Terça-feira, 21 de julho de 2020 - 08h51
Bagé, 21.07.2020
O Despertar de um
Canoeiro
9° B E Cmb (1987/89) – Aquidauana, MS
Até hoje agradeço ao
Grande Arquiteto e ao Ministro Leônidas, minha transferência compulsória para
Aquidauana que me permitiu estabelecer novas amizades e robustecer antigas. Tivemos,
sem sombra, de dúvida um grande responsável pelo incrível ambiente de trabalho
que reinava no 9° B E Cmb e a salutar integração com a sociedade aquidauanense
que frequentava o Clube Militar, sem quaisquer restrições. Os civis
participavam ativamente de diversos eventos que eram coordenados em conjunto
com o Batalhão. A grande figura humana, o artífice de todo este processo foi,
sem sombra de dúvida, o General de Divisão Nelson Borges Molinari, na época
Coronel Comandante do 9° B E Cmb com quem assumimos uma eterna e impagável
dívida de gratidão.
Quando me apresentei,
em dezembro de 1986, em Aquidauana achei que tendo sido preso e deportado pelo
então Ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves o Comandante do Batalhão
não me veria com bons olhos. O então Coronel Molinari imediatamente desfez esta
imagem convidando-nos para passar o Natal em sua residência.
O Rio Aquidauana e o
Taquarussu me seduziram e navegava extasiado curtindo as paisagens. No final de
1987, participei, pela primeira vez, de uma prova de canoagem, desta feita do “1° Santa Delfina”, uma descida de 60 Km desde
Palmeiras, Distrito de Dois Irmãos do Buriti, até a Ponte Velha-Prainha, em
Santo Anastácio, MS, cidade vizinha de Aquidauana.
Cheguei em terceiro
lugar na prova, mas perdi uma colocação, passando para 4° lugar, por ter
desviado de uma das cachoeiras, à pedido da esposa. Quando o resultado foi
divulgado pela imprensa local fui estimulado por empresários da região (Chevrolet,
Skoll e Farmácia Princesa do Sul) a me tornar canoísta profissional e
posteriormente, graças a isso, sagrar-me campeão Mato-grossense, por
antecipação, em 1989. Em 1988, tinha participado, como oficial de engenharia,
da “Operação Guavira” deixando de
participar de três provas do Circuito de Canoagem perdendo, em virtude disso, o
campeonato.
Volta e meia, engarupado
na memória das minhas lembranças mais recentes, gineteando ilusões rompo as
barreiras temporais, ultrapasso fronteiras e vislumbro, por fim, a fantástica
serra de Maracaju e além dela minha cara e saudosa Aquidauana, debruçada à
margem direita do homônimo Rio, onde como Capitão e Major de Engenharia tive a
ventura de integrar, os quadros do glorioso 9° Batalhão de Engenharia de
Combate (9° B E Cmb) ‒ Batalhão Carlos Camisão. Deus escreve certo por linhas
tortas, um atropelamento, uma punição e uma transferência a bem da disciplina
mostraram-me uma nova rota, a da canoagem esportiva e um consequente maior
apego, ainda, à natureza.
Projeto Desafiando o
Rio-mar – Treinamento
Em 2008, depois da
medicina esgotar todos os recursos possíveis para recuperar a saúde da esposa
que sofrera, no dia 08.01.2004, uma AVC hemorragia, agravada mais tarde por uma
imperícia médica acobertada por seus comparsas profissionais civis e militares
do HGPA (hoje HMAPA), concluí que havia chegado o momento de apelar à
intervenção divina, de abandonar, ainda que temporariamente, o púlpito e
abraçar a causa amazônica com mais determinação. Desejava ver de perto
novamente aquelas paragens, sua natureza pujante, sentir as necessidades dos
povos da floresta e perquirir sua riqueza cultural.
Queria trazer a
realidade Amazônica sem mistificações, sem a mácula dos derrotistas,
contrapondo-me às notícias vinculadas pela mídia nacional e estrangeira muitas
vezes sensacionalista e irresponsável, denunciando não só as agressões ao meio
ambiente e aos povos da floresta, mas trazendo a público os projetos que estão
sendo desenvolvidos pelos governos regionais e instituições federais e que
servem de modelo para outros países. Para colocar isto em prática decidi aliar
minha vivência amazônica e a canoagem.
Irmão Guaíba, Minha Raia
Ama as águas! Não te afastes delas! Aprende o que
te ensinam! Ah, sim! Ele queria aprender delas, queria escutar a sua mensagem.
