à civilização. E prosperaram os paroaras ([9]).

 

O sucesso dos primeiros cearenses que se internaram e puderam regressar prósperos ou se firmaram na região como proprietários eventuais de latifúndios borracheiros, seduziu os demais filhos do nordeste.

 

Outros povoadores vieram do Piauí, do Maranhão, do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Alagoas, de Pernambuco, trabalhar a floresta amazonense, sem se aperceberem da conquista que faziam e da cobiça que despertavam. Mas, nas grandes investidas da civilização amazônica, o cearense foi sempre o elemento preponderante. O Acre é obra deles, como produto do seu arrojo e da sua tenacidade, o povoamento de todo o interior do Amazonas. (COSTA)

 

 

Bibliografia

 

COSTA, João Craveiro. A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1940.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Ervada: envenenada.

[2]   Aprisco: seio da Igreja.

[3]   Ermava: tornava deserto.

[4]   Cópia: quantidade.

[5]   Torcicolantes: serpenteantes.

[6]   No perlongamento dos: indo de encontro aos.

[7]   Da sua solicitude: do seu zelo.

[8]   Caranaí: palmeira da família das Arecáceas.

[9]   Paroaras: nordestinos residentes na Amazônia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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