Quinta-feira, 21 de janeiro de 2021 - 09h58
Bagé, 21.01.2021
Foz do
Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XI
Euclides da Cunha
esboça, também, no seu “Um Paraíso
Perdido”, uma pequena cronologia da penetração peruana.
As
Cabeceiras
Deixando de
lado a notável Expedição do Inca Yupangui, descendo com dez mil guerreiros o
fabuloso Maru-Maiú, desde o Tono até a Província de Moxos – pode-se datar de
1860-1861 a primeira exploração regular do Madre-de-Dios, precisamente no mesmo
ano em que se iniciou a do Purus. Na mesma ocasião em que Manuel Urbano punha
ombros às suas grandes tarefas, Faustino Maldonado partia de Nauta, varava o
Vale de Paucartambo, prolongava a margem do Tono, até a Foz do Pitama, que
atravessou, indo parar na embocadura do Pinipini. Aí, apenas auxiliado por
alguns índios Conibos, construiu uma jangada e veio ao som das águas até a
confluência do Beni, de onde pelo Mamoré chegou ao Madeira, continuando a
descida. Infelizmente, a arrojada empresa teve lastimável desfecho no “Caldeirão do Inferno”, onde o brilhante
pioneiro naufragou, perecendo com a maioria dos que o acompanhavam. Mas os
resultados obtidos foram admiráveis – e nem se compreende como, por tanto
tempo, ainda se confundisse o Madre-de-Dios com o Purus, e fosse exatamente o
maior geógrafo peruano o maior propagador de tão exagerado absurdo.
É que
naquelas bandas não houvera a continuidade de esforços que existiu entre nós,
mal podendo citar-se, em vinte anos de interregno, a exploração malograda do
Coronel Latorre, sucumbindo aos assaltos dos Chunchos, quanto ia ainda pouco
distante de Cuzco [1873]. Em 1880-1881, o Dr. Edwin Heath completou os esforços
de Maldonado numa penosa viagem de ida e volta de Reyes à confluência
Beni-Madre-de-Dios. Tinha-se, afinal, um juízo seguro acerca dos dois grandes
Rios que, por tão longo tempo, haviam desafiado a argúcia dos cartógrafos. As
investigações continuaram. Em 1890, um caucheiro peruano, Carlos Fiscarrald,
vencendo extraordinárias dificuldades, descobriu o “varadouro” do Misauau [último dos galhos Orientais do Urubamba] ao
Caspajali [último dos afluentes Setentrionais do Madre-de-Dios] e arrastando
por ali a lancha Contamana, em que subira o primeiro, passou, graças aos
robustos Piros que o acompanhavam, para o segundo. [...] Deste modo, em 1891,
estavam francamente conhecidas as origens e direções gerais dos Rios que
demoram naquelas bandas. (CUNHA, 2000)
Padre
Francês Constant Tastevin
Constant Tastevin, nos
idos de 1910 a 1920, percorreu a Bacia do Juruá realizando pesquisas
etnológicas, onde ouviu falar das “correrias”
que os caucheiros realizaram contra os povos indígenas. Diz o religioso no
texto “Le Fleuve Muru”, publicado na
Revista “La Geographie”, de Paris, em
1920:
Nada mais
fácil do que acabar com uma tribo incômoda. Reúnem-se de 30 a 50 homens,
armados de carabinas de repetição e munidos cada um com uma centena de balas,
e, à noite, cerca-se a única maloca, em forma de colmeia de abelhas, aonde todo
o Clã dorme em paz.
Ao nascer
do Sol, na hora em que os índios se levantam para fazer a primeira refeição e
os preparativos para a caça, um grito convencionado dá o sinal, e os
assaltantes abrem fogo todos juntos e à vontade. Pouquíssimos sitiados
conseguem escapar: levam-se as mulheres e as crianças que podem ser pegos
vivos, mas não se perdoam os homens que, por sua vez, se mostram sem medo e
indomáveis. [...] foram os peruanos semicivilizados do Ucaiali que [...] se
mostraram mais ardentes nestas “correrias”.
Para eles, um índio não era mais do que um irracional que podia ser morto como
um macaco. (TASTEVIN, 1920)
Peruanos
na Região Acreana
A RIHGB, de 1959,
publicou o artigo “Peruanos na Região
Acreana”, de José M. B. Castello Branco:
Diz o
escritor peruano Jorge M. von Kassel que a região do Juruá e Tarauacá foi
conquistada pelos caucheiros peruanos após sangrentos encontros com o gentio
local que até então impedira os brasileiros de explorarem os seringais ali
abundantes.
