Terça-feira, 29 de setembro de 2020 - 07h50
Bagé, 29.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXIII
Viagem da “Real
Escolta” – X
TERCEIRA
CACHOEIRA (Morrinhos)
No
dia 24.12.1749, se principiou viagem no rumo de Oessudoeste, atravessando à
parte esquerda para livrar de uma correnteza que havia passada a ponta da
pequena enseada, em que se pernoitou, procedida de umas pedras, que em pequena
distância de terra apareciam fora da água porém costeando no rumo de Sudoeste
uma mediana volta, se topou no meio dela com pouco mais de hora e meia de
caminho com uma ponta de pedras, que se estendia até quase meio Rio, em que
havia grande correnteza, a qual se passou à sirga; e costeando no mesmo rumo,
por espaço de hora e meia, chegamos à Cachoeira chamada pelo idioma dos índios
... [omitido do original] presentemente respeitando a celebridade do nascimento
de Cristo Senhor nosso se apelidou Cachoeira do Natal.
Em
três horas de caminho, se andara uma légua. Consta esta Cachoeira de duas Ilhas
de pedra ([1])
com arvoredo espesso, que ambas atravessam o Rio no turno de Noroeste e Sueste;
das ribanceiras Oriental e Ocidental correspondentes a estas Ilhas, sai
quantidade de pedraria, que ocupa um e outro canal entre as Ilhas e a terra
firme, razão por que se oferece grande dificuldade na passagem de qualquer deles
em Rio que não esteja cheio.
O
espaço que medeia entre uma e outra Ilha também é povoado de penedia, por onde
se precipita o Rio com a maior força da sua correnteza; e por esta causa é
intratável a subida ou descida por semelhante parte.
Nestes
termos, tendo à vista um objeto, que por todos os lados parecia formidável,
noticiaram os práticos que à parte esquerda é que costumava haver passagem mais
favorável, e nesta consideração se expediram os guias a examinar o canal que,
com efeito, se achou em termos de se passarem as canoas em meia carga, por não
estarem ainda de todo bem cobertas as pedras por onde se oferecia caminho.
Descarregadas
as canoas na forma referida, se executou o transporte delas, e por todo aquele
dia ficaram da outra parte da Cachoeira, cada uma com a carga que lhe tocava,
com o que se venceu uma grande correnteza, que restava na enseada e, concluída,
portaram as canoas na ribanceira da parte esquerda.
Logo
que amanheceu, se buscou lugar acomodado para celebrar Missa, e não se ofereceu
outro mais apto e a propósito, do que uma pequena Praia que havia na Ilha da
parte do Noroeste, já salva a Cachoeira; e para aquele lugar se atravessou o
Rio, no dia 25.12.1749, pela manhã, até o sítio mencionado, em que se ouviram
as três Missas permitidas na celebridade do Sagrado Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Neste
dia 25.12.1749, pelas 15h00, se continuou viagem atravessando à parte esquerda
e costeando no rumo de Oeste, Oessudoeste, e Sudoeste, foi preciso com três
horas de caminho atravessar à parte direita, aportar em uma pequena Praia; o
que se executou já de noite, e se andara nas ditas três horas légua e meia.
A
26.12.1749 depois de se ouvir Missa, se principiou viagem às sete horas no rumo
de Susudoeste, atravessando à parte esquerda, e costeando ao Sul entre uma
grande Ilha ([2]) e a terra se navegou
outra vez ao Sudoeste até chegar a uma ponta de pedra em que principiava uma
dilatada enseada, na qual se encontraram três Ilhas ([3])
que corriam ao comprimento do Rio, por entre as quais havia grande correnteza,
a qual se embravecia em partes onde nas pontas das mesmas Ilhas topavam pedras;
e sem embargo destes embaraços, se portou já noite em uma Praia no meio do Rio
contígua à última das ditas três Ilhas, e em dez horas de caminho se avançaria
dele 4 léguas.
No
dia 27.12.1749, se continuou viagem atravessando à parte direita do Rio; e no
rumo de Oeste se foi costeando por espaço de uma hora, e depois se navegou a
Oesnoroeste, e logo outra vez a Oeste, e deste rumo se foi passando em breve
espaço ao do Sudoeste e Susudoeste; e nesta volta se avistaram umas serras
altas, que mostravam correr de Leste a Oeste, na ponta de uma das quais se
achava a Cachoeira para onde se dirigia a derrota, na qual se passaram duas
Ilhas, uma da parte direita do Rio que se prolongava ao meio dele, e outra à
parte esquerda junto à terra, e corria com a volta da enseada; e continuando
esta no mesmo rumo de Sudoeste, se avistou a 4ª Cachoeira, e portaram as canoas
à parte esquerda já noite em uma pequena Praia junto à ribanceira; e em dez
horas de caminho se andara neste dia 4 léguas.
QUARTA
CACHOEIRA (Caldeirão do Inferno)
Chegou
o dia 28.12.1749 e, depois de se celebrar Missa, se costeou à parte direita uma
pequena enseada ao Sudoeste, e a ponta em que terminava se compunha de pedras
que avançavam até ao meio do Rio, por entre as quais se navegou com bastante
trabalho contra uma grande correnteza que havia neste lugar; e logo que se
voltou a ponta, portaram as canoas junto à Cachoeira chamada pelo idioma dos
índios Guará-açu ([4]), que quer dizer Guará
Grande [Guará é um pássaro do tamanho de uma gaivota, e todas as penas de que
se veste são de cor escarlate mui vivo], e ali se esperou o exame dos canais
para saber-se por qual era mais conveniente passar.
