Segunda-feira, 5 de outubro de 2020 - 12h38
Bagé, 05.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXVII
Viagem da “Real
Escolta” – XIV
DÉCIMA SEXTA CACHOEIRA
(Das Cordas)
De
duas Ilhas formadas de rochedos se compõe esta Cachoeira chamada Das Cordas (270),
ambas adornadas de vistoso arvoredo, não mui alto, mas viçoso e recreativo, e
no rumo referido atravessam o Rio: uma delas se acha mui chegada à margem
esquerda, que em Rio a meia enchente nem ainda assim lhe concede canal; a
outra, situada à parte direita, permite passagem a todo o tempo, menos o da
última sacra, que é nos meses de setembro e outubro, quando somente o Rio acha
canal, e os viajantes caminho pelo meio entre uma e outra Ilha, onde faz um
declive de pedras com boa direção, em que, por espaço de 60 braças, se despenha
a água com tolerável violência.
Esta
Cachoeira se passou na forma acima mencionada e, continuando viagem no mesmo
rumo de Sueste, se achou desaguar pela margem direita um Ribeirão de água clara
chamado Tiahoam ([1]); terá 100 braças ([2])
de Embocadura, e vai cair o seu pequeno cabedal de torrente quase sobre a
Cachoeira passada, razão por que se achou nela a água mais limpa, e logo que se
encontrou o Ribeirão, se decidiu a causa daquela novidade. Fronteiro ao lugar
em que deságua aquele Riacho há, na margem Oriental, uma elevação de terra que
forma uma pequena serra, povoada de arvoredo mui alto e espesso, e não chega a
ter meia légua de extensão no longo do Rio; para o centro não houve ocasião de
fazer exame da sua direção. Passado o Riacho Tiahoam ([3]),
se ia continuando viagem já no rumo de Lessueste quando, ao virar de uma ponta
de pedras ([4]), em que havia grande
correnteza na mesma margem direita, quebrou a pá que servia do governo a uma
canoa, e foi preciso portar para fazer outra, razão por que se não andou neste
dia mais do que duas horas, em que se vencera de caminho pouco mais de meia
légua.
Dia
29.01.1750. Neste se principiou viagem costeando à direita no rumo de
Lessueste, e logo ao do Sul, em que passada uma enseada, se continuou a Sueste,
e neste rumo se achou a Cachoeira chamada Panela ([5]),
que é uma das maiores e mais embaraçosa que tem o Rio.
DÉCIMA SÉTIMA
CACH0EIRA (Bananeiras)
De
um intrincado labirinto de Ilhas fundadas todas sobre lajedos e rochas
monstruosas, se forma esta Cachoeira em tão desordenada posição por espaço
quase de uma légua ao comprimento do Rio, que este, para achar saída a tão
estranhos embaraços, se derrama em uma confusão de canais por entre as Ilhas e
penedos, de sorte que, em meia légua de largura que haverá de uma a outra
margem, e em todo o espaço do comprimento, não acha a água outra coisa senão
precipícios por todas as partes pelos quais, com ruído e fúria, se encontram as
correntezas umas com as outras, irritadas dos penedos que passam, e de outros
que vão atropelando.
Muitos
canais, vindo por ele a água em fervedouros e rápido ímpeto, topam em Ilhas ou
rochedos, que se lhes opõem diante, que obrigam as águas a fazer caminho aos
lados, e vão quebrando a fúria nas ribanceiras de uma e outra parte. Da dura
resistência que acha aquele soberbo elemento nos penedos da margem, retrocede a
água sobre si mesma, e forma tempestuosas ondas de mares encapelados mui
difíceis de vadear. Finalmente, para se expor com miudeza todos os subterfúgios
que aqui busca a água para passar esta Cachoeira, confesso que, sobre não achar
termos próprios e expressivos, com que bem signifique tão embaraçadíssimo
passo, seria fastidiosa uma grande digressão, com que ele se poderia descrever;
e por esta causa me remesso à estampa, que poderá ser delineada em termos que
por ela se possa formar ideia das figuras que aqui se dificultam expressar.
