Sexta-feira, 17 de julho de 2020 - 10h37
Bagé, 17.07.2020
O Despertar de um
Canoeiro
EsAO (1985), Rio de Janeiro, RJ
Estava cursando, em 1985, a EsAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais) no Rio de Janeiro, RJ, quando um triste acidente alterou profundamente minha história de vida. No dia 07.09.1985, fui até o apartamento do meu caro amigo e irmão Carlos Alfredo Maiolino de Mendonça para convidá-lo para uma corrida e o encontrei assistindo o desfile pela televisão, depois de muito relutar o Maiolino aceitou o convite e foi correr comigo de pés descalços pois havia deixados seus tênis na Escola de Aperfeiçoamento.
Nesta ocasião fomos atropelados por um “fusca” pilotado por um escrivão da polícia aposentado bêbado. A Avenida Duque de Caxias possui uma pista tripla para cada sentido, duas para veículos e as centrais, que margeiam o canteiro central, exclusivas para tropa e comboios militares, em princípio, uma via segura onde dificilmente deveria ocorrer um atropelamento.
Após nos atropelar o
bêbado fujão foi interceptado pela PE e se desculpou dizendo que pretendia
apenas “tirar um fininho para nos
assustar”. O Maiolino foi seriamente atingido, fissurando a tíbia e
sofrendo escoriações nas costas e na testa e eu quase perdi a vida, hemorragia
interna, três costelas e a tíbia quebradas, três vértebras lesionadas e sérias luxações
nos joelhos e ombro esquerdo. Perdemos os sentidos logo após o choque e
acordamos no bloco cirúrgico do Hospital Central do Exército (HCE). Tínhamos
sido socorridos por outros companheiros que também corriam na avenida e
acionaram imediatamente os socorristas.
Nossas esposas foram
informadas da ocorrência pelos colegas de turma Capitães Carlos José Sampaio
MALAN e Wandocyr Edi Mori ROMERO que as encaminharam imediatamente ao Hospital
onde minha esposa Neiva, orientada por eles, autorizou uma laparotomia
exploratória para conter a hemorragia interna.
Nesta época
comandava a 1ª Companhia de Engenharia de Combate Paraquedista (1ª Cia E Cmb
Pqdt) meu caro amigo e “Guru” o então
Capitão de Engenharia GILBERTO Machado da Rosa que tinha sob seu comando uma
tropa de elite, meus ex-Cadetes 1° Ten BRÁULIO de Paulo Machado, 1° Ten Carlos
Alberto MAAS, 2° Ten Júlio César de ARRUDA (hoje Comandante Militar do Sudeste),
2° Ten José Luís de PAIVA e 2° Ten Marcelino José Neves de FARIAS. O comando da
1ª Companhia colocou um motorista à disposição de minha esposa e genitores, que
tinham vindo de Porto Alegre, RS, para desloca-los, todos os dias, da Vila Militar
até o HCE no meu carro, uma Chevrolet Marajó SL 1.6 1985.
Depois de um longo
período na UTI, e outro tanto em um quarto privativo no Hospital, quase dois
meses, voltamos para nossos apartamentos na EsAO determinados a enfrentar mais
um desafio que se apresentava – não perder o curso por falta de frequência. O
Maiolino foi apoiado nos estudos por colegas de turma enquanto eu pude contar
com a solidariedade de um caro instrutor, o então Capitão Adélio Cunha
CHIBINSKI, que antes mesmo de minha alta visitava a família para tranquiliza-los.
O Cap CHIBINSKI
ministrou aulas e aplicou provas em minha residência já que em decorrência de
minha condição física não tinha condições de participar das atividades
regulamentares do curso. Desconhecendo o nome completo de meu dileto instrutor,
da EsAO, Cap CHIBINSKI, recorri ao meu caro amigo Coronel de Engenharia Higino
Veiga Macedo que sanou minha dúvida acrescentando:
1° A gratidão. Parabéns pela humildade. A
gratidão é um valor humano pouco praticado nesses tempos de muita
individualidade. Vivemos momentos em que os jovens pensa que o mundo foi feito
só para eles e não conseguem ver no semelhante um companheiro de viagem. Por
não aprenderem o que seja gratidão, agridem, ofendem, desrespeitam. Demonstrou
elevadíssima gratidão ao CHIBINSKI... Tomara que tenhas oportunidade de levar
esse sentimento até ele.
