Terça-feira, 28 de julho de 2020 - 08h15
Bagé, 28.07.2020
Momentos
Transcendentais no Rio Solimões
Parte I
Depois de navegar
centenas de quilômetros observando, ora a generosidade plena deste manancial de
água doce, ora seu poder de promover profundas mudanças na geografia da terra,
começo a entender-lhe o espírito. Sua generosidade se manifesta na oferta de
pescado farto e de boa qualidade aos ribeirinhos, como via de acesso aos mais
inóspitos rincões, na fertilização das várzeas que, por ocasião da vazante,
propiciam o plantio fácil e colheita abundante.
Sua força, seu poder
destruidor estão presentes nas barrancas solapadas pela corrente voraz e na
vegetação arrastada violentamente para outras plagas. Sua arrogância é capaz de
destruir em poucos dias Ilhas que levou anos para criar, de alterar os canais
abandonando cursos já consagrados para experimentar novos rotas por puro e
simples capricho. É a “inconstância
tumultuária” do Rio adolescente relatada por Euclides da Cunha. O Rio, cujo
avô formidável corria para Noroeste e desaguava no Pacífico nas priscas eras da
Pangea ([1]).
O Rio que teve como pai o Lago Pebas ([2]),
quando os continentes se separaram e suas águas foram barradas pela Cordilheira
dos Andes que se formou.
Talvez o Solimões,
herdeiro destes extraordinários colossos, queira mostrar a todo Universo sua
força e o faz afrontando tudo à sua volta, provocando alterações profundas na
natureza e na vida dos ribeirinhos.
Mário Quintana
Quando a árvore dos poemas não dá poemas, seus
galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos. Os galhos desnudos,
ressecos, sem o perdão de Deus! E, depois, meu Deus, essa lenta procissão de
almas retirantes… (Mário Quintana)
Perguntaria,
intrigado, o leitor, como recordar Mário Quintana, um poeta citadino, no
coração da selva hostil. A lembrança me veio ao avistar os formidáveis colossos
arbóreos tombados junto às margens. Troncos e galhos desfolhados e
esbranquiçados pelo tempo imitavam a agonia das “mãos de enterrados vivos” do Quintana ([3]).
Evolução das Espécies
Lembrar Charles
Darwin talvez seja mais racional ao divagarmos sobre a adaptação da “Amazônica Biodiversidade”. As árvores
tombam com facilidade porque as raízes que as sustentam são por demais superficiais.
O solo pobre não as estimula a procurar nutrientes, aprofundando suas raízes.
Algumas árvores, porém, mais sábias, mais adaptadas ou evoluídas, se utilizam
de verdadeiros estais para procurar manter sua estabilidade que, na região, são
chamados de sapopemas e, para sobreviver, parcialmente submersas, raízes
respiratórias.
Há uma profusão de
plantas flutuantes, como o capim-memeca, canarana, alface d’água e o aguapé,
que descem os Rios em enormes Ilhas flutuantes por ocasião das chuvas ou das cheias.
Sobre estas exuberantes Ilhas flutuantes vivem diversas espécies de insetos
enquanto nas águas criam-se enormes populações de mosquitos e outros dípteros
importunos. A mata que sofre inundação por Rios de águas brancas costuma ser
chamada de “várzea”, enquanto as
banhadas pelas águas pretas e claras (ou azuis), de “igapós”. A várzea é muito mais rica em decorrência dos nutrientes
carreados pelas águas.
Em relação à biota
aquática, os Rios de água branca são ricos em peixes, enquanto os Rios de água
preta são “Rios da fome”.
Irmãos de todos os
Matizes
As pesquisas de
Harald Sioli, fundador da ecologia tropical alemã, antigo diretor do
departamento de Ecologia Tropical do Instituto Max-Planck de Limnologia, e
Wolfgang Junk, mais recentemente, do mesmo instituto, são dois limnologistas
que trataram da classificação das águas amazônicas, levando em conta suas
características físico-químicas e ecológicas. Sioli navegou pelas nascentes dos
Rios da Amazônia, na década de 50, e coletou informações inestimáveis. Como
Wallace e, outros antes dele, classificou-os em Rios de águas brancas, Rios de
águas pretas e Rios de águas claras. Junk, trabalhando com o Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia, INPA, na década de 70, deu continuidade às pesquisas
limnológicas na região.
Rios de Águas Brancas
Essas águas
transportam grandes quantidades de sólidos suspensos, como magnésio e cálcio, conferindo-lhe
uma aparência lamacenta, amarelada ou ocre, muito turva, e uma baixa
visibilidade.
Possuem pouco
material orgânico e grande quantidade de sólidos, tornando-as levemente
alcalinas ou neutras. As águas brancas têm origem nas nascentes andinas e, como
as rochas andinas, são, geologicamente, relativamente novas, desagregam-se
facilmente; em consequência das condições climáticas e do relevo, essas
partículas são carregadas pelas chuvas para os Rios, que as transportam até a
planície amazônica. Nas margens dos Rios de água branca, observam-se áreas de
várzea férteis propícias para a agricultura. A várzea é o resultado de
periódicas inundações e da deposição de nutrientes carregados pelas águas.
