Quinta-feira, 1 de outubro de 2020 - 09h10
Bagé, 01.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXV
Viagem da “Real
Escolta” – XII
NONA
CACHOEIRA (Araras)
Com
o rumo do Sul, corre uma enseada de parte Oriental principiando em uma ponta de
pedras, ficando-lhe oposta outra enseada medeando uma Ilha de figura quase
triangular, e de suficiente grandeza.
Dois
canais resultam da posição desta Ilha ([1]),
o mais largo da parte direita, por onde despede o Rio a maior quantidade das
suas águas, que entram atropelando imensidade de penedos que se lhe oferecem na
Embocadura do mesmo canal, por cuja razão se fazia impenetrável aquele
trânsito.
O
mais estreito se achou ser o canal da parte esquerda, que suposto tivesse
bastante correnteza, dava, contudo lugar de poder-se vencer a remo.
O
que posto em execução, se transportaram as canoas com duas horas de caminho à
parte de cima da Cachoeira, sem mais trabalho que romper a remo duas
correntezas que, na Embocadura do canal, procediam de pedras ainda mal cobertas
de água, as quais atravessavam aquela passagem a fazer união com as do outro
canal no rumo de quase Lesteoeste, para a qual formava várias Ilhas de pedras coroadas
de arvoredo silvestre, que faziam à vista uma representação agradável.
DÉCIMA
CACHOEIRA (Periquitos)
Passada
na forma referida, a Cachoeira Tamanduá ([2]),
e saindo dela ao rumo do Sul, se foi costeando à parte esquerda no de Susueste
e Sueste, e neste com duas horas de caminho, se encontrou a Cachoeira chamada
Mamorini ([3]),
a qual se compõe unicamente de pedras, que atravessam o Rio de uma a outra
parte no rumo de Noroeste e Sueste.
E
como a grandeza delas não era da mais avultada, se achavam quase todas
cobertas, despedindo algumas correntezas, que se venceram a corda, e a remo à
margem esquerda, e depois de ficar pela popa, em pouco mais de uma hora se
continuou viagem no rumo de Susueste e ultimamente ao Sul.
Portaram
as canoas na margem direita com dez horas de caminho, em que se andara 5
léguas.
DÉCIMA PRIMEIRA CACHOEIRA
(Chocolatal-Ribeirão-Misericórdia)
No
dia 18.01.1750, seguindo o rumo do Sul, com duas horas de caminho se entrou com
as primeiras pedras ([4])
da mais trabalhosa, enfadonha, e perigosa Cachoeira, que até ali se havia
encontrado. Por mais de légua e meia de caminho se dilata esta Cachoeira
chamada Mamorini ([5]).
Ilhas
de pedras cobertas de arvoredo agreste e penedos escalvados atravessam o Rio de
uma a outra margem, por entre os quais obstáculos rompe a água, fazendo
variedades de fenômenos, porque em partes despenhando-se vai fazendo por entre
outras pedras mais pequenas fervedouros continuados, que rebentam furiosos, e
com rapidez atraem tudo o que se lhes avizinha, e por outras rompendo com brava
correnteza de ondas arrebentadas como de Oceano tempestuoso, tudo o que se lhes
opõe atropelam, e sem remédio soçobram.
Este
terrível espetáculo se continua Rio acima por espaço de uma légua antes de
chegar ao grosso da Cachoeira, que consiste em vários precipícios de água que
atravessam o Rio, e não dão passagem por nenhum modo, nem toda a indústria do
mundo lho saberá introduzir, se não por terra varando por ela as canoas até as
lançar da outra parte dos despenhadeiros, que de outra sorte seria acabar
infalivelmente a empresa.
Isto
suposto, se encostaram as canoas à margem esquerda e, no rumo do Sul, se
passaram as primeiras correntezas de 3 pontas de pedras, que saíram da terra a
buscar as que atravessavam o Rio e, para vencer esta primeira passagem, foi
necessário ir com muito vagar fazendo pressa nos remos, com que se foi ajudando
a sirga até chegar a um pequeno salto, que havia entre a terra e uma Ilha de
pedras, passado o qual com grande trabalho se seguiu logo outro, que com igual
fadiga se deixou vencer, e sendo já 18h00, portaram as canoas com 6 horas de
caminho, em que se andara um quarto de légua.