2° O
Reconhecimento. Nos momentos difíceis é que se vê o valor humano de cada
um. Nem sempre a rotina surda dos quartéis é suficiente para aclarar os reais
valores humanos de cada um. Valeu para aliviar todas as mazelas do ano de 2020
o seu depoimento. Fiquei emocionado. (Higino V. M.)
Mais tarde quando já
podia caminhar, mas ainda com certa dificuldade e muita dor, assistia as
sessões de educação física sentado, uma deferência muito especial por parte dos
instrutores, pois estava na iminência de perder o curso por pontos perdidos em
razão das faltas.
Felizmente o Grande
Arquiteto do Universo, observando o fio da vida sendo tecido pelas lúgubres
irmãs moiras, antecipou-se, no dia 06 de junho deste mesmo ano, presenteando-nos
com um garotinho lindo chamado João Paulo que viria fazer companhia às nossas
filhas Vanessa e Danielle abrandando significativamente nossas aflições.
Da EsAO fui transferido para o CPOR/PA graças à intervenção do General de Exército Edison Boscacci Guedes, então Chefe do Departamento Geral do Pessoal, grande amigo de meu pai, ciente de que eu precisava ser classificado em um grande centro que oferecesse instalações hospitalares capazes de realizar as diversas cirurgias corretivas (foram onze no total) que necessitava fazer.
CPOR/PA (1986) – Porto Alegre, RS
A consciência da mesma missão, da defesa da Pátria,
a comunhão dos mesmos princípios e virtudes militares, a vida e as tradições
comuns são fatores de camaradagem que levam, se necessário, ao sacrifício da
própria vida. Os desafios do combate exigem que entre os soldados a força da
amizade se chame “camaradagem”. Este sentimento, que se deve projetar no todo
coletivo a fim de alicerçar um forte Espírito de Corpo, é a base do bom viver e
da coesão de um Exército. O engrandecimento, o prestígio e a eficácia de uma
instituição depende, em grande parte, do “Espírito de Corpo”. Quer no dia a dia,
quer no ardor da luta, o querer coletivo e o sentir-se mais do que si próprio é
que conduz à vitória porque sempre quer bem a seu amigo, nunca o contrário e
assim deseja fazer-lhe o bem por todas as formas. Nunca sentindo entre nós
inveja, desordenada cobiça, avareza, desejo ou mostrança de sobranceria. (D.
Duarte – Século XV
O então Ministro do
Exército Leônidas Pires Gonçalves idealizou o Programa de Modernização e
Reaparelhamento do Exército Brasileiro. Novas Organizações Militares foram criadas,
Quartéis construídos, compraram-se e desenvolveram-se equipamentos sofisticados
enquanto os antigos aquartelamentos, viaturas e armamentos careciam de
manutenção e reparo. Tecnologia de ponta e novas instalações para um Exército
do futuro que deveria ser operado por uma tropa, na oportunidade,
desprestigiada e mal remunerada. A situação entre os nossos graduados era a
mais caótica. Nos grandes centros eles e suas famílias moravam em favelas onde
sofriam ameaças constantes de traficantes. A defasagem do valor das
indenizações de moradia era muito grande. A tropa estava em pé de guerra – uma
série de manifestações eclodiram por toda Nação embora a maioria delas
raramente tivesse a devida repercussão nos meios de comunicação social.
Nesta época eu era
Instrutor-chefe do Curso de Engenharia do Centro de Preparação de Oficiais da
Reserva de Porto Alegre (CPOR/PA) e acompanhava, preocupado e perplexo, junto
aos meus subordinados os acontecimentos que pipocavam pelo Brasil afora.
Naquele ano, mais de cem Cadetes pediram exoneração do Exército em virtude dos
baixos salários. Os jovens militares anexaram ao seu pedido de demissão a cópia
do contracheque de um motorista de ônibus da “Viação Cometa” que ganhava, na época, mais do que um oficial em
início de carreira. Como resultado o concurso para Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN), naquele ano, apresentou uma sensível queda no número de candidatos.