Rios de Águas Pretas
Os Rios que nascem
em áreas de sedimentos terciários são da cor do chá preto. Essas águas são, na
sua grande maioria, ácidas, em decorrência da presença de grandes quantidades
de substâncias orgânicas dissolvidas, oriundas de solos arenosos cobertos por
vegetação. Em regiões de relevo plano, em baixas altitudes, as chuvas removem
do solo as partículas minerais mais finas junto com o material orgânico e
formam solos arenosos, denominados podzóis. O processo, chamado podzolização,
produz uma camada superficial de solo, areia branca, formado, especialmente, de
grãos de quartzo.
Rios de Águas Claras (ou Azuis)
Os escudos do Brasil
Central, ao Sul, e das Guianas, ao Norte, são compostos por rochas de formações
geológicas muito antigas, e os Rios que têm suas nascentes nessas áreas, de
relevo geralmente plano e regular, apresentam pequenas taxas de erosão. As
águas têm pequenas quantidades de material suspenso e, em consequência, pobres
em nutrientes, e aspecto cristalino. Suas colorações variam do verde-claro ao
verde-oliva e podem variar de ácidas a levemente alcalinas.
Variantes
Os três tipos
básicos de água se fazem acompanhar por variantes, decorrentes da mistura entre
Rios que drenam regiões diferentes ou de variações sazonais, determinadas por
quantidades maiores ou menores de chuva. Diversos Rios na Amazônia apresentam
dificuldades na sua classificação, sendo necessário conhecê-los em toda a sua
extensão e nas diferentes épocas do ano para não incorrer em erro.
Controverso Japurá (mistura entre Rios)
Na confluência Japurá observa-se um fenômeno ainda
mais extraordinário. Antes que esse Rio se junte ao Amazonas, este, que é o
reservatório geral, envia três ramos, o Uaranapu [Aranapu], o Mnhama [Manaã] e
o Avateparaná [Auti-Paraná] ao Japurá, que entretanto é apenas seu tributário.
O astrônomo português Ribeiro comprovou esse fato. O Amazonas fornece assim
águas ao Japurá antes de receber esse afluente em seu seio. (Friedrich W. H.
Alexander Freiherr von Humboldt)
O Rio Japurá é um
Rio de águas claras que começa a ser corrompido pelas águas do Rio Auti-Paraná,
na altura da Cidade de Maraã, mais adiante, ele recebe uma nova carga de água
do Solimões no seu leito, através do paraná Aranapu. A tonalidade da água do
Japurá tem provocado uma confusão, na sua classificação, se observado apenas na
sua confluência com o Solimões. É necessário que se observe, portanto, o Rio à
montante de Maraã para classificá-lo corretamente.
Controverso Rio Branco (variação sazonal)
O Rio Branco, como o
próprio nome sugere, assim se chama em decorrência do material suspenso,
transportado das montanhas, que confere cor branca às suas águas, no período
das chuvas. Na seca, porém, as águas ficam transparentes.
Planícies Alagadas
A cordilheira dos
Andes é responsável pela maior descontinuidade climática da América do Sul.
Desertos de um lado e vegetação luxuriante de outro. A grande responsável pela
manutenção dessa vegetação são as chuvas. Grande parte delas é formada no
Oceano Atlântico e empurrada pelos ventos alísios.
Mamirauá
As chuvas não são
distribuídas uniformemente durante o ano. No Mamirauá, a época das chuvas mais
intensas é a de dezembro a março, e o período da seca é de julho a outubro.
Esta variação no regime de chuvas provoca uma variação de até 12 metros no
nível das águas, fazendo com que toda a área da reserva fique submersa,
exigindo uma enorme capacidade de adaptação por parte da flora e da fauna
local.
Lagos
São mais de 600
Lagos já identificados, que servem de importante fonte de subsistência para as
Comunidades da reserva. O mais importante deles é o Mamirauá, que foi,
certamente, um meandro abandonado pelo Rio-menino que encontrou um novo caminho
mais retilíneo.
Como os sedimentos
trazidos pelo Rio se depositam continuamente nas restingas altas, elas podem,
no futuro, transformar-se em florestas de terra firme. Cada hectare da reserva
abriga “apenas” uma centena de espécies diferentes de árvores, em contaste com
as trezentas das de terra firme.
Isso demonstra que
as áreas de várzea não são capazes de sustentar os altos níveis de
biodiversidade das terras firmes, tendo em vista as adaptações que as espécies
tiveram de desenvolver ao longo dos tempos para sobreviver.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Pangea ou Pangeia: nome dado ao continente que, segundo a teoria
da Dderiva Continental, existiu até 200 milhões de anos, durante a era
Mesozoica e que, nessa altura, começou a se fragmentar.
[2] Lago Pebas: há aproximadamente 11 milhões de anos, a bacia
amazônica estava submersa num grande Lago (Pebas) que tinha saída para o Oceano
Pacífico. Com a deriva dos continentes e a consequente elevação da Cordilheira
dos Andes, as águas ficaram temporariamente represadas até que passaram a
correr para Leste, formando a Bacia amazônica e o Rio Amazonas desaguando no
Oceano Atlântico. A drenagem possibilitou que algumas das terras submersas
aflorassem.
[3] Mario de Miranda Quintana: poeta, tradutor e jornalista, nasceu em
30 de julho de 1906, na Cidade de Alegrete. Em 1915, concluiu o curso primário,
na escola Antônio Cabral Beirão na sua cidade natal. Aos 13 anos, em 1919, é
matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) em regime de internato. É
no CMPA que publica seus primeiros trabalhos na revista Hyloea, da Sociedade
Cívica e Literária do CMPA. (Hiram Reis)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII
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Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
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Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)