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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LII - Viagem da “Real Escolta” – VIII


A Terceira Margem – Parte LII - Viagem da “Real Escolta” – VIII - Gente de Opinião

Bagé, 25.09.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XI

 

Viagem da “Real Escolta” – VIII

 

No dia 15.12.1749, ao romper da manhã saindo da Ilha mencionada no rumo de Sudoeste se prosseguiu derrota costeando à esquerda e, passada uma pequena enseada, se entrou a navegar outra nos rumos de Sul e Sueste por entre uma Ilha e a terra, cuja ribanceira era de pedra que finalizava com uma restinga, em que havia grande correnteza, e para desvio dela foi preciso passar à direita; e no rumo de Sudoeste, ficando as pedras já pela popa, se passou outra vez à esquerda a horas de meio-dia, e no meio de uma pequena enseada de terra sólida desaguava um Regato ([1]), no qual logo à entrada esteve fundada a Aldeia já referida do Trocano, a primeira vez que se desceu a sua gente do mato, contiguo à segunda Cachoeira, de que depois se fará menção. Neste lugar se acharam ainda bastantes limões, laranjas bicaes ([2]) e outras frutas, que se produzem naquele lugar desde o tempo que ali houve a dita habitação. Daqui se buscou, no rumo de Sudoeste, uma Ilha grande, passada a qual portaram as canoas já noite na Praia da sua última ponta. este dia, com oito horas de caminho, se andara 3 léguas.

 

Dia 16.12.1749. No rumo de Oeste se principiou viagem costeando à esquerda; defronte da Praia desaguava, da parte direita, um Ribeiro de pouca nota ([3]), e logo na mesma enseada um Lago ([4]). Prosseguiu-se caminho no rumo de Sudoeste em um dilatada enseada e, passando à direita para livrar de grandíssima correnteza, se caminhou a rumo de Oeste, e nele se portou em uma Praia que havia no meio do Rio, na qual havia imensidade de criação de tartarugas de que se fez bastante provimento, e foi a última fartura que ofereceu o Madeira desta espécie de peixe, pois a não há daí para diante, em que principiam as Cachoeiras. Neste dia, em 6 horas de caminho, se andara duas léguas e meia nos rumos referidos, sendo o principal Sudoeste.

 

No dia 17.12.1749 se principiou viagem no rumo de Sudoeste, costeando a direita de uma enseada, no fim da qual, ao voltar para outra, se achou uma correnteza tão violenta [resulta de uma restinga de pedras que ali havia] que por nenhum modo se pôde vencer: atravessou-se à parte esquerda e, vencendo-se alguns baixos de coroas de areia, se navegou um pequeno espaço a Oeste, e logo a Sudoeste e Sul uma mui dilatada enseada, no fim da qual entrando em outra a Sudoeste, se avistou neste rumo a primeira Cachoeira, e no mesmo se chegou a portar junto dela pelas cinco horas da tarde; em 8 horas do caminho se andara 3 léguas.

 

A ribanceira da enseada que ia topar na dita Cachoeira é de terra alta que principia em uma ponta de pedras da parte esquerda. Tem bom arvoredo, e mostrava toda porção de terra ser capaz de habitação e lavoura.

 

Breve Notícia das Serranias de que Procedem
as Cachoeiras do Rio da Madeira

 

Como há de ser mui preciso neste Diário o falar repetidas vezes na cordilheira donde resultam as Cachoeiras do nosso Rio, pareceu conveniente antes de entrar a descrevê-las oferecer neste lugar uma ideal da extensão daquelas serranias assim pelo que constou ocularmente no progresso da viagem nas partes, em que ou pela sua vizinhança com o Rio, ou pela sua grande elevação mais ao centro se deixavam avistar, como também pela indagação que se fez dos rumos que traz desde a sua origem, segundo noticiaram pessoas fidedignas, que viajaram grande parte do dilatado terreno que elas ocupam.

 

Ainda que entre os Expositores sagrados se ofereça a questão, se existiam já ou não no mundo as serras e montes, que por todas as quatro partes cingem a sua grande máquina, antes do dilúvio universal; contudo, ou fosse obra da criação [que será o mais provável] ou desafogo da natureza, quando se viu oprimido o globo com aquela inundação geral das águas, sempre estes gigantes da terra que muitos chegam a competir com as nuvens, são objetos dignos de se admirar nelas a grandeza de Deus Artífice Supremo das maravilhas criadas: e assim todos sabem pelas histórias antigas e modernas, sacras e profanas, o quanto o mundo está povoado destes prodígios da natureza.

 

E passando dos termos expressivos aos figurados, em todas as Cartas Geográficas, ou sejam universais ou particulares, fazem os seus autores uniformes demonstrações das serras e montes mais célebres, que em diversas posturas se dilatam pelo antigo e novo mundo. Nesta certeza se tratará aqui somente das que fazem congruência ao intento acima expressado.

