Quarta-feira, 2 de novembro de 2022 - 06h00
Bagé, 02.11.2022
Jornal
do Brasil, n° 323
Rio de Janeiro, RJ – Domingo, 25.02.2007
Uma
Holanda para 500 Índios
[Renan Antunes de Oliveira – Especial
para o JB]
BOA VISTA, RORAIMA – O governo vai entregar mais um pedaço do Brasil para
tribos indígenas: pouco antes do carnaval e sem publicidade, o Ministério da
Justiça iniciou a demarcação de 4 milhões de hectares de terra para criar a
reserva Trombeta Mapuera, na divisa dos Estados de Roraima, Pará e Amazonas.
Ela será quase do tamanho da Holanda, país com 16 milhões de habitantes
apinhados em 4 milhões e 152 mil hectares. Eleva para 52% a área de Roraima
agora sob controle indígena. A reserva vai abrigar as tribos Wai-wai, que já
vive no pedaço, e karafawyana, ainda isolada na selva amazônica – indigenistas
estimam que esta tenha apenas 500 indivíduos.
A colocação de marcos na reserva está sendo feita por uma empresa
contratada pela FUNAI. O trabalho ficará pronto no fim de março. O presidente
Lula deverá anunciar a criação da reserva no Dia do índio, em abril. A atuação
discreta do Ministério da Justiça se explica: o governo quer evitar
controvérsias.
É o jeito para impedir reações e fugir das críticas crescentes de vários
setores da sociedade que acham que o país dá muita terra para pouco índio: eles
seriam apenas 300 mil para ocupar reservas em 13% do Brasil.
A criação
da reserva Trombeta Mapuera é obra da Congregação da Consolata, uma missão católica italiana que se
estabeleceu no Brasil depois da Segunda Guerra. Seus padres seguiam a Teologia
da Libertação – a Igreja já mudou para
uma rota light, mas o trabalho deles nos grotões ainda está vivo. A Consolata
conseguiu grande penetração entre as tribos do Norte nos anos 70.
Como os
padres enfrentaram a ditadura ombro a ombro com sindicalistas do PT, forjaram
alianças políticas que beneficiaram a congregação quando a democracia foi
restaurada – hoje eles tem tratamento vip em Brasília. Os missionários da
Consolata aproveitaram a pouca presença governamental na região – tema da
Igreja para a Campanha da Fraternidade deste ano – para apoiar e influenciar
Ianomâmis, Macuxís e Wai-wais.
Agora, uma
curiosa reviravolta está em curso: a presença física dos padres está
diminuindo. E sob pressão dos próprios índios que, já de posse da terra, estão
se afastando dos religiosos que tanto os ajudaram. Em Roraima, na reserva
Raposa Serra do Sol, a Consolata se viu obrigada a doar suas missões às tribos
que tinha catequizado.
O Governo Alemão
Paga o Policiamento da Região, com uma Frota de
Carros Cedidos aos Índios
Mas o apoio
estrangeiro continua forte: o governo alemão é quem paga pelo policiamento da
área.
Uma frota de
carros fora-de-estrada, com logotipo do BNDES da Alemanha, mas pilotada por
índios, patrulha a reserva. Os Wai-wais já pediram um financiamento idêntico
para proteger Trombeta. Por que este pequeno Brasil dentro do Brasil cresceu
fora do radar da oposição unida de alguns antropólogos e indigenistas,
políticos de várias correntes, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e
burocratas dos Estados atingidos pela reserva? Porque a área escolhida é de
mata virgem, entre os rios que lhe dão nome, o Trombeta e o Mapuera. [...]
Da
Missão Italiana, só Ficou uma Freira
[Renan Antunes de Oliveira]
A missão do Surumu, na TIRSS, era para ser o paraíso nos cafundós da
Amazônia – um conjunto de casinhas onde bons selvagens vivem em paz, educados
por padres do primeiro mundo. Nada mais falso. Desde sua fundação nos anos 50 a
missão já foi escola, centro de guerrilha, hospital e refúgio de bandidos. De
tudo um pouco, até ser incendiada por jagunços a mando de arrozeiros. O ataque
aconteceu no fim de 2005 – era o recado desafiador de alguns brancos ao presidente
Lula por criar a reserva com terras que eles ocuparam por décadas. Quem vive lá
está sempre meio assustado. Depois do incêndio criminoso os padres italianos
que pagavam as contas sumiram do pedaço, deixando para trás apenas uma freira –
e caixa zero.
