Sexta-feira, 28 de outubro de 2022 - 06h05
Bagé, 28.10.2022
Índio quer Energia
Elétrica
Um dos mais
indeléveis sinais da presença branca em áreas indígenas, em Roraima, é visto
desde a estrada que liga o Brasil à Venezuela. Torres de transmissão da
Eletronorte dividem a paisagem com malocas na paisagem de cerrado. O Estado tem
algumas características que o distanciam do resto da Região Norte. Parte do
território tem uma vegetação parecida com a observada no Centro-Oeste e a
energia elétrica consumida vem toda da usina hidrelétrica de Guri, na
Venezuela. Para chegar à Boa Vista, a energia passa por torres de transmissão
que cruzam a área indígena de São Marcos. Embaixo, as comunidades indígenas
sobrevivem com a energia gerada com a queima de óleo diesel e lenha. Vivem às
escuras, mesmo após o pagamento de cerca de R$ 7 milhões pelo aluguel do
terreno.
Venezuela
Garante a sua Soberania
O reduzido
número de funcionários públicos na região de fronteira, como em Roraima, é
apontado como mais um ponto frágil da soberania do país. A FUNAI no Estado tem
apenas 86 servidores para dar conta de uma população indígena de 30.715
pessoas. Na sede, em Boa Vista, são feitos cerca de 50 atendimentos por dia. Na
última semana, o maior problema era a falta de veículos.
O
subcoordenador da FUNAI no Estado, José Raimundo Batista da Silva diz que na
fronteira com a Venezuela, o caso é mais grave.
Precisaria, no
mínimo, dobrar o número de funcionários. Para chegar à
Santa Elena, primeira cidade da Venezuela, é necessário passar por três postos
de fiscalização.
A fronteira é um colosso. “No
Brasil, é essa bagunça” ‒ atesta o empresário João Rosas, que tem uma loja
em Pacaraúna, logo na fronteira. Para o
Coronel Fregapani, o atual superintendente da ABIN em Roraima, o Estado convive com o risco de perder território.
‒ O
estabelecimento e a manutenção de fronteiras tem a ver com a ocupação da área. Nenhuma fronteira é sagrada. Nem a de Tordesilhas, que foi assinada pelo Papa.
Uma
Perda amazônica
[Mariana Carneiro]
O cupuaçu japonês ou o açaí europeu. São inúmeros os casos de marcas ou
substâncias obtidas de plantas e animais da região que são transferidas para
laboratórios dos países desenvolvidos. A biopirataria, embora não reconhecida
pela legislação brasileira, é muito pouco punida por essas terras, gerando
prejuízos ao Brasil e deixará o país ainda mais distante das nações mais ricas
do mundo. Segundo o chefe de Meio Ambiente da Polícia Federal de Roraima, Ivan
Gonçalves, o tipo mais comum de biopirataria tem aparência de legalidade. “Não é clandestino, nem feito no meio do mato”
‒ explica.
Normalmente é
feito por estudiosos que tem autorização para vir ao Brasil e, muitas vezes,
tem parceria com universidades brasileiras ou organizações não governamentais
[ONGs].
A acadêmica Gina Cynthia Carneiro do Vale, da Faculdade do Tapajós,
denuncia que existe um tratamento diferenciado para os pesquisadores estrangeiros, mais favorável do que o prestado
aos brasileiros. Atesta Gina:
Uma licença
para a coleta de animal, por exemplo, leva em média 20 dias para ser liberada
para nós. Para estrangeiros, sai em 72 horas.
Segundo diz, as exigências para transporte de material de pesquisa é
também mais difícil para os cientistas brasileiros. Além disso, o conhecimento
é levado junto com a comitiva que aportou no Estado.
Há uma desigualdade aqui.
Por que não fazem parceria com os pesquisadores da região? Nossa sensação é que
poderíamos ganhar experiência e produzir mais conhecimento para o Brasil.
Segundo
cálculos feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis [IBAMA], em 2003, o Brasil registrava prejuízo de US$ 16
milhões por dia devido à biopirataria.
Segundo o
Policial Federal de Roraima e biólogo Bruno Altoé Duar, o Brasil está perdendo
muito, sem nem mesmo conhecer. “Se isso é
um problema na Amazônia, é ainda pior na parte Norte da região” ‒ avalia.
