Segunda-feira, 25 de janeiro de 2021 - 11h19
Bagé, 25.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XIII
Extração
da Borracha
Antigamente,
para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco
obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote
de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que
aparava a seiva e a conduzia até o pote.
Este
processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito
tempo. Com o passar dos anos, o método tornou-se mais racional visando
preservar a integridade da “árvore da vida”. João Barbosa Rodrigues fez o
seguinte relato na sua obra “As Heveas ou
Seringueiras”, editada em 1900:
Arrocho
Consiste o processo do arrocho em circular o tronco da seringueira, a um
metro [?] do solo, com um grosso cipó, dispondo-o em sentido oblíquo a unir as
extremidades em ângulos a formar goteira. Feito este arrocho, golpeavam a casca
da arvore, em toda sua circunferência, em diversas alturas. Assim corria
abundantemente o leite que, reunido sobre o cipó, escorria pela goteira indo
cair diretamente no vaso que o recolhia.
Desta forma a árvore dentro em pouco tempo, morria, faltando-lhe a livre
circulação da seiva, pelos golpes que separavam os tecidos e esgotavam-na
inteiramente. Quando eram simples golpes e não havia casca tirada, de um para
outro ano, cicatrizavam e estabelecia-se a circulação; mas, ainda assim, pelas
sangrias que anualmente faziam, dentro de pouco tempo morria.
Foi assim que se acabaram os grandes seringais das margens do Amazonas,
do Tocantins, do Jari e das Ilhas, assim como os do Baixo-Madeira e Solimões.
Incisões
Posteriormente, foi adotado o golpe do machadinho e proibido,
expressamente, o sistema de arrocho que, em muitos seringais, alguns empregam,
porque até a eles não chega a ação da justiça. O sistema de incisões também é
prejudicial quando dele se abusa, obrigando a árvore a dar mais do que possui,
fazendo-se numerosas incisões sem dar descanso e tempo para a completa
cicatrização. Alguns, sem necessidade, dão dois e mais golpes para uma
tigelinha, o que é prejudicial à vida do vegetal. (RODRIGUES, 1900)
Hoje,
o seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada,
carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”.
Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da
última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração
da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros
descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de
aproximadamente dois metros acima do solo.
Une
depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho
vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A
cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada
uma argila para fixá-la no tronco. Os cortes são feitos, normalmente, até as
onze horas, em todas as árvores da “estrada”,
exceto nos meses de agosto e setembro, época da floração. Pelo meio-dia, ele
começa a recolher as cumbucas, despejando o látex coagulado nas cuias em um
balde, ou então em um saco encauchado ([1]).
À
tarde, por volta das 14h00, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do
material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto. O fogo é feito
debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor
fumaça é a de coco de babaçu mas, no Rio Purus, usava-se para esta operação os
frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz, os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e
onde estas palmeiras são mais raras, utilizavam-se madeiras como a carapanaúba
e a paracuúba.
A
bola de borracha ([2])
é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de
comprimento, chamada “cavador”. Para
iniciar a bola, enrola-se na vara um “tarugo”
de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o
leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora
imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai
engrossando, cada dia um pouco mais.
Uma
“pela” pronta, depois de vários dias,
pesa em média 50 quilos, é, então, exposta ao Sol, quando toma a coloração
escura e assim permanece até ser comercializada.
A Árvore da Borracha e da Soberania
A floresta imensa, de árvores augustas e seculares,
chegava até a margem do Rio quando os primeiros colonizadores, fazendo ressoar
o machado nos troncos enormes, ergueram aí a primeira barraca de seringueiro. E
pouco a pouco, investindo contra a selva noturna e impenetrável, foi o homem
avançando contra a muralha verde, até fixar naquelas brenhas o marco da
primeira Cidade. Agora, não era mais o casebre isolado. Alinhadas à beira do
Rio largo e profundo, as casas de negócios e de moradia, comprimidas entre a
floresta e a água, eram como ovelhas escuras de um pequeno rebanho, trazidas a
beber na torrente por uma legião de gigantes desgrenhados. (CAMPOS)
Não há dúvida de que o povoamento da Amazônia, sob o estímulo da
borracha, foi um processo ecológico mais agudo, em comparação ao expansionismo
provocado pela colheita das drogas.
