Quarta-feira, 30 de setembro de 2020 - 11h32
Bagé, 30.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXIV
Viagem da “Real
Escolta” – XI
QUINTA
CACHOEIRA (Jirau)
No
mesmo dia, pelas três horas da tarde se continuou, com efeito, viagem costeando
à esquerda no rumo de Oeste, e logo a Sudoeste se avistou, à parte direita do
Rio, umas serras que lhe faziam margem, e corriam para Oeste: eram de bastante
altura, e povoadas de áspero arvoredo mui serrado; e chegando a uma enseada já
no rumo de Susudoeste, se encontrou uma mui furiosa correnteza ocasionada de
uma restinga de pedras, que com grande trabalho se passou sirgando as canoas e,
tomando o rumo do Sul, se avistou a Cachoeira chamada ... [omitido no original]
e se chegou a ela com 4 horas de viagem.
É esta Cachoeira ([1])
a mais terrível que até aqui se havia encontrado; porquanto continuando as
serras antecedentes à margem direita deixam neste lugar tão grande e
desordenada porção de penedos por toda a largura do Rio, que não dão outra
passagem às águas, mais do que elas podem fazer atropelando aquela descomposta
máquina por mais de 800 braças ([2])
de comprimento sem canal algum por onde se pudesse passar canoa, ainda que
fosse à custa de todo o trabalho; em cujos termos não houve outro arbítrio,
senão o descarregar as canoas e vará-las por terra pela margem esquerda até
salvar toda a referida distância de impedimento.
Dois dias se gastaram em estiva o caminho de troncos
para sobre eles rolarem as canoas, e como a terra era com bastante elevação, e
semeada de penedos em distância de 1/3 de légua, se
consumiram outros 2 dias em transportar as canoas e suas cargas, em cujos
termos no dia 7 é que houve lugar de prosseguir viagem, levando 4 dias ([3])
de imenso trabalho esta Cachoeira importuna.
Com efeito, no dia 07.01.1750, às 06h00, se principiou
viagem no rumo do Sul costeando à esquerda, e logo se topou com uma restinga de
pedra [relíquia ainda da Cachoeira antecedente] bastantemente custosa de
passar, porém, vencida que foi, se costeou a Oeste uma dilatada enseada, que à
parte direita continuava a mesma serrania, mas de menos altura que a
antecedente, e seguia o mesmo rumo de Oeste.
Acabada a dita enseada, se entrou a costear outra no
rumo do Sul, no princípio da qual da mesma parte esquerda havia na ribanceira a
célebre terra, que costumam comer a aves: logo se passou a Sudoeste, e no rumo
de Sueste com 10 horas de caminho portaram as canoas já de noite, e se andara 3
léguas.
SEXTA CACHOEIRA (Três Irmãos)
No dia 08.01.1750, pelas 06h00, se principiou viagem no
rumo de SSE, e logo SE, e SO por duas enseadas no fim das quais se entrou uma
grande Ilha ([4]), que dividia o Rio em
dois canais: o da parte direita se via embaraçadíssimo com morros de pedra, por
onde despedia a água com tal violência, que se encontrando com a que saída do
canal da parte Oriental resultava uma rápida e furiosa correnteza, que da ponta
da Ilha se dilatava Rio abaixo em bastante distância.
Costeando à parte esquerda, se entrou com bastante
trabalho o que por ela se seguia no rumo de Susudoeste; e com 10 horas de
caminho se andara duas léguas, e portaram as canoas na Ilha referida já de
noite.
Dessa Ilha e da terra firme de uma e outra margem saem
as pedras, que fazem a Cachoeira chamada Arapacoá ([5]),
razão por que, no dia seguinte, que se contam 9, se continuou pelo mesmo canal
no rumo de Susudoeste e Sudoeste, costeando a Ilha até chegar à última ponta,
onde é o grosso da Cachoeira, em cujo lugar se repartem as águas para os dois
canais referidos e, ao sair do que se navegava, se passou à Cachoeira a remo,
vencendo somente as correntezas, que resultavam das pedras já cobertas de água,
por cuja razão se facilitou aquele passo, sem mais trabalho que o referido de
remo.
Desde a ponta da Ilha da parte Ocidental, corria ao
longo do Rio, a mais alta serrania que até aquele lugar se havia notado.
Seguiam estas serras a mesma direção que as antecedentes de Leste para Oeste, e
com elas pela ribanceira da parte direita se foi costeando à esquerda no mesmo
dia 09.01.1750 no rumo de Oeste, Oesnoroeste e Noroeste; e com 10 horas de
caminho se andaram 2,5 léguas.
A
10.01.1750, se principiou viagem costeando à esquerda no rumo de Oessudoeste,
continuando as serras da parte direita a direção acima mencionada. Por uma quebrada
que elas faziam, corria um Ribeirão, na boca do qual se achavam seis canoinhas
de casca de pau postas em resguardo, indício certo de que no interior daquele
lugar havia gentio, que nas tais canoinhas navegavam o Rio, quando lhes era
necessário. No mesmo lugar se lhe deixaram e continuando viagem já ao Sudoeste
com 4 horas de caminho, em que se andara légua e meia, se esconderam as serras
para o centro no seu rumo de Oeste.
