Terça-feira, 26 de janeiro de 2021 - 06h05
Bagé, 26.01.2021
Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XIV
Euclides da Cunha, na sua obra “Contrastes e Confrontos”, denuncia as incursões peruanas que
buscavam avidamente as ricas plagas onde a hevea abundava e caracteriza as
hordas peruanas como uma “aglomeração
irrequieta em que há todas as raças e não há um povo” que invade a floresta
tumultuariamente dedicando-se mais à pilhagem do que a um trabalho produtivo.
Uma massa humana que se liberta e rompe os Bastiões da
Cordilheira em busca da terra exuberante e da hileia magnífica já ocupada,
sobretudo, pelos arrojados irmãos nordestinos.
A salvação está no vingar e transpor a Cordilheira. Ali ao menos há a sugestão
dominadora da civilização surpreendente dos Incas: a estrada de duas mil milhas
distendida de Quito às extremas do Chile, lastrada pelas neves eternas,
contorneando encostas abruptas em releixos ([1])
de rocha viva, alcandorada ([2])
em pontes pênseis sobre abismos, e estirando nas planuras as calçadas eternas
de silhares ([3]) unidos com
cimento betuminoso; e os velhíssimos baluartes pré-incaicos feitos de montanhas
inteiras arremessando-se nas alturas em sucessivos patamares ameados; e a
ruinaria dos santuários do Sol com os seus aparelhos ciclópicos de blocos
poligonais de pórfiro ([4])
brunido ([5]);
e os longos aquedutos do monte Siva, em cujos canais subterrâneos, perfurando
as serras, se espelham esforços de uma engenharia titânica...
Depois, descidas as vertentes Orientais da primeira cadeia dos Andes,
transposta a “montaña” e a segunda
Cordilheira – a terra exuberante é desmedida, prefigurando nas grandes matas a
mesma hileia amazonense.
Nesta região, tão outra, está – pela implantação do trabalhador e pelo
equilíbrio da existência agrícola – a redenção daquelas gentes que possuem os
melhores fatores para um elevado tirocínio histórico.
Mas, ao mesmo passo que lhes despontam estas esperanças, extingue-lhas a
mesma Cordilheira com o seu largo tumultuar de píncaros e de pendores
impraticáveis num talude vivo de muralha, que lhes trancam quase por completo
as comunicações com o litoral.
De fato, o Pacífico, ainda que se rasgue o Canal de Nicarágua, parece que
pouco influirá no progresso do Peru. O seu verdadeiro Mar é o Atlântico; a sua
saída obrigatória, o Purus. Sabem-no há muito os seus melhores estadistas: a
expansão para o Levante traduz-se-lhes como um dever elementar de luta pela
vida.Revelam-no todos os insucessos de numerosas tentativas buscando libertá-lo
das anomalias físicas que o deprimem. Revelou-as, desde 1879, C. Wiener:
Os peruanos aquilatam bem a importância enorme que teriam as estradas,
ligando os afluentes navegáveis do Amazonas e do Ucaiali às cidades do litoral;
fizeram todos os esforços para executá-las porque lhas impõem a lógica e o
interesse; mas parece que a sua força de vontade é menor que a constituição
física dos autóctones.
De feito, contemplando-se diante de um mapa a faixa costeira entre Pachacamas
e Tumbez, nota-se um como diagrama daquelas tentativas desesperadas e perdidas.
Foi a princípio, no Extremo Norte, a linha férrea de Paita a Piura,
procurando os tributários Setentrionais do Solimões; depois, próxima e ao Sul,
uma outra, de Lambayaque a Ferenafe: ambas estacionaram, trilhos imersos nos
areais da costa. A terceira, lançada de Pascamayo à estação terminus de
Cajamarca, e a quarta partindo de Salavery, pouco ao Sul de Trujillo – buscavam
as linhas de derivação do Ucaiali: embateram ambas de encontro às fílades
espessas e aos doleritos e quartzos duríssimos das Cordilheiras.
A quinta, a admirável estrada de Oroya, dominou parte da serrania, mas
ficou bem longe do seu objetivo essencial no transmontar as últimas cordas de
serras, varar pelas planícies do Sacramento e alcançar o Purus.