Resolvi tomar uma atitude.
Depois de explicar a
meus familiares e subordinados quais as consequências disciplinares
inevitáveis, sem alarido, sem encaminhar manifestos à mídia, como pensara
antes, tentei motivar os Capitães da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
(EsAO) para que estes, disciplinadamente, fizessem com que as vozes de nossos
aflitos camaradas chegassem aos ouvidos das autoridades militares.
Enviei uma missiva a
um colega de turma (Capitão de Engenharia Patrick Lira Tubino) para que ele
solicitasse permissão do instrutor e a lesse em sala de aula, o que foi feito. Ao
mesmo tempo enviei uma série de cartas, todas datilografas pelo Sargento
Barcelos, meu sargenteante, a ex-Cadetes e companheiros de turma explicando o
porquê de minha conduta.
Recebi apoio de
alguns e críticas de outros, mas todos, sem exceção, hipotecando solidariedade
à minha pessoa porque conheciam minha vida pregressa e meu “incorrigível idealismo”. Sempre pautei
minha vida e conduta profissional visando o cumprimento da missão e o coletivo,
jamais pensando mesquinhamente na minha situação ou na minha carreira.
Recebeu uma das minhas
missivas, o Tenente Eng “SF” (meu
ex-Cadete e S/2 de uma Companhia sediada no Paraná) que, não sei com que
intuito, resolveu mostrar a carta, que era de cunho estritamente pessoal e
confidencial, ao Comandante da sua Companhia de Engenharia de Combate ‒ Capitão
Eng “F” (meu colega de turma ‒ AMAN
75), que, sem considerar que se tratava de um documento particular,
imediatamente a encaminhou ao Centro de Informações do Exército (CIE) que
trabalhava e ainda o faz com Operações de Inteligência e de Contra-inteligência
na Força Terrestre.
Evidentemente essa
atitude intempestiva e desditosa, era totalmente desnecessária, pois eu
informava, na mensagem, que encaminhara à EsAO, que se tratava de uma “Carta Aberta” que de imediato seria levada
ao conhecimento do Comandante da Escola e que, fatalmente, acarretaria nas
devidas, necessárias e esperadas sanções disciplinares.
Fiquei sabendo do
encaminhamento da carta ao CIE através do General-de-Exército Edison Boscacci
Guedes, então Comandante do Comando Militar do Sul (CMS), que fora “bixo” na Escola Preparatória de Porto
Alegre de meu pai ‒ Coronel Cassiano Reis e Silva. O Gen Guedes Chamou meu
progenitor ao seu gabinete, no Quartel General do CMS, sediado na Rua da Praia,
e mostrou a ele, indignado com a atitude de meu colega de turma, o documento do
que recebera do CIE.
Antes disso eu já
fora ouvido pelo Comandante do CPOR/PA Coronel de Engenharia Sérgio Antônio
Rocha que já mandara publicar em Boletim Interno quatro dias de prisão. O Coronel
Rocha, depois de ouvir minhas razões, entendera minha altruística manifestação
deixando isto patente no texto inicial da punição:
‒ Por ter enviado, ainda que movido por elevados
ideais, carta aberta...
Na oportunidade o
Coronel Rocha quis saber por que eu não levara ao seu conhecimento meu
desiderato e eu lhe informei que não o fizera para não envolvê-lo na questão e
para não agravar ainda mais minha falta disciplinar já que tinha certeza de que
ele tentaria demover-me de cometê-la eu não iria, absolutamente, obedecer à sua
ordem. O Ministro Leônidas, ao saber da decisão do Comandante do CPOR/PA em
punir-me com apenas com quatro dias de prisão, determinou que o Comandante do
CMS agravasse a minha pena para 20 dias e exonerou-me da função de Instrutor-Chefe
do Curso de Engenharia, a bem da disciplina, transferindo-me para o 9° Batalhão
de Engenharia de Combate (9° B E Cmb), Aquidauna, MS. Fiquei confinado ao
quartel do CPOR/PA onde, nos fins de semana, os camaradas do CPOR/PA e de
outros Quartéis vinham me visitar e assar um churrasco confraternizando em um
ambiente de franca cordialidade.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H