Não é exato
que assim houvesse acontecido. Cheguei ao alto Juruá [Foz do Amônea], em abril
de 1909, época em que ainda viviam diversos dos seus desbravadores ou
fundadores de seringais, dos quais indaguei o que havia a respeito da conquista
da terra, não só por escrito, como verbalmente. Relataram-me atritos e colisões
com os indígenas da região, únicos senhores da basta floresta, naqueles tempos,
cujas tabas se viam, de longe em longe, na orla de algum espraiado barranco,
lago, no cimo de um outeiro, ou no recesso da mataria, sem topar com um só caucheiro peruano, ou gente de qualquer outra
nacionalidade.
Segundo cartas e notas fornecidas pelos seringalistas Jose Inácio da
Silva. Miguel de Aguiar Picanço, Júlio Pereira Roque e Custódio Miguel dos
Anjos, além de outros; os dois primeiros desbravadores e fundadores de
seringais na Bacia do Juruá, o terceiro na do Tarauacá e o quarto na do Purus:
sendo que Picanço penetrou no Rio Juruá, em 1870, e Custódio, no Purus, em
1877. Guilherme da Cunha Correia, dono do Seringal Concórdia, no Baixo Juruá, e
filho de João da Cunha Correia, Diretor este dos índios do Juruá, desde 1854,
descobridor do Juruá, Jurupari e Purus, acreanos, em 1858, reforça esta
asserção em carta que me escreveu, em 1923, página 6: dizendo o Padre Constant
Tastevin que, antes da invasão dos nordestinos
brasileiros, o Rio Muru ([1]), só era habitado por selvagens.
Para os
peruanos, o Limite entre o Brasil e o Peru era o delineado pelo Tratado de
Santo Ildefonso [1777], baliza esta que, segundo o Capitão de navio D. F.
Henrique Espinar, chefe de uma Comissão Científica oficial da República do
Peru, no Rio Juruá, incidia no Seringal Adélia, a jusante da atual fronteira
acre-amazonense, cerca de duzentas milhas, e no Rio Gregório, ainda mais abaixo
deste Paralelo: terras estas descobertas pelo brasileiro João da Cunha Correia,
do fim de 1857 ao princípio de 1858, e atingidas pelos emigrantes do Nordeste
brasileiro cerca de 1883 que, nesse ano, já estavam se estabelecendo na Foz do
Rio Liberdade, situado a mais de 160 milhas acima do Rio Gregório e a quase cem
do Seringal Adélia.
Como se vê,
as pretensões dos nossos vizinhos firmavam-se nas antigas Cédulas Reais
espanholas, apesar de Portugal, o império e o Governo republicano brasileiros,
jamais as admitirem, e os Tratados de 1841 – [Artigo 14°] e de 1851 [Artigo
7°], assinados pelo Peru e Brasil, haverem reconhecido o princípio do “uti possidetis” para regular esses
limites.
A notícia
mais antiga da convergência de caucheiros peruanos para o Vale do Juruá, que
deparamos, foi-nos proporcionada pelo demarcador Capitão Tenente Cunha Gomes,
Chefe da Comissão Brasileira que fez o reconhecimento do Rio Javari, em 1897, o
qual adianta que, exterminados os cauchais das terras firmes do Rio Jaquirana ([2]),
os referidos caucheiros retiraram-se para os Vales do Jutaí e Juruá, onde hoje
exploram essa indústria; dando, assim a entender que em 1896, ou antes, já eles
se aproximavam dessas ribeiras. (SOBRINHO, 1959)
Bibliografia
CUNHA, Euclides da. Um Paraíso Perdido –
Brasil – Brasília, DF – Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.
SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello
Branco. Peruanos na Região Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Volume 244 – Departamento
de Imprensa Nacional 1959.
TASTEVIN, Constant. Le Fleuve Muru –
França – Paris – In: La Géographie, Tomo XLIII (Missions Catholiques), 1920.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul
(1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do
Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar
do Sul (CMS)
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
– RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande
do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER –
RO)
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do
Sul (AMLERS)
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Muru: Tarauacá.
[2] Jaquirana (Fulgora lanternaria): inseto
inofensivo pertencente à família Hemíptera, possui uma exótica cabeça
semelhante a de um jacaré. Alimenta-se do néctar das flores e da seiva de
vegetais, tem hábitos noturnos e mede cerca de 6 a 7 cm. Era facilmente
encontrado nas florestas da América do Sul, mas sua estranha aparência
colocou-o na rota do tráfico de animais transformando-o numa raridade.
Conhecido também como: jequitiranaboia ou cobra-voadora.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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