Esta é expressiva: mostra como o traçado do grande tributário do
Amazonas, em cujas margens contendem agora os flibusteiros, norteia de há muito
a administração daquela República. Por outro lado, desde 1859, com Faustino
Maldonado e dez anos depois com o Coronel Latorre, sucessivas expedições se
lançam para o Oriente impelidas por alguns abnegados caídos todos naqueles
lugares remotos, numa extraordinária intuição dos interesses reais do seu país.
Estes antecedentes delatam nas perturbações que lavram em toda aquela
zona um significado bem diverso do que lhe podem dar algumas correrias de
seringueiros.
A guerra iminente tem uma feição gravíssima. Se contra o Paraguai, num
Teatro de Operações, mais próximo e acessível, aliados às repúblicas platinas,
levamos cinco anos para destruir os caprichos de um homem – certo não se podem
individuar ([6]) e prever os
sacrifícios que nos imporá a luta com a expansão vigorosa de um povo. (CUNHA,
1975)
A Conquista do Alto-Purus e Alto-Juruá
Segundo João Craveiro Costa em “A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental”:
Já em 1870, os brasileiros, no Juruá, se haviam aventurado, pouco a
pouco, avançando bravamente na direção das cabeceiras do grande curso fluvial,
à cata das heveas, chegando às margens do Amônea e do Tejo, e, anos depois, em
1891, levaram as explorações ao Rio Breu, por lá, muitos deles, se fixando.
Por toda parte, no Alto-Juruá, não havia uma só propriedade peruana. Tudo
aquilo era tido pela população como terra brasileira, pertencente ao Município
amazonense de São Felipe.
No Purus, a ocupação das margens do grande Rio, na sua parte mais alta,
em demanda das nascentes, data de 1892, a que remontam os primeiros
estabelecimentos do Rio Chandless, daí subindo sempre nos anos posteriores.
O Rio Béo, pouco acima do Breu, marcava, em 1891, o Limite Meridional da
ocupação efetiva brasileira no Juruá, que nesse ano alguns compatriotas nossos,
dirigidos por João Dourado e Balduino de Oliveira, exploraram até à Boca do Rio
que chamavam Dourado e é o mesmo a que os peruanos, posteriormente, deram o
nome de Uacapista ou Vacapista, mudando o primitivo nome para outro afluente
próximo.
O Santa Rosa, em Curinahá, ficara sendo, desde 1898, o limite da ocupação
brasileira no Purus, já em 1861 explorado pelo nosso intrépido sertanejo Manoel
Urbano da Encarnação, até perto de Curanja, e em 1867, com o auxílio do Governo
brasileiro, por William Chandless, em companhia do mesmo Manoel Urbano, até
pouco além da confluência do Cavaljane, isto é, até as vizinhanças da nascente
principal.
Anteriormente a 1896, esses territórios estavam livres de peruanos. Nada
por ali havia que atestasse a sua passagem e fosse um padrão de posse da nação
peruana sobre aquelas águas e aquelas terras. Somente em 1896 começaram
aparecer peruanos, devastando as florestas em busca do caucho.
Eram negociantes endinheirados, à frente de numerosas hordas de “cholas” ([7])
broncos, que percorriam os Rios navegáveis mais facilmente, introduzindo
mercadorias contrabandeadas e espalhando soles ([8]) e
libras.
Demoravam-se em alguns pontos, vivendo à larga, o tempo em que os
caucheiros, destruindo as castiloas ([9]) no seio
da floresta, faziam o caucho, que os negociantes recebiam e logo abalavam ([10]).
Os vestígios que deixavam ficavam na mata bruta, na destruição das
árvores da borracha e nos barracões senhoriais, ou nas barracas humildes, de
paxiúba e caranaí, nos soles de prata que os seringueiros, em permutas
comerciais, recebiam e entesouravam no mealheiro. Aquilo era do Brasil. (COSTA)
Bibliografia
COSTA, João Craveiro. A Conquista
Ocidental do Deserto Ocidental – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora
Nacional, 1940.
CUNHA, Euclides da. Contrastes e
Confrontos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editora Record, 1975.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Releixos: caminhos estreitos na borda de um
abismo.
[2] Alcandorada: encarrapitada.
[3] Silhares: pedras lavradas em quadrado.
[4] Pórfiro: rocha siliciosa muito dura.
[5] Brunido: polido.
[6] Individuar: individualizar.
[7] Cholas: Aimarás.
[8] Soles: padrão monetário peruano.
[9] Castiloas: árvores do caucho.
[10] Abalavam: partiam.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII
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