A
19.01.1750, se continuou viagem costeando a mesma margem esquerda no rumo do
Sul e Sudoeste por entre a ribanceira do Rio e Ilhas de pedra, e restingas que
saíam da terra firme, da mesma sorte que as do dia antecedente, e com igual
trabalho de sirga por entre pedras e arbustos agrestes se navegou todo o dia
até se avistar o monstruoso despenhadeiro de água que havia no mais alto da
Cachoeira, que não era rocha talhada, mas um declive com mais de 500 braças ([6])
de distância e com 7 horas de caminho se andara uma légua.
Dia
20.01.1750, principiou-se viagem costeando no rumo de Susudoeste uma enseada,
na qual iam bater as águas que saíam atropeladas dos despenhos da Cachoeira,
que retrocedendo para a mesma parte donde corriam furiosas levando por toda a
enseada ondas encapeladas que representam um golfo embravecido; e assim com
grande perigo se navegou a mesma enseada até se refugiarem as canoas em um
Riacho, que do centro deságua, onde a Cachoeira faz a última queda.
Duas horas levou a passagem da enseada, que teria um
quarto de légua de distância até chegar ao Riacho ([7]),
em que se portou pelas 09h00.
O
resto do mesmo dia 20.01.1750 se gastou em estivar de madeiros o caminho da
terra para por ele se vararem as canoas, o que se executou no dia 20 e 21.01.1750,
e neste ficaram já transportadas as canoas da outra parte da Cachoeira com as
cargas que a cada uma pertenciam. Terá este varadouro 600 braças ([8])
de distância, na qual a elevação, por uma e outra parte, que o faz mais
trabalhoso. Corre a Cachoeira a atravessar o Rio a rumo de Nordeste e Sudoeste.
No
dia 22.01.1750, saindo de Mamorini ([9]) no rumo do Sul, se costeou à esquerda,
e passando em breve tempo ao Sudoeste; neste se encontrou com um disforme morro
de pedra escalvada, que se avançava até quase à terça parte da largura do Rio.
Encanava esta água por entre uma Ilha fronteira ao rochedo, como também por
entre este e a terra firme da parte esquerda e pelo meio.
Do
encontro de todas estas correntezas resultava uma tão grande, saindo da ponta
do penedo, dilatando-se à largura do Rio, que não era possível poder-se romper
a remo não só pela violência impetuosa das águas e ondas rebentadas que ali se
formavam, mas também porque, por toda aquela espantosa rapidez, se levantavam
fervedouros de águas, que a faziam subir [ao parecer] mais de 6 palmos ([10]),
e logo se resolviam em sumidouros os mais formidáveis, de que até aqui se fez
menção.
Nestes
termos, não houve outro arbítrio mais do que introduzir as canoas pelo pequeno
canal mui embaraçado de pedras e arbustos agrestes que mediava entre o penedo e
a ribanceira Oriental que se navegava; e com grande trabalho de sirga se
conseguiu o projeto, que levou 4 horas de importuna passagem.
Continuou-se
viagem no mesmo rumo de Susudoeste, e portaram as canoas à vista da duodécima
Cachoeira ([11]), e se andara neste dia 3
léguas. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Ilha: das Araras.
[2] Cachoeira Tamanduá: Cachoeira Araras.
[3] Mamorini: Periquitos – 10°05’32,5” S /
65°18’36,7” O.
[4] Primeiras pedras: Chocolatal ‒
10°10’12,6” S / 65°18’24,7” O.
[5] Mamorini: Chocolatal-Ribeirão-Misericórdia
‒ 10°13’34,6” S / 65°17’29,4” O.
[6] 500 braças: 1.100 m.
[7] Riacho: Igarapé Ribeirão – 10°13’49,7” S
/ 65°16’59,5” O.
[8] 600 braças: 1.320 m.
[9] Mamorini:
Chocolatal-Ribeirão-Misericórdia.
[10] 6 palmos: 1,32 m.
[11] Duodécima Cachoeira: Madeira.
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