No
Surumu, Padres Educaram os Índios
com Pouca Religião e Muita Política
Enquanto os padres estiveram no Surumu, eles educaram gerações de
Macuxís, Wapichanas, Taurepangs e Ingaricós – davam pouca aula de religião,
muita de política.
Bancavam terra, comida, salários de professores, telefone, carros,
gasolina – bem mais do que cestas básicas. Agora, mesmo sem seus protetores, os
Macuxís estão reerguendo o lugar e seguindo a mesma cartilha. Da ordem
religiosa sobrou apenas a irmã Leda, franzina, 65 anos, há 15 no Brasil – ela
parece tão antiga que jura ter ouvido falar de Papillon, aquele francês que
fugiu nadando da prisão da Ilha do Diabo e teria morrido no Surumu. Irmã Leda é
a última da geração de voluntários desbravadores missionários que tinha uma
missão dentro da missão: reconquistar as terras e emancipar os nativos, embora
esta tarefa já não tenha tanto apelo no emancipado século 21.A missão
reconstruída serviu de base para um encontro de 200 caciques durante o
carnaval. Enquanto o Brasil sambava, eles discutiam ali como impedir usinas hidrelétricas no
território, pelo menos até conseguir mais terras e verbas federais – a lista de
reivindicações deles é quase um PAC. [...]
O almoço comunitário e gratuito na missão é supimpa. As Macuxís Maria
Elza e Delcirene fazem arroz cultivado pelos meninos da missão, servem farinha
feita pelas comunidades da Raposa, banana colhida no projeto agrícola do
Maturucá, limonada gelada com frutos do pé que fica atrás do hospital, carne de
bois da fazenda do cacique Andrade – a única coisa de fora é o macarrão de
pacote, comprado na venda dos brancos em Socó.
Os
Índios Dormem Depois do Almoço
Enquanto a Freira faz a Faxina da Maloca
Depois do
almoço muitos índios descansam nas redes enquanto assistem à franzina Leda
fazer sozinha a faxina do pátio – por estes dias, ainda recolhendo entulhos do
incêndio criminoso do alojamento das visitas, incêndio este provocado já se
sabe por quem.
Só a freira trabalhando e o resto da missão dormitando parece confirmar aquela velha lição escolar de que índio não gosta de trabalhar. Mas não é o que parece. O negócio do Surumu é educação. Dias atrás, durante a visita do repórter, enquanto a turma das redes cochilava, 12 adolescentes estavam estudando nas oficinas depredadas pelos jagunços. A advogada amazonense Marceli de Souza, voluntária nacional, dava aula para formar ecoxiitas: “O que significa CONAMA?” Aí ela explicava tintim por tintim a estrutura do Conselho do Meio Ambiente. O Surumu forma técnicos agrícolas, para gerenciar as fazendas que a reserva poderá ter. E ambientalistas, para dar um jeito na sujeira em que ela está. Depois, mesmo sem diploma, os formandos irão às malocas repassar tudo aos demais. Qual é a desses estrangeiros em educar jovens brasileiros? A irmã Leda devolve a pergunta:
Como é que você quer que elas aprendam alguma coisa? Ficando sentadas esperando passar um ônibus escolar que nunca virá? Estes jovens não querem ficar abandonados nos grotões. Quando o governo aparecer para fazer seu papel, vou embora para onde precisarem de mim. (JDB, N° 323)
Correio
Braziliense - n° 16.197
Brasília, DF – Sábado, 22.09.2007
Floresta
de Cobiça
[Antônio Machado]
O próprio presidente Lula tem introduzido
esta suposta ameaça na agenda nacional. Esta semana, em Brasília, ao abrir o 2°
Encontro dos Povos das Florestas, ele declarou, com ênfase, que “a Amazônia tem dono”. Por que ratificou
o que é líquido e certo?
Foi retórica apenas ou há quem
duvide da inviolabilidade das nossas fronteiras? É certo que, ultimamente,
dirigentes de governos europeus tem se manifestado pela internacionalização da
região ou oferecido ajuda para protegê-la da exploração predatória e preservar
nestes tempos de conjecturas sobre o aquecimento global o maior “pulmão verde” do mundo.
Lula teria ouvido algo assim em
seu giro de uma semana à Europa, encerrado na véspera desta fala enigmática?
Seu discurso sugere que sim. “Tem gente
que pensa que lá não mora ninguém”, afirmou o presidente. “Lá moram 23 milhões. Não é terra de ninguém.
