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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LI - Viagem da “Real Escolta” – VII


A Terceira Margem – Parte LI - Viagem da “Real Escolta” – VII - Gente de Opinião

Bagé, 24.09.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte X

 

Viagem da “Real Escolta” – VII

 

No dia 08.12.1749, por ser dedicado ao sagrado mistério da Conceição puríssima da Virgem Senhora, a cuja soberana proteção havíamos dedicado o Arraial da fábrica das canoas, de comum acordo se destinou a manhã deste dia a ouvir Missa somente e, com efeito, executado este projeto, se fez viagem só de tarde no rumo de Sueste e Sul, e com seis horas de caminho se andara duas léguas.

 

A 09.12.1749, principiando viagem, pelas 3 horas da manhã, se passou à parte esquerda do Rio, e foi prosseguindo caminho no rumo de Sul e, passada a primeira enseada, se continuou a Sueste na segunda, cuja ribanceira era alta de terra vermelha, e a meio barranco ([1]) saía uma fonte de água cristalina e de bom gosto, que se despenhava até o Rio; no fim desta terra desembocava um Lago, e defronte principiava uma Ilha, entre a qual e a terra mediava canal estreito e, passando ao mais largo, que era da parte direita, se navegou no rumo de Sueste, e logo ao Sul, onde portaram as canoas já noite na Praia de uma Ilha que havia no meio do Rio. Neste dia, em 12 horas de caminho, se andara 4 léguas nos referidos rumos.

 

No dia 10.12.1749, saindo da dita Ilha no rumo do Sul, logo se passou ao Sudoeste, e com três horas de caminho, em que se andara uma légua, se chegou neste rumo à Boca do Rio chamado Ji-Paraná ([2]) pelo idioma geral dos índios que, em Português, quer dizer Machado do Mar.

 

Este nome lhe puseram os colonos por acharem neste Rio uns mariscos semelhantes às ostras, cujas conchas lhes serviam para cortar paus miúdos. Por ser este Rio o maior que, até este lugar, se havia encontrado desaguar no Madeira, foi preciso fazer nele algum exame para se individuar ([3]), quanto fosse possível, a sua direção, grandeza, e altura do polo em que deságua. Entrega este Rio as suas águas ao Madeira por entre uma ribanceira alta: divide-se em dois braços por lhe dar esta figura uma Ilha de pouca largura, porém de dilatado comprimento, que correndo com o rumo do mesmo Ji-Paraná, dizem ser necessário dois dias de viagem para a vencer.

 

O canal da parte de Leste tem de largura na Boca entre a terra e a ponta da Ilha, 257 varas ([4]) portuguesas e, o da parte de Oeste, tem 177 ([5]), que todas fazem 434 ([6]) de Boca total do mesmo Rio, o qual navegando-se por espaço de duas horas mostrou ser o seu rumo Sueste, a Leste é a sua entrada. Observou-se a altura, e se achou estar a sua desembocadura em 9° de Latitude Austral. Sobre a origem deste Rio se fará algum discurso quando se tratar do Rio Jamari que se lhe segue.

 

Pelas 3 horas da tarde do mesmo dia se deixou a Boca do Ji-Paraná e, continuando derrota no rumo de Sudoeste, costeando a ribanceira esquerda de barreiras vermelhas as mais altas que até este passo se haviam encontrado; e sendo preciso atravessar o Rio para buscar a Praia de uma Ilha ([7]) encostada à parte Ocidental, se avistaram do meio do Rio no referido rumo umas serras, que representavam estar em bastante distância daquele lugar, e se averiguou serem aquelas, donde principiavam as Cachoeiras que de necessidade havíamos de encontrar. Portou-se com efeito na dita Praia já de noite, e com 4 horas de caminho no dito rumo se andara duas léguas.

 

A 11.12.1749 do mesmo mês de dezembro, saindo da referida Praia de madrugada no rumo de Sudoeste, se navegou à direita, e a 6 horas de caminho se achou a ribanceira, que se costeava, ser de pedra talhada e, logo no fim dela, desembocava um Riacho pequeno, que foi habitação dos gentios Torazes; que passaram vizinhas com os Muras, onde se lhes deu a guerra, de que já se fez menção. Defronte da ribanceira de pedra, na margem Oriental, desaguava um Lago ([8]) de pouca consideração. Fazendo-se no resto do dia caminho a Oessudoeste e Oeste, portaram as canoas na Ribanceira Ocidental ([9]) com 12 horas de viagem, em que se andaram 4 léguas, por se haverem encontrado neste dia formidáveis correntezas.

 

Dia 12.12.1749. Principiou-se a navegar a Oeste à parte direita, e a uma hora de caminho se chegou a uma ribanceira de pedra em que havia grande correnteza, e foi preciso retirar dela e buscar a margem esquerda, que se navegou com menos trabalho e, seguindo ao rumo do Sul, se achou desaguar por aquela parte um Riacho de pouca entidade. Fronteira à sua Boca, uma grande Praia, que já se ia povoando de arvoredo que, em breves anos, a constituirá Ilha: por entre ela e já a terra da parte direita se prosseguiu derrota no mesmo rumo do Sul, e antes de sair do canal se observou desaguar um Riacho, no qual esteve situada a Aldeia de Santo Antônio, e hoje se chama Aldeia de Trocano, de que já se fez menção.

