Quinta-feira, 8 de outubro de 2020 - 11h33
Bagé, 08.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXX
Viagem ao Redor do
Brasil (1875-1878) – II
João
Severiano, como os demais irmãos, foi educado nos salutares princípios que nortearam
a educação da grande estirpe de seus ascendentes. Só ele não enveredou, de
pronto, pela carreira das Armas. Todos os manos foram logo ser militares. Terminado
o curso primário na Vila natal, veio fazer o secundário na Corte. Em seguida,
matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, recebendo o grau de
Doutor em Medicina em 1860. Fizera-se médico por vocação, mas aquele amor pela
farda, que levara os Fonsecas à caserna, haveria de, outrossim, impeli-lo ao
Exército. De fato, fora por instinto vocacional que o jovem se decidiu pela
profissão médica, não obstante a soma de sacrifícios e de renúncias a que se
obrigaria ao cingir a cândida vestia.
Um oportuno parênteses curioso: os
doutorandos de 1860 foram os primeiros a usar o recém-criado anel simbólico de
esmeralda, proposto pelo Professor Francisco Menezes Dias da Cruz, em 1856,
para substituir o antigo com a efígie de Hipócrates.
No
âmago do peito lhe calavam ainda as palavras da personagem do romancista Dr.
José de Alencar, encarnando o médico devotado:
Amo as glórias da minha profissão,
as únicas a que posso e devo aspirar. Nossos triunfos, não os obtemos na praça
pública, diante da multidão que aplaude, mas lá na alcova secreta onde geme a
criatura.
Para
o Dr. João Severiano, que se destinava ao Exército, não lhe eram desconhecidos
os trabalhos exaustivos na caserna e os ingentes esforços nas campanhas. Todos
sabemos que hoje, como outrora, a recuperação do Soldado pelo Serviço de Saúde
é a garantia dos efetivos guerreiros. A França, na guerra de 1914, perdeu cerca
de 2.000 médicos por ação inimiga, enquanto, em certa época, seu Serviço de
Saúde recuperou 100.000 homens por mês! Daí Clemenceau ([1])
afirmar:
‒ Ganhamos a guerra com os nossos feridos.
E,
a 20.01.1862, assentava praça no Corpo de Saúde, como 2° Cirurgião Tenente, por
Decreto, conforme se acha publicado em Ordem do Dia da Repartição do Ajudante
General sob o n° 303, de 04.02.1862. Nessa data prestou o devido juramento.
Consorciava-se nesse comenos ([2])
o homem afeito a ciência de curar, a divina profissão que espelha bondade, e o
intrépido soldado vígil ([3])
nas cruas batalhas ou na defesa sanitária dos campos onde iria, de futuro,
estar presente.
Cirurgião
e soldado, ele trazia para a classe em que seus irmãos já exceliam ([4]),
a sublimidade de seu apostolado médico e a vocação de seu sangue para a
carreira das Armas, fatores que, postos a serviço do Brasil, o dignificaram,
tornando-o, por justiça, o modelo vivo de civismo e do cientista talentoso em
quem as qualidades invulgares de profissional competente rivalizavam com as
louvabilíssimas de chefe íntegro e sereno.
Como
simples estudante de medicina dera provas de altruísmo nos relevantes socorros
que prestou durante a terrível epidemia de cólera-morbo, que assolou, em 1854,
a capital do País. O Governo soube recompensá-lo, condecorando-o com o Grau de
Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, conspícuo ([5])
galardão ([6]).
Era o prenúncio de que sua carreira seria uma brilhante ascensão, pois os exemplos
de renúncia e devotamento, que são o apanágio ([7])
do militar, ele os tinha no seio da própria família, onde pai e irmãos,
desveladamente, com disciplina e amor, cooperaram para o progresso e a
segurança das instituições nacionais. A 06.03.1859 entrava em exercício na
Guarnição da Corte e era designado para o Hospital Militar. Da Ordem do Dia n°
310, de 21.04.1859, consta que apresentou o Diploma datado de 11.01.1859, com
que fora condecorado, por Decreto de 2 de dezembro do ano anterior, Cavaleiro da
Ordem da Rosa, a que fizera jus quando acadêmico de medicina, como acima foi
dito.
Em
seguida, a 15.06.1859 era mandado servir na enfermaria da Escola Militar de
Aplicação do Exército. Sua permanência aí foi transitória, porquanto, três
meses e três dias após, a 18.09.1859, regressava ao primitivo serviço
hospitalar. Somente a 04.05.1864, por Portaria Ministerial, foi nomeado para o
4° Batalhão de Infantaria, que seguia para a Província do Rio Grande do Sul,
conforme consta da Ordem do Dia n° 398, do dia 6 seguinte. Mas esse ato iria
ficar sem efeito logo no próximo dia 1°, em virtude de, naquela data da
transferência, haver obtido, em inspeção a que se submetera, quatro meses para
tratamento de saúde.
Tão
pronto se sentiu refeito, apresentou-se pronto para o serviço, a 13.12.1864,
desistindo do restante da licença, pelo que foi elogiado pelo Ministro da
Guerra, Brigadeiro Henrique de Beaurepaire Rohan, segundo a Ordem do Dia n°
341, de 17.01.1865. Este seu procedimento calou bem nos seus superiores, sobretudo
porque o destino que lhe estava reservado era a marcha para a Campanha do
Uruguai.