À
vista de um tão formidável impedimento, que a todos os lados ameaçava funestas
consequências na empresa de se vencer, sem varar por terra as canoas, foi
fortuna achar um canal entre o barranco da parte direita e as Ilhas da
Cachoeira, por onde, salvando um não muito grande espaço de ondas que
resultavam do combate de uma correnteza com a penedia da terra firme, podiam
chegar as canoas até um lugar acomodado, em que, sobre pedras ainda mal
cobertas de água, podiam ter passagem; e com efeito, investindo com aquele
canal, se foram vencendo a remo as suas correntezas sucessivas até chegar ao
lugar mencionado, em que havia um como fluxo e refluxo de água, que levantava
ondas furiosas por todo o canal em distância, ao comprimento dele, de mais de
tiro de mosquete.
Com
muito cuidado e força de remo se atravessou aquele perigoso Distrito e, já de
noite, portaram as canoas junto aos grandes penedos, por cujas aberturas no dia
seguinte se havia de fazer caminho. Chegou o dia 30.01.1750 em que, com
incrível diligência, se estivaram as pedras, descarregaram as canoas, e se
puseram estas à parte de cima da Cachoeira até horas de meio-dia, e logo que se
tornou a recolher nelas o trem, que a cada uma tocava, se prosseguiu viagem
pelas três horas da tarde no rumo de Susudoeste, e nele se achou a Cachoeira
chamada Quati ([6]) com uma hora de caminho,
em que se andara de distância meia légua.
DÉCIMA OITAVA
CACHOEIRA (Guajará-açu)
De
melhor semblante do que na antecedente se ofereceu a presente Cachoeira, que
consiste em uma Ilha de suficiente grandeza lançada ao rumo de Lesnordeste e
Oessudoeste desta, que tem por fundamento imensa penedia, se distribui a todos
os lados quantidade de lajes e penedos, porém dispostos pela natureza em forma
que, repartido o Rio em dois canais, a que a Ilha ([7])
a precisa, vai a água sem declive pela maior parte dos canais miúdos, que
procedem das pedras espalhadas por uma e outra parte com pouca oposição de umas
com outras. Nestes termos naquela mesma tarde do dia mencionado, se foi
passando à parte direita tomando o seu canal a remo sem mais embaraço que
algumas correntezas sem perigo, que se foram passando com felicidade até uma
enseada, em que as águas se achavam em tranquilidade bem em meio da Cachoeira,
onde portarão as canoas; e se andara uma légua no rumo mencionado.
No
dia 31.01.1750, se continuou a passar o que restava da Cachoeira Quati ([8]),
que só na embocadura do canal entre a ponta da Ilha e a terra houve algum
trabalho; porque foi preciso usar de sirga por entre pedras e arbustos agrestes
por espaço de dois tiros de mosquete.
Da
enseada se navegou ao Sueste e, ao sair do canal, foi a Leste. Terá esta
Cachoeira uma légua ao comprimento do Rio; e na largura, meia. Desembaraçadas
as canoas daquele trânsito até às nove horas do dia, se atravessou a parte
esquerda do Rio, que se foi costeando a Susueste; e neste mesmo rumo partiram
as canoas da margem direita com 6 horas de caminho, em que se andara 3 léguas. Neste
lugar se teve a primeira vista das serras chamadas Cordilheiras das Gerais, ou
Chapada Grande, à parte esquerda do Rio, e corriam de Nordeste a Sudoeste rumo
geral do Rio, e daqui principiam estas serras a atravessar o Rio, ou este a
romper as suas extremidades e quebradas, em que se formam as Cachoeiras de que
se tem tratado, e agora se fará o mesmo da última que resta a quem sobe, a
primeira que se oferece a quem desce.
Dia
01.02.1750. Neste dia, saindo da enseada em que se havia germinado no rumo de
Susueste, se avistou logo a Cachoeira chamada Tapioca ([9]),
que neste lugar é a última que se oferece. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Tiahoam: Yata ‒ 10°29’12,6” S /
65°26’02,5” O.
[2] 100 braças: 220 m.
[3] Tiahoam: Yata.
[4] Ponta de pedras: 10°30’07,6” S /
65°25’01,7” O.
[5] Panela: Bananeiras ‒ 10°35’05,3” S /
65°23’52,8” O.
[6] Quati: Guajará-açu ‒ 10°37’00,7” S /
65°24’32,9” O.
[7] Ilha: 10°37’30,8” S / 65°24’33,8” O.
[8] Cachoeira Quati: Guajará-Açu ‒
10°37’00,6” S / 65°24’31,3” O.
[9] Tapioca: Guajará-mirim ‒ 10°46’56,5” S /
65°21’08,6” O.
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