Prosseguiu-se
viagem a Oeste deixando no meio do Rio, depois de passadas as serras, uma
grande quantidade de pedras ainda mal cobertas, que ocasionavam grande
correnteza e, vencida esta, se deu princípio a passar as primeiras correntezas,
que resultam da Cachoeira que se achava próxima.
SÉTIMA
CACHOEIRA (Paredão)
Não foi possível naquele dia ou tarde dele avançar mais
caminho do que levar as canoas à sirga por duas pontas de pedra com grande
trabalho, e se portou em uma pequena enseada com dez horas de jornada, em que
se andara duas léguas e meia.
No lugar em que se ofereceu a primeira ponta de pedra
acima mencionada, na margem esquerda, sai um canal grande entre a terra firme e
uma Ilha ([6])
que se prolonga ao comprimento do Rio, a qual tem por fundamento rocha viva
que, lançando para um e outro canal quantidade de pedras de monstruosa
grandeza, deixa o da parte Ocidental intratável à navegação, por que a Lagoa
nele não tem outro desafogo mais do que precipícios em tão confusa postura, que
nem a vista podia fazer exame daquele intrincado passo.
O
canal da parte esquerda, que seguimos, o povoou de sorte sem penedos que,
despedida deles a água com grande fúria, se ia encontrar com a que corria junto
à ribanceira também de pedra com restingas que, do encontro destas duas
furiosas correntezas, resultava uma série continuada de sumidouros, que cada
instante uns em cachões, e outros sumiam ao fundo as águas, e tudo o mais que
pudessem atrair.
Por
espaço de um terço de légua, se dilatava este espantoso caminho e, passado ele,
se oferecem logo três Ilhetas de rochedo, onde batem as águas precipitadas do
grosso da Cachoeira chamada Paricá ([7]),
e por entre as Ilhetas correm tão furiosas, que a acrescendo-lhes o encontro de
umas com as outras, ocasionam terríveis correntezas e fervedouros, como os
antecedentes, que já à vista dos precipícios da Cachoeira e estrondo que delas
resulta, fazem mais formidável aquele fluído espetáculo.
Donde
se remata a enseada que principia na primeira ponta de pedra acima mencionada,
se levanta um promontório de agigantados penedos que, dilatando-se até meio
Rio, dão lugar por algumas quebradas que a água faça precipitado caminho por
elas.
Na
mesma direção destes penedos, se segue uma Ilha de pedras lançada ao
comprimento do Rio, entre a qual e os penedos, em distância de 300 braças ([8]),
há o maior canal intratável já naquela ocasião em que as águas tinham crescido
até quase meio barranco.
Entre
a Ilha e a terra firme da parte dos penedos, havia outra saída às águas, porém
de iguais precipícios ao canal da parte esquerda: e haverá de distância aqui de
uma e outra margem 900 braças ([9])
com pouca diferença, e o seu rumo é de Leste a Oeste e neste corriam as Ilhas
já mencionadas.
A
11.01.1750, se continuou viagem levando as canoas à sirga junto à ribanceira
que, por ser de pedra, deu um trabalho incrível este passo, no qual se
consumiram 6 horas até chegar junto aos penedos da parte esquerda pela qual se
costeou, e se andara ½ légua de caminho. Recolhidas as canoas a um comorozinho
([10])
que saía por detrás dos penedos, se transportou a carga delas para a outra
parte da Cachoeira por caminho que se fez por terra, que teria 400 braças ([11])
de distância; e este foi o serviço que se pôde fazer no resto do dia referido.
A
12.01.1750, estivou de madeira uma quebrada que havia nos penedos, mais próximos
à terra da mesma parte Oriental, por onde corria alguma água que, por pouca,
não trazia violência de consideração, que deu lugar a se puxarem as canoas, que
por toda a manhã ficaram da parte de cima da Cachoeira, com assaz trabalho
grande e muita vigilância para evitar algum perigo.
Pelas
duas horas da tarde do mesmo dia, se continuou viagem no rumo de Noroeste,
costeando à esquerda, e se avistou à direita uma serra ([12])
que seguia o rumo das antecedentes, ainda à vista da Cachoeira. Passou-se ao rumo
de Oeste, e depois de uma grande correnteza que resultava de umas pedras que
havia no meio do Rio, portaram as canoas com 3 horas de caminho, em que se
andara 1,5 léguas. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Cachoeira: Jirau – 09°19’32,8” S / 64°43’52,2”
O.
[2] 800 braças: 1.760 m.
[3] 4 dias: 3 a 06.01.1750.
[4] Grande Ilha: Mutum ‒ 09°35’16,3” S /
64°54’07,6” O.
[5] Arapacoá: Três Irmãos ‒ 09°35’22,0” S /
64°55’31,9” O.
[6] Ilha: 09°34’58,6” S / 65°09’29,5” O.
[7] Paricá: Paredão ‒ 09°33’50,6” S / 65°10’18,6”
O.
[8] 300 braças: 660 m.
[9] 900 braças: 198 m.
[10] Comorozinho: pequena elevação.
[11] 400 braças: 880 m.
[12] Serra: Serra do Candomblé.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H