A borracha levou o homem a um grau de subordinação à floresta jamais
ocorrido em época anterior, emprestando-lhe uma personalidade ou ethos ([3])
particular, exigindo-lhe adaptação biológica mais profunda.
Ao examinarem-se as condições em que, originalmente, se operou o povoamento
dos seringais amazônicos, se é tentado a admitir aquele excesso de biologismo
sociológico de alguns ecologistas.
Mas, só tentação, porque uma análise menos superficial levará a
admitir-se a supremacia humana sobre seres e coisas inferiores, mesmo em se
tratando do homem em uma região agreste, de características naturais muito
peculiares, como é a Amazônia. Aí, o homem também reagiu e dominou o meio.
Reagiu sem deixar de subordinar-se à mata e interrelacionar-se com plantas e
animais, para conseguir o equilíbrio biológico. [...]
Surgindo o Seringal, transformou-se quase inteiramente o processo
econômico, o que veio a refletir no modo de vida, das populações, anteriormente
engajadas em outros misteres. O regime oniprodutivo, latifundiário da borracha
afastou o homem das culturas agrícolas, aristocratizou a figura do patrão,
aviltou a do seringueiro e estimulou a expansão do latifúndio a feições antes
desusadas, ou, ao menos amortecidas pela coleta móvel das drogas e emprego da
terra em pequena agricultura. (TOCANTINS, 1982)
Diferente
da exploração do caucho, a “hevea
brasilienses” permitiu que o seringueiro se fixasse, pouco a pouco, à
floresta. O nordestino “acreanizado”
deu início à cultura agrícola.
Nos
roçados brotava o feijão, o milho e a mandioca enquanto nas várzeas e na terra
firme era incrementada a plantação do capim “colônia”, do “gordura”,
do “jaraguá” e da “canarana”. O gado boliviano migrou e
aquerenciou-se às novas e atraentes pastagens. O seringueiro depois de fixar-se
à terra deu origem à uma nova raça – mais que um povo – uma civilização, a “civilização acreana”, que perambulava
destemerosa pela dadivosa floresta, campos e roçados promissores.
O
acreano não usava estradas para circular, elas não existiam, seus caminhos eram
os cursos d’águas. Os jovens, desde cedo, navegavam pelos Igarapés, Furos e
Lagos e aprendiam, com o autóctone, as manhas da caça e da pesca.
A
acreana, de então, herdeira da rendeira nordestina aprendeu a trançar
habilmente os seus bilros com as fibras do tucumã.
A
psique e o organismo nordestino foram, passo a passo, sendo impregnados pelas
melhores características do caboclo e essa salutar mesclagem racial foi
proporcionando-lhe uma seleção natural que, por fim, alterou-lhe o DNA
garantindo-lhe uma maior resistência às adversidades da selva hostil.
As
férteis sementes das gônadas do filho do sertão estéril e do Sol inclemente
brotaram vigorosas e aprimoradas permitindo aos seus descendentes enfrentar com
sucesso o mundo das águas e da floresta.
Bibliografia
CAMPOS, Humberto de. O Monstro e Outros Contos - O Furto (Conto
Amazônico) – Brasil – Porto Alegre, RS – Simplíssimo Livros Ltdª, 2012.
RODRIGUES, João Barbosa. As Heveas ou Seringueiras – Brasil –
Rio de Janeiro, RJ –Imprensa Nacional, 1900.
TOCANTINS, Leandro. Amazônia – Natureza, Homem e Tempo – Brasil
– Rio de Janeiro, RJ – Biblioteca do Exército – Editora Civilização Brasileira,
1982.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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