De
fato, a 5 de fevereiro expedicionava para Montevidéu, integrando o serviço
médico da Brigada sob o comando do Tenente-Coronel Dom José Baltazar da
Silveira. Dez dias depois, desembarcando no Porto do Buceo, iria incorporar-se
ao Exército Imperial, comandado pelo Marechal-de-Campo João Propício Mena
Barreto, que cercava a Capital Oriental. Coube-lhe a honra de assistir a
capitulação dessa praça, vitória que ajudou, embora em pouco tempo, a construir
com galhardia e heroísmo.
O
Tenente Dr. João Severiano ficou a dirigir o Serviço de Saúde da tropa de
ocupação, até que foi mandado para idêntico encargo da Divisão, em Paissandu, o
que se deu a 27.04.1865. Seus desvelos profissionais iriam, mais uma vez, ser
postos a prova com a epidemia de varíola que grassava na localidade.
Dizimado
o flagelo, dirigiu-se ele, no dia 19.06.1865, para a Vila del Salto Oriental,
conduzindo alguns bexiguentos convalescentes, onde chegou a 21, indo
encarregar-se das enfermarias dos pontões do Rio Uruguai, por ordem do chefe
interino do Corpo de Saúde. O Brasil, entretanto, nessa altura, partícipe do
Tratado da Tríplice Aliança, se empenhava em árdua luta contra o Paraguai, já
que fora agredido brutalmente pelo ditador guarani Marechal Francisco Solano
Lopez.
O
território brasileiro houvera sido invadido, de surpresa, como, por igual,
atacado o Forte de Coimbra e apossada a Colônia de Dourados por seus janízaros
([8]).
A pedra de toque fora o apresamento do vapor Marquês de Olinda, a cujo bordo
viajava o Deputado Geral e Presidente da Província de Mato Grosso, Coronel
Frederico Carneiro de Campos, em águas do Paraná. A grande revolta espontânea
que sacudiu todos os filhos da terra de Santa Cruz também fez vibrar, como era
natural, os brios dos homens de farda que, a uma, desejavam partir para os
campos de batalha. Entre esses o Dr. João Severiano da Fonseca obteve, a seu
pedido, incorporar-se, a 30 do mesmo mês ao Exército do Brigadeiro Manuel Luís
Osório, acampado à margem direita do Arroio Juqueri, na República Argentina.
A
princípio, a 01.07.1865, foi assegurar o serviço médico da 8ª Brigada de
Infantaria, indo, no dia 15, para o da de Artilharia. Em tais funções andou com
a tropa em busca do inimigo. Havendo o Hospital Ambulante sido dividido em
cinco seções, como reza a Ordem do Dia do Exército n° 91, de 03.09.1865,
coube-lhe a chefia de sua 5ª Seção.
A 5
de fevereiro de 1866, por Aviso Ministerial foi nomeado 1° Cirurgião de
Comissão, posto correspondente, hoje, ao de Capitão. No Exército, sempre em
marcha, rumou, pelas Províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, ao
território inimigo, indo acampar, a 2 de abril, no Porto de Arandas, à margem
esquerda do Rio Paraná, em frente ao Forte de Itapiru. Entregue a seus penosos
afazeres nos hospitais de sangue, teve ensejo de assistir aos bombardeamentos
de 2 a 16 e aos combates de 10 e 16.
A
17 [de abril de 1865] atravessou o Paraná e penetrou no país inimigo, vindo a
prestar, a seu pedido, serviços nas linhas de fogo. No seguinte dia assistiu a
ocupação e destruição do Forte de Itaipu, poderoso reduto paraguaio e, a 23,
ocupava com o Exército o campo entrincheirado de Estero Bellaco, participando
da Batalha de 2 de maio. Sua ação enérgica e eficiente, seu zelo desmedido, as
constantes provas de inteligência e humanidade revelados em todos os transes
dessa campanha memorável, ensejaram-lhe os merecidos encômios ([9])
que esmaltam ([10]) a Ordem do Dia n° 153,
do General-Chefe, de 10 deste mesmo mês (de maio de 1865).
A
20, empenhava-se com os seus no ataque que desalojou o inimigo das linhas de
Estero Rojas. Acampou, nesta data, em Tuiuti, assistindo ao reconhecimento de
22, empenhando-se na Batalha gloriosa, de 24.05.1866, que de imarcescíveis ([11])
louros cobriu o lábaro estrelado e fez sua já brilhante fé de ofício mais
referta de justos elogios. A assistência desvelada que tributava aos feridos
não era só o natural impulso do militar convicto de suas obrigações
regulamentares, mas também, principalmente, a nítida noção humanitária que lhe
advinha da altruística profissão que abraçara, como sacerdócio.
Empenhou-se
no combate de 28 de maio, presenciou o bombardeio de 14 de junho e os combates
que se seguiram de 16 a 18 de julho no Potrero Pires e trincheiras do Sauce,
com zelo e atividade, pelo que foi louvado pelo Comandante-Chefe em sua Ordem
do Dia n° 3, de 24 do referido último mês. (PILLAR) (Continua...)
Bibliografia
PILLAR, Olyntho. Os Patronos das Forças Armadas
– Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Biblioteca do Exército Editora, 1981
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Georges Benjamin Clemenceau: estadista, jornalista e médico
francês (1841 a 1929).
[2] Comenos: momento.
[3] Vígil: qie vigia ou vela, sentinela,
vigilante.
[4] Exceliam: eram excelentes.
[5] Conspícuo: distinto.
[6] Galardão: laurel.
[7] Apanágio: qualidade inerente.
[8] Janízaros: elite do exército dos Sultões
otomanos.
[9] Encômios: elogios.
[10] Esmaltam: enaltecem.
[11] Imarcescíveis: imperecíveis, eternos.
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