Compunha-se
esta Cachoeira de um labirinto de Ilhas cercadas de morraria de pedras, que
atravessam o Rio de uma a outra parte no rumo de Noroeste e Sueste, em
distância de quase meia légua, que tanta largura faz o Rio naquele lugar,
porque forma duas enseadas ou baías de ambas as partes correspondentes na
concavidade.
Quatro
Ilhas têm a sua postura ao comprimento do Rio, que faziam frente à imensidade
de outras mais pequenas que mediavam aos vãos, seguindo o mesmo rumo em
distância de quase três quartos de légua em Latitude todas de rocha viva, em
cujas superioridades produzem arvoredo cerrado e sumamente agreste.
Todas
ramificam de si tanta cópia de penedos, que não tem o Rio desafogo algum, mais
do que por entre imensidade de pedras fazer vários precipícios, e destes
resultarem redemoinhos de água que costumam ser sumidouros de tudo o que neles
se mete, ou seja canoa, pau, ou outro qualquer corpo capaz de padecer a desgraça
de ser levado ao fundo com incrível violência.
Em
tempo que o Rio está de meia enchente, e até esta ser completa, que estejam
muitas pedras, ou todas cobertas no canal entre a terra do Sudoeste e a Ilha
imediata, há por este lugar suficiente passagem; porém na ocasião presente em
que a água principiava a crescer, tudo por esta parte eram precipícios de água
e sorvedouros.
Pelos
canais do meio não havia que tratar por ser mais formidável a saída das águas
com a violência de toda a correnteza, razão por que se buscou o recurso de se
explorar o canal da parte de Noroeste, e nele costeando a Ilha contígua se
achou passagem, mas a mais trabalhosa que até este lugar se havia
experimentado.
Três são os canais que, por entre as quatro Ilhas,
fazem passagem no Rio com a violência mencionada; porém como em distância de 50
braças ([5])
pouco mais ou menos se lhe opõe uma Ilha de pedras que atravessa o Rio no mesmo
rumo de Noroeste e Sudoeste, nela quebram as águas a fúria com que rompem por
entre os penedos dos canais referidos; e pela parte inferior da mesma Ilha faz
a água um sossegado remanso, pelo qual atravessaram as canoas à parte do
Noroeste; e costeando a Ilha que corre ao comprimento do Rio, se acham nela
duas pontas de morros de pedras, por entre as quais se puxaram as canoas, em
cujo serviço se gastou a tarde do dia 28.12.1749, e ali se esperou o seguinte
para continuar a passagem de maior perigo.
No
dia 29.12.1749, se navegou pelos remansos que mediavam entre as correntezas da
terra firme e da Ilha, e se intentou a passagem de uma ponta de pedras, que
havia em outra Ilha fronteira à mencionada, por onde se podiam puxar as canoas
em meia carga, e deste transporte passava a um remanso mui dilatado, que
mediava entre este lugar e outras Ilhas da parte de cima, e por ele se podia
passar sem perigo à outra margem do Rio a vencer o último salto que nela se
oferecia; porém, ao varar a primeira canoa em meia carga, havendo desordem nos
índios em puxar pelas cordas sem que os mandassem, pois ainda não estava
desviada de uma pedra em que fazia o maior cachão de água, a fizeram montar com
impulso intempestivo de proa em cima da pedra, e logo inclinando o todo para a
parte da correnteza, se encheu de água, de sorte que não houveram forças para a
sustentar.
Largaram-se
as cordas e, em um instante, levou a correnteza a canoa até um remanso que
fazia detrás de outra Ilha, onde com toda a diligência se achou aboiada;
rebocou-se para terra, descarregou-se, e desalagou-se sem nela haver mais perda
que molhar-se o trem que nela havia embarcado, e a razão de ser este sucesso
menos funesto do que podia acontecer na perda de tudo, foi ser a canoa [como
também eram as mais] fabricada de pau que não vai ao fundo em semelhantes
acasos.
Por
ocasião desta desordem, foi preciso demorar o dia 30 e 31.12.1749 para se
enxugar roupas e beneficiar os mantimentos que se haviam molhado, e no dia 1°
de janeiro do novo ano de 1750, se mudou de derrota passando outra vez à Ilha,
que no dia 29 se havia costeado, e descarregando de tudo, as canoas passaram à
corda duas pontas de pedras, em cujo trabalho se gastou até as 4 horas da
tarde, tempo em que, pelo remanso que havia entre o grosso da Cachoeira e as
últimas Ilhas de pedra, se atravessou à parte Oriental do Rio, e ficaram portadas
as canoas junto do último impedimento desta Cachoeira, que era um canal entre
morraria de pedra que saía da terra firme, e outro semelhante promontório, que
se comunicava de uma das Ilhas em que finalizava o labirinto das que compunham
esta trabalhosa Cachoeira.
Chegando
o dia 02.01.1750 se descarregaram de todo as canoas, e com bom sucesso se
puxaram por cima das pedras mal cobertas do canal, onde foi preciso fazer
estivas de madeiras grossas para evitar o dano que podia resultar das pedras, e
para suavizar uma pequena elevação que elas faziam em distância de cinco
braças.
Transportadas
as canoas, e já carregadas da outra parte da Cachoeira, se entrou a navegar
pelas duas horas da tarde do mesmo dia, costeando a terra da mesma parte
Oriental. Desde a primeira passagem até esta última, haverá meia légua de
Longitude, e um terço de Latitude. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das Ciências
– Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que
Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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