Roraima é um Estado que está no foco da biopirataria, justamente pelo encontro
do cerrado ao Norte com a Floresta Amazônica. “Os pesquisadores brasileiros ainda não chegaram, mas os estrangeiros,
sim. E há algum tempo” ‒ atesta Duar.
Substâncias
Naturais Usadas Pelos Índios Foram Patenteadas por Laboratórios Internacionais
Segundo o especialista, um simples sapo pode ser preciosa fonte de
informação para os biopiratas. Ou mesmo o seu material genético. No ano
passado, começaram a ser devolvidas à comunidade Ianomâmi o sangue coletado
ainda nos anos 90 por pesquisadores da Universidade do Pará, em associação com
a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
O Ministério Público Federal de Roraima pediu a devolução do material,
uma vez que teria sido coletado ilegalmente no país. O sangue pertence a 86
índios da reserva Ianomâmi e só retornou a Roraima a parte do material que
tinha ficado no Pará. Mas não fica por aí.
Ganhou notoriedade há poucos anos a descoberta de que o laboratório Glaxo Wellcome usa o veneno da jararaca
na elaboração de um medicamento.
Em 98, a Abott registrou a criação
de um antibiótico feito a partir de uma
toxina encontrada em um sapo da região. A alemã
Merk tem em seu portfólio um medicamento que usa a policarpina, extraída
das folhas do jaborandi.
Isso sem contar as substâncias conhecidas das comunidades indígenas
brasileiras cuja patente já foi registrada no exterior. Dos Uapixana, que vivem
em Roraima, sabe-se que o anticoncepcional natural extraído das sementes do bibiru e o
estimulante cunaniol, extraído das folhas
do canani, já tem donos lá fora.
Segundo o
professor da FGV Direito Rio, Pedro Paranaguá, depois de patenteado no
exterior, é mais difícil o Brasil recuperar o direito de usar a substância. “Pode-se argumentar que a substância já era tradicionalmente
usada por comunidades indígenas.
“Mas, atualmente, a legislação de
vários países já avalia que o melhoramento de substâncias da natureza pode,
sim, ser patenteado” ‒ explica o especialista. O governo brasileiro atua
hoje na costura de um acordo internacional que iniba a biopirataria. A ideia é
repassar aos países de origem das plantas e animais que serviram de base para a
criação do produto parte da receita obtida com a sua venda.
A discussão começou ao fim da ECO 92 ‒ realizada no Brasil no início dos
anos 90 ‒ e ganhou fôlego recentemente com o apoio da Índia ao projeto, que
está em análise na Organização das Nações Unidas [ONU]. Diz Paranaguá, que acompanha as negociações com o Itamaraty:
A discussão
ganhou intensidade no ano passado, mas a resistência de países como Estados
Unidos, Japão e alguns da Europa, onde estão sediados os grandes laboratórios,
fazem grande resistência.
Enquanto isso, o Brasil não pode patentear essas substâncias ou usá-las
em produtos que vão para os países onde já existe a patente. O caso que ganhou
mais destaque sobre os prejuízos causados ao Brasil, no entanto, é o cupuaçu no
Japão e Estados Unidos, onde produtos brasileiros que usam o vegetal foram
proibidos por usar o que seria uma marca registrada naqueles países.
O Brasil conseguiu reverter a decisão alegando que as então consideradas
marcas são, na verdade, nome de vegetais.
Polícia
Federal está de olho nos Hotéis de Selva, Onde se Escondem os Biopiratas
A Polícia Federal de Roraima começou, na última semana, a fazer uma
operação de patrulha no aeroporto de Boa Vista. O objetivo é vasculhar, uma vez
por semana, a bagagem de quem deixa a capital. Logo no primeiro dia, foram
recolhidas sementes de castanheira, uma orquídea e cascas de moluscos. Os
hotéis de selva, no Sul do Estado, também estão no alvo da PF, que investiga a
ação de um casal que recolheu folhas que são alimento de um tipo de macaco da
região. Pondera o delegado Gonçalves. Ambos os crimes não dão mais de um ano de
detenção aos criminosos.
O mais
complicado é que o Brasil não criminaliza esse tipo de ação. Para levar um
biopirata para a cadeia é necessário enquadrá-lo em casos como maus tratos de
animais ou coleta de animais silvestres sem autorização. (JDB. N° 294)
Bibliografia
JDB, N° 294. Americanos Lideram Invasão Estrangeira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do
Brasil, n° 294, 28.01.2007.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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