Sexta-feira, 22 de janeiro de 2021 - 10h17
Bagé, 22.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XII
Perdido na mata exuberante e farta, com o intento
exclusivo de explorar a hevea apetecida, o seringueiro compreende, de pronto,
que a sua atividade se debaterá inútil na inextricável trama das folhagens, se
não vingar norteá-la em roteiros seguros, normalizando-lhe o esforço e
ritmando-lhe o trabalho tão aparentemente desordenado e rude.
(CUNHA, 1906)
A
borracha já era conhecida pelos indígenas antes do descobrimento da América. O
Padre d’Anghieria, em 1525, observou índios mexicanos fazendo uso de bolas elásticas
em seus jogos.
O
missionário Carmelita Frei Manuel da Esperança, em 1720, verificou que os
índios Cambebas faziam uso da borracha para fabricar garrafas e bolas em forma
de seringa. O Frei Manuel resolveu, então, dar à substância o mesmo nome do
objeto fabricado com ela – seringa. O nome foi consagrado e, desde então,
chamam-se de seringueiros aqueles que extraem o sumo leitoso da “Hevea” e a de seringais às plantações de
onde ele é extraído.
E da seringa surgiu o Seringal, espaço físico-social onde se erguem,
dispersas pela floresta, as espécies vegetais da borracha. E do Seringal, o
seringueiro, o homem que se associa à planta, para explorá-la. Uma trilogia
marcadamente ecológica. (TOCANTINS, 1982)
Hevea brasiliensis (Seringueira)
É
planta tropical de ciclo perene cultivada com a finalidade de produção de
borracha natural. A seringueira é encontrada nas margens dos Rios e terrenos
sujeitos à inundação da terra firme, podendo atingir, em condições ideais,
trinta metros de altura. A produção de sementes inicia aos quatro anos, e pouco
antes dos sete anos a produção de látex. O diâmetro do tronco varia entre
trinta e sessenta centímetros e a sua casca é responsável pela produção da
seringa.
Submetida
a um manejo adequado, poderá produzir, economicamente, por um período de vinte
a trinta anos. A Hevea, nativa, tem como área de ocorrência toda a Amazônia
Brasileira, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana,
sendo que a espécie Brasileira é a que apresenta maior produtividade.
Dentre
as diversas doenças e pragas que atacam a espécie, o “mal-das-folhas”, causado pelo fungo “Microcylus ulei”, é o mais conhecido e temido, e um dos principais
fatores que restringem a expansão da heveicultura no Brasil.
Abertura das “Estradas”
Em
outubro de 1905, embarcam no vapor “Rio
Branco”, que estava ancorado na “Boca
do Acre”, confluência do Rio Acre com o Purus, dois ícones da nacionalidade
brasileira, Plácido de Castro e Euclides da Cunha. Plácido de Castro tinha
comandado o vitorioso Movimento Revolucionário Acreano, que resultou na
incorporação das terras bolivianas ao Brasil.
Euclides
chefiara a “Comissão Brasileira de
Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o Rio Purus, desde a
Foz, no Solimões, até suas cabeceiras, definindo as fronteiras do país com a
Bolívia e o Peru.
A
viagem da Boca do Acre a Manaus durou uma semana e, neste período, aconteceu o
encontro histórico. Euclides da Cunha solicitou a Plácido de Castro que
redigisse um histórico da campanha, desde 1902 que culminou com a conquista do
Acre.
Plácido
escreveu os apontamentos a lápis, e manteve longas conversas com o escritor,
inclusive sobre a dinâmica da extração da borracha, seu ciclo produtivo e a
vida nos seringais. Ao chegar ao Rio de Janeiro, Euclides da Cunha publicou na
Revista Kósmos (em janeiro de 1906), o artigo “Entre os Seringais” sem, contudo, referir-se à conversa que
mantivera com Plácido de Castro. (CASTRO, 2003)
Em
27.03.1907, Plácido de Castro, Prefeito de Rio Branco, queixou-se, indignado,
ao Ministro da Justiça, do artigo de Euclides da Cunha.
Somente
em 1930, os “apontamentos” do herói
do Acre foram publicados, na íntegra, como parte do livro “O Estado Independente do Acre”, de autoria de Genesco de Castro,
irmão de Plácido. O livro enfrentou dificuldades na sua distribuição, tendo em
vista que os assassinos de Plácido permaneciam no poder.
Relata
Euclides da Cunha na Revista Kósmos n° 01, de janeiro de 1906:
[...] o mateiro lança-se sem bússola no dédalo ([1]) das galhadas,
com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro.
Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os
acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos
firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadouros futuros; avalia-lhe,
rigorosamente, as “estradas”; e vai
no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas,
escolhendo à beira dos Igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as
pequenas barracas dos trabalhadores.
Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis – o
toqueiro e o piqueiro ([2]); e
erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina,
um papiri ([3]),
onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada.
O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de
seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri.
É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro –
prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de
ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros.
Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo
junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai
tirando a facão a picada, que prefigura a “estrada”.
O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o
seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a
terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da
estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de
seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no
ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias,
ficando a “estrada” em pique. (CUNHA,
1906)
Bibliografia
CASTRO, Plácido de – Apontamentos sobre a Revolução Acreana –
Brasil – Manaus, AM – Editora Valer, 2003.
CUNHA, Euclides da. Entre os Seringais – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – Revista Kósmos n° 01, janeiro de 1906.
TOCANTINS, Leandro. Amazônia – Natureza, Homem e Tempo – Brasil
– Rio de Janeiro, RJ – Biblioteca do Exército – Editora Civilização Brasileira,
1982.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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