Quem entendesse a água e seus arcanos – assim lhe parecia – compreenderia muita
coisa ainda, muitos mistérios, todos os mistérios. (HESSE)
O Rio Guaíba me
acolheu, desde o início, com carinho e embalado por suas vagas, nem sempre ternas,
naveguei por quase dois anos solitariamente. Foram mais de 2.000 horas
usufruindo das suas belezas naturais e enfrentando todo tipo de obstáculos. Com
humildade aprendi com as águas, com os ventos, comecei a entender suas
mensagens sutis observando as nuvens, os pássaros e os insetos. Aprendi a
reconhecer minha capacidade e minhas limitações, a fazer companhia a mim mesmo
e me alegrar com isso, a refletir sobre minhas ações e omissões. A declamar
poesias enquanto navego, educando a respiração enquanto pico a voga.
Meu pai, carioca de nascimento
e gaúcho de coração, me presenteou, no meu aniversário de 7 anos, com a 1ª
edição do livro “De fogão em fogão”
(1958) em que o Jayme Caetano Braun ensinava, através de sua gaudéria poesia, a
beleza da vida campeira, a altivez dos gaúchos e as maravilhas da natureza
local.
Desde então as
poesias do “Payador” tem me
acompanhado nas minhas rotas infindas e me inspirou para colocar no logotipo do
projeto a imagem do “Galo de Rinha”,
minha poesia preferida, mas me pareceu que nos dias de hoje, o símbolo podia
ser mal interpretado pelos talibãs da seita do “politicamente correto”. O símbolo mostraria a força do “guasca vestido de penas” e não seria,
jamais, uma apologia às brigas de rinha. Identifico-me, por demais, com a
última estrofe do “Galo de Rinha” e
acho que esta poesia do “Andarengo”
tem uma energia muito grande que eu gostaria de ter usado no projeto.
Porque na rinha da vida
Já me bastava um empate!
Pois cheguei no arremate
Batido, sem bico e torto
E só me resta o conforto
Como a ti, galo de rinha
Que se alguém dobrar-me a espinha
Há de ser depois de morto!
Depois de pesar os
prós e os contras, aderimos à imagem do quero-quero, o Sentinela dos Pampas,
que também é lembrado na poesia do inspirado poeta.
O próprio Deus Rio-grandense
Que te deu esse penacho
E a parada de índio macho
Que tão soberano ostentas,
Fez o pampa onde sentas
Das revoadas interminas,
Que fez o rancho e as chinas
A tapera e o umbu,
Não fez outro como tu,
Velho guardião das campinas!
Foram intermináveis
horas de aprendizado com o Rio e sempre, em cada momento, senti a presença de
uma “Força” mágica me conduzindo e
apoiando. Não raras vezes, depois de remar de 40 a 50 km, de 5 a 7 horas,
encontrava energia para, nos últimos 10, acelerar o ritmo procurando melhorar o
tempo. Era como se a “Força”
canalizasse os ventos para a popa do caiaque e me impulsionasse! Sentia uma
estranha energia fluindo do casco para o convés, me envolvendo, e afastando de
mim o cansaço e o desânimo. Como posso temer algo se “Ele” está comigo e, em última instância, se alguma fatalidade
acontecesse, acho que seria uma boa morte e em boas companhias.
Ao realizar minhas
viagens solitárias pelos ermos dos sem fim, consigo entender os mistérios da
minha alma, desvendar os segredos mais ocultos de meu ser, afogar minhas mágoas
nas amigas águas e compreender o incompreensível de meu cotidiano. Amada mãe
Terra navegando pelos caminhos que andam, afasto-me do mundo real e mergulho na
tua essência mística, deixo o limitado pragmatismo de lado e penetro na tua
fluidez infinita. Meu nível de consciência se altera, afastando de mim o
cotidiano insano e permito que as ondas me conduzam a uma nova realidade
materializada pelas cálidas vagas que me embalam. Uma estranha solidão invade
meu íntimo e a onírica experiência faz com que assumas uma nova forma de vida.
De repente, se
estabelece uma relação única entre nós e, tu e eu, somos um só. Sinto como se
regredíssemos ao útero da mãe Terra, um morno e profundo silêncio nos envolve e
ao longe avistamos, por trás da bruma que se desfaz – a Terceira Margem. Nas
tuas águas, meu amigo e irmão, afogo meus desesperares, meus desencantos, meus
amores sofridos. No aconchegante embalo de tuas ondas encontrei forças para
perseverar e enfrentar minhas angústias e meu desânimo. Tua imensidão me abraça
e conforta, tuas tranquilas águas me acalmam e me aproximam da Terceira Margem.
Tuas águas revoltas
mostram a rota da humildade que devo seguir e a névoa que te cobre nas manhãs
de inverno trazem sinais de esperança nos horizontes que aos poucos se revelam.
Bibliografia
BRAUN, Jayme Caetano. De Fogão em Fogão – Brasil – Porto Alegre, RS – Editora Sulina,
1958.
HESSE, Hermann. Sidarta
– Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Ed. Record, 2000.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com
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