 

Os historiadores de melhor aceitação e os Geógrafos mais pontuais descrevendo e delineando a célebre Cordilheira dos Andes, lhe conferem a larguíssima extensão que há desde o Estreito de Magalhães até a Nova Espanha discorrendo por toda a costa de Chile, Peru e Istmo de Panamá, cuja vasta direção compreende mais de mil léguas de terreno; certificando ser a sua elevação em partes tão excessiva que dizem não a podem superar com o voo as mais ligeiras aves.

 

A esta muralha levantada pela natureza como para defender a terra das invasões do grande Mar do Sul, que dos empedernidos retiros da sua agigantada estatura se desentranham os tesouros de ouro e prata, que faz a opulência das Índias Ocidentais, que enriquece a Monarquia Castelhana, corresponde outra cordilheira não menos avultada na grandeza, nem menos abundante de preciosos metais e pedras finíssimas, brilhante adorno com que se esmalta a Real Coroa da Majestade Augusta Portuguesa, que fazendo frente ao Mar do Norte costeando todo o Brasil desde a Capitania do Ceará, caminhando ao Sul faz o Cabo de Santa Maria, Promontório que termina a ponta Setentrional, por onde desemboca o grande Rio da Prata no Mar do Paraguai.

 

Esta direção traz a serrania, quando em altura de 23° de Latitude Austral, logo ao Sul da Vila de Santos, lança outra cordilheira desde o lugar chamado Serra do Mar, que penetrando o sertão em vários rumos se ramifica por todo o continente das Minas Gerais e Goiás.

 

Nas vizinhanças da Cidade de S. Paulo principia esta serrania a fertilizar a terra com copiosas águas, dando [entre outros muitos] nascimento ao Rio Grande nomeado nas Cartas estrangeiras Paraná, o qual, caminhando a Oeste, se junta com o Paraguai, não sem alguma competência no disputar a primazia de Madre Geral daquelas imensas águas: contudo ele perde o nome no Paraguai em altura de ... [omitido no original] graus de elevação Austral.

 

Na mesma serrania tem suas Origens o famoso Rio de S. Francisco que, recolhendo em si as águas de outros muitos Rios, que têm suas fontes na mesma cordilheira discorre com um meio círculo ao Norte, e se entrega ao Oceano Brasiliense entre o Cabo de Santo Agostinho, e a Cidade da Bahia em altura de ... [omitido no original]

 

Finalmente depois que desta Cordilheira nasce no Distrito de Goiás o célebre Rio Tocantins, que se engrossa com grande número de Riachos vertentes da mesma serrania, se encaminha esta ao rumo de Oeste, e como se fosse uma baliza terminante dos domínios que pagam fluído tributo ao Oceano, reparte em distância de mais de duzentas léguas as águas em caudalosos Rios, uns que buscam no rumo do Norte terminar seu curso no célebre e grande Rio das Amazonas, e outro para o Sul a fazer o Rio da Prata ou Paraguai, como se dará noticia individual em lugar mais oportuno.

 

No referido rumo de Oeste, fazendo vários meios círculos de montanhas, e lançando muitos braços para o Sul [não consta que também para o Norte], se vai dilatando a serrania até finalizarem os Campos dos Parecis, que deixa da parte do Norte paralelos às Fontes dos Rios Madeira e Jahurí, como a diante se fará mais distinta menção; e buscando a margem do mesmo Madeira, deixando o rumo de Oeste, acompanha este Rio no de Oesnoroeste por espaço de mais de cento e oitenta léguas. Voltando com o mesmo Rio para o Nordeste por espaço de sessenta léguas, forma as Cachoeiras, que adiante se descrevem, até que na altura de 9 graus de Latitude Austral, em que deixa as primeiras, busca o rumo de Oeste, em cuja direção se perde de vista; e será provável se irá unir com as serras do Peru, que fazem a mencionada Cordilheira dos Andes.

 

A imensidade de Nações gentílicas que habitam a fragosidade ([5]) da parte superior e interior destas serranias com mais inclinação à sociedade das feras que à dos homens, pede um Tratado particular, que faria grande volume para se noticiar ao mundo a muita parte que ainda há daquele infeliz Paganismo, do qual neste Diário se fará memória breve onde for conveniente, como também da abundância de riquezas, de que nesta serrania tem havido descobrimentos, os quais ainda se espera continuem nas partes em que a mesma cordilheira é mais Ocidental no Distrito de que tratamos. Com o nome de cordilheira das Gerais ou Chapada Grande se apelida esta serrania pelos moradores do Cuiabá e Mato Grosso, e de uma ou outra denominação se usará no progresso deste Diário. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)

 

Bibliografia

 

G. FONSECA, J.. Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Regato: 08°36’54,9” S /63°33’21,8” O, defluente do Jamari.

[2]   Bicaes: agridoces.

[3]   Ribeiro de pouca nota: 08°37’05,2” S /63°34’55,5” O.

[4]   Lago: Cujubim.

[5]   Fragosidade: áreas de penhascos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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