Me recuso a aceitar lições de qualquer governante de como o Brasil tem de
preservar a sua floresta”.
Ele voltará a tratar de meio
ambiente em Nova York, esta semana, ao participar da Assembleia Geral das
Nações Unidas. E vai suprido de dados, como antecipou, citando estudo da
EMBRAPA segundo o qual há 8 mil anos 9% das florestas do mundo estavam aqui.
Hoje, 29,5%.
“Eles acabaram com as deles”, disparou. Apesar de tudo o que foi
derrubado e ocupado, a região ainda preserva, segundo ele, 69% da floresta
original. Noutro sinal de que há cobranças externas, Lula declarou que esta “discussão vai acontecer daqui para frente em
todos os fóruns”. “É um enfrentamento
que teremos que fazer para defender aquilo que é nosso”, disse.
O discurso do presidente não poderia ser
outro. A Amazônia é inviolável. O ideal talvez fosse fechá-la radicalmente,
impedindo qualquer atividade econômica em seu espaço, à exceção, talvez, da
exploração de minérios em sítios bem delimitados.
O governo optou pela exploração programada e
restrita da madeira, o que implica o risco de legalizar a devastação se falhar
a fiscalização, e levar saneamento a “90%
das comunidades indígenas”.
Todo Mundo de Olho
Não condiz com o bom senso a
entrega da Amazônia, embora no QG da União Europeia, em Bruxelas, a ideia da
internacionalização seja discutida quase que abertamente. Nos EUA, oficialmente
o governo Bush ignora a questão. Lá, as discussões são quentes entre grupos
políticos, ONGs e em universidades. Às vezes, alguém perde as estribeiras, como
o comissário europeu para Comércio, o inglês Peter Mandelson, afirmou que o “Brasil tem que responder pela grave
destruição da floresta Amazônica”.
ONGs nos EUA, segundo denúncia
levada em junho por deputados ao Itamaraty, estariam fazendo coletas para
comprar terras no Amazonas e Pará. Onde há fumaça, pode haver fogo, não só das
queimadas de posseiros, atrás dos quais vêm os grileiros, o boi e a turma da
soja.
Todo cuidado é pouco. O Itamaraty
instruiu, no último dia 14, o embaixador na ONU a votar a favor de resolução,
aprovada com 11 abstenções e os votos contrários de EUA, Canadá, Austrália e
Nova Zelândia, que reconhece um status de consequências imprevisíveis: o direito dos indígenas à sua autodeterminação. É
encrenca.
Governos Indígenas
Para Lula, é “com orgulho” que
o Brasil já pratica o que a ONU aprovou. Parece
que ele não foi suficientemente informado
sobre tal decisão. A resolução estabelece que os povos indígenas possam
criar instituições políticas, sociais, econômicas e jurídicas próprias e veta
operações militares em seus territórios. O que isto significa: um governo
autônomo? Há quem entenda assim. O veto às Forças Armadas nestes territórios não fere as
cláusulas pétreas da Constituição?
O Congresso deveria elucidar o
assunto. Reconhecer os direitos das populações nativas à terra, cultura e
valores sociais é uma coisa.
Outra é “desenvolver formas próprias de governo e reafirmar suas instituições jurídicas”,
como entendeu o vice-presidente do CIMI, Conselho Indigenista Missionário,
Saulo Feitosa, ouvido pela Agência Brasil.
A declaração votada pelo país não
é um marco legal obrigatório, mas abriu caminho para um texto mais forte, de
aplicação obrigatória aos países membros da ONU: a Convenção Internacional para
os Povos Indígenas. Já há mais de 10 milhões de hectares demarcados de terra
indígena no país, entre elas a imensa Reserva Raposa Serra do Sol [...]. Nela,
há cerca de 15 mil índios, e arrozais de fazendeiros que se recusam a sair.
É mais que oportuno discutir se
esta área poderia usufruir alguma espécie de autonomia, quem estaria à sua
frente – os índios ou as ONGs que os apoiam? –, e se as fronteiras ficariam sem
nenhuma vigilância. Sem um debate nacional é que não pode ser. (CBRAZ, N°
16.197)
Bibliografia
CBRAZ, N° 16.197. Floresta de Cobiça – Brasil –
Brasília, DF –
Correio Braziliense, n° 16.197, 22.09.2007
JDB, N° 323. Uma
Holanda para 500 Índios – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Brasil,
n° 323, 25.02.2007
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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