 

Este Riacho se chama Aponiã, e por ele dizem haver boas terras para lavouras: não é caudaloso, e a sua direção é para Oeste. Logo se seguiu a passagem de 4 Ilhetas com suas praias, por entre as quais se dividia o Rio em vários braços, e pelo maior que era à parte direita saíram as canoas a enseada, e virando a ponta dela já noite portaram as canoas com onze horas de caminho, em que se andara 4 léguas nos ditos rumos de Oeste e Sul.

 

No dia 13.12.1749, ao rumo de Oeste, se principiou viagem por entre a terra da parte direita e uma Ilha chamada do Tucunaré, fronteira a ela era a ribanceira da parte esquerda de barreira vermelha, e no fim dela deságua o Lago chamado também Tucunaré; passada a Ilha deste nome, se seguiu logo outra, que se principia a formar em uma Praia no meio do Rio, por onde navegando ao Sul se avistou a Boca do Rio Jamari ([10]), para a qual se atravessou no rumo de Susudoeste, e pelas 10h00 se portou nela com 5 horas de caminho, em que se andaria 3 léguas sem correnteza.

 

Este Rio Jamari é de maior nome no Pará, do que outro qualquer dos que deságuam no Madeira, e a razão por que este Rio tem grande abundância de cacau silvestre, que os moradores do Pará vêm colher no tempo de estar sazonado, juntando-se para este efeito quatro e cinco canoas para incorporadas resistirem às invasões dos Muras e, quando não pode haver esta sociedade, toda aquela grande colheita se perde, exposta ao uso dos bárbaros e desperdício dos animais.

 

Entra-se neste Rio no rumo de Sueste, e depois a Leste até chegar ao Norte, encaminha-se outra vez ao Sueste, que será provável ter este por legítimo rumo. Esta conjetura se fez em 2 horas de caminho, em que se foi por ele acima logo que portaram as canoas. Não tem correnteza de consideração: as suas águas são cristalinas e gratas ao paladar, especialmente dos que andavam habituados à água turva do Madeira, que nas do Ji-Paraná e agora nestas do Jamari acharam uma transitória recreação. Deságua o Jamari no Madeira com 240 varas ([11]) portuguesas de largura na sua Barra, que se acha em 9°20’ ([12]) de elevação Austral, segundo constou pela observação do quadrante feita neste dia em horizonte bem proporcionado.

 

Nesta ocasião se discorreu a respeito das origens deste Rio e do Ji-Paraná, servindo de fundamento as notícias que davam dois moradores do Mato Grosso, que faziam viagem na escolta dizendo que, pelo rumo que levava o Madeira ao Poente, presumiam ser um dos dois Rios mencionados, um que com nome de Rio das Candeas tinha as suas cabeceiras ao Norte das do Rio Galera, que fazia Barra no Aporé, com a diferença que o Candeas de necessidade havia de cortar de Leste para Oeste a buscar o Madeira, a Leste de serrania geral, e a Oeste da mesma cordilheira; quase de Norte a Sul caminhava o Galera a entrar no Aporé; e o não haver nesta controvérsia é por se ter navegado todo, e o Candeas somente as suas cabeceiras.

 

Nesta dúvida se apelou para a experiência examinando toda a margem Oriental com atenção até se topar outra Barra de Rio, que igualasse com a dos dois antecedentes para dar mais opositores às origens do Candeas; aliás continuar no Ji-Paraná e Jamari a contingência referida. A seu tempo se tratará desta matéria com mais individuação e clareza.

 

Dia 14.12.1749. Continuou-se viagem no mesmo dia saindo da Boca do Jamari e, no rumo de Sudoeste, pela uma hora da tarde, se costeou à esquerda, e às 4 horas da tarde indo a rumo de Sul sobrevieram umas trovoadas grandes, que obrigaram a tomar Porto na Praia de uma Ilha ([13]) encostada à margem esquerda, e ali se pernoitou. Andaram as canoas pouco mais de uma légua. A razão que houve para a demora de quase um dia no Jamari foi porque além das averiguações que nele se fizeram, requereram os índios a limpeza da sua roupa, por não haver tão cedo esperanças de achar água limpa. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)

 

 

Bibliografia

 

G. FONSECA, J.. Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Meio barranco: Rio Maicimirim ‒ 07°58’34,7” S / 62°52’02,0” O.

[2]   Ji-Paraná: Foz – 08°02’51,7” S / 62°53’49,4” O.

[3]   Individuar: individualizar.

[4]   257 varas: 282,7 m.

[5]   177 (varas): 194,7 m.

[6]   434 (varas): 477,4 m.

[7]   Ilha: Assunção – 08°09’58,7” S / 63°01’57,6” O.

[8]   Lago: Igarapé das Abelhas.

[9]   Ribanceira Ocidental: meio caminho entre Rio Aponiã e Igarapé Prainha.

[10]  Boca do Rio Jamari: 08°26’57,0” S / 63°29’54,7” O.

[11]  240 varas: 264 m.

[12]  9°20’: 08°27’02,6” S.

[13]  Ilha: Maruins – 8°29’28,4” S / 63°34’02,9” O.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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