Terça-feira, 13 de outubro de 2020 - 10h28
Bagé, 13.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXXIII
Real Forte do Príncipe da Beira - I
A maioria dos turistas que visitam o
Real Forte do Príncipe da Beira ficam perplexos diante da grandiosidade de uma
edificação isolada, aparentemente perdida naqueles “ermos sem fim”. Por isso mesmo, fizemos questão de contextualizar
sua construção, expondo nos capítulos anteriores o momento histórico em que a
Fortaleza foi construída permitindo, então, ao leitor aquilatar não só sua
importância estratégica mas, sobretudo, a ancestral obstinação de uma raça de
titãs que se lançou a um empreendimento tão magnífico. Nossos irmãos lusitanos
estenderam nossas fronteiras para Oeste com muita coragem, suor, sangue e
determinação lançando, no longínquo pretérito, em terras brasileiras, nos mais
desertos rincões, as pedras angulares que hoje sustentam os alicerces de nossa
tão vilipendiada soberania.
Missão de Santa Rosa
Em 1743, o Padre Atanásio Teodori, S.J., fundou, na margem
direita do Rio Guaporé, a Missão de Santa Rosa, onde aldeou grande número de
tribos indígenas. Era essa uma missão espanhola. Em 1750, com o Tratado de
Madrid, pelo qual se estabelecia a fronteira entre a América Espanhola e o
Estado do Brasil, aquela missão espanhola de Santa Rosa passou a ficar em
território do Mato Grosso. (FERREIRA, 1961)
Logo após a assinatura do Tratado de
Madri, as autoridades portuguesas procuraram legitimar a posse dos novos
espaços territoriais acordados e, para isso, trataram de ampliar sua ocupação
fundando Vila Bela da Santíssima Trindade na recém criada Capitania de Mato
Grosso (09.05.1748) e abrindo oficialmente as comunicações das minas de ouro do
Mato Grosso com o Grão Pará pelo Rio Madeira, em 1752.
Os portugueses adotavam,
progressivamente, medidas estratégicas preocupados com a existência, na margem
direita do Rio Guaporé, de três Missões jesuíticas espanholas, as Missões de
Santa Rosa, São Miguel e São Simão. A presença ostensiva dos espanhóis poderia
fazer com que estes viessem a reclamar a posse das duas margens do Rio Guaporé,
inviabilizando a rota comercial do Madeira até as ricas minas da Capitania Mato
Grosso e impossibilitando que esta recebesse apoio militar vindo do Grão Pará.
D. Antônio Rolim de Moura Tavares
O primeiro Governador e
Capitão-General da Capitania do Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura Tavares,
foi nomeado por patente dada em Lisboa, a 25.09.1748, no mesmo ano da criação
da Capitania, criada pelo Alvará de 08.05.1748, embora só tenha chegado à
região em 07.01.1751 e tomado posse na Vila de Cuiabá na mesma data. Rolim de
Moura permaneceu em Cuiabá até novembro cuidando dos arranjos administrativos
necessários para cumprir à risca as “Instruções
dadas pela Rainha ao Governador da Capitania de Mato Grosso D. Antônio Rolim de
Moura, em 19.01.1749”.
A Rainha Mariana Vitória Bourbon
(Regente de D. João V, mulher de D. José I e filha de Filipe V de Espanha)
determinou que o Governador mantivesse, a qualquer custo, a ocupação da margem
direita do Rio Guaporé, ameaçada por incursões espanholas e indígenas, oriundas
das Missões jesuíticas ali instaladas desde 1743.
Instruções da Rainha Mariana Vitória
Bourbon
Estas Instruções foram publicadas em
1892, no Tomo LV, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Virgílio Corrêa Filho comenta:
Quem as ler verificará a importância que a Metrópole atribuía à “Chave
do Sertão do Brasil”, onde fatores de ordem política, mais poderosos do que
os econômicos, apressaram a organização da nova entidade administrativa.
De feito, no coordenar as energias étnicas dos seus súditos, que se
dispersavam pelos sertões afora, e as opor, regularmente enfeixadas e
dirigidas, feito dique intransponível, à onda castelhana, que experimentava
espraiar-se pelo Vale Guaporeano ([1]),
a Coroa portuguesa apenas obedecia à premência incoercível dos agentes locais:
não havia como contrariá-los sem incorrer em grave cinca ([2]).
Predestinada à luta, a Capitania remota nasceu da necessidade de
eficiente escudo, ante o qual se chofrassem ([3])
os golpes dos Missionários, que os Vice-Reis do Peru incitavam a arremetida.
São expressivas, neste particular, algumas passagens das “Instruções” a
Rolim de Moura, afinadas todas por este pensamento:
deveis não só defender as terras
que os meus vassalos tiverem descoberto e ocupado e impedir que os espanhóis se
não adiantem para a nossa parte; mas promover os descobrimentos e apossar do
que puderdes se não estiver já ocupado pelos espanhóis. (FILHO, 1892)
INSTRUÇÕES DADAS PELA
Rainha ao Governador da
Capitania de Mato Grosso
D. Antônio Rolim de Moura
Em 19 de janeiro de 1749
D. Antônio Rolim de Moura, amigo, Governador e Capitão-General da
Capitania de Mato Grosso, considerando a demasiada extensão da Capitania Geral,
que se chamava de São Paulo, e a dificuldade que se experimentava para que um
Governador acudisse a tempo com as providências necessárias a países tão
dilatados, tive por conveniente dividir a dita Capitania Geral em três
partes:
‒ das quais a mais próxima ao Mar e daí até o
Rio-Grande ou Paraná formasse um Governo subalterno ao do Rio de Janeiro,
como são os mais daquela costa;
‒ e desde o dito Paraná até o Rio Guaporé, que
deságua no do Amazonas, fui servida criar uma Capitania Geral com o nome de Mato
Grosso,
‒ e nas terras que medeiam entre este Governo e
o das Minas Gerais outra Capitania Geral chamada de Goiás.
E como o Governo de Mato Grosso pela grande distância em que fica pela
sua situação confinante com as Províncias do Peru, e por muitas outras
circunstâncias requeria ser administrada por pessoa de grande zelo e prudência,
houve por bem escolher-vos para a irdes estabelecer, esperando que em tudo
sabereis completamente desempenhar a minha expectação ([4]).
§ 1. Suposto
entre os Distritos de que se compõe aquela Capitania Geral, seja a de Cuiabá a
que presentemente se ache mais povoada, contudo entendendo que no Mato Grosso se requer a maior vigilância por
causa da vizinhança que tem, houve por bem determinar que a cabeça do
Governo se pusesse no mesmo Distrito de Mato Grosso, no qual fareis a vossa
mais costumada residência. Mas será conveniente que também algumas vezes vades
ao Cuiabá, e a outras minas do mesmo Governo, quando o pedir o bem de meu
serviço e a utilidade dos moradores.
§ 2. Por
se ter entendido que Mato Grosso é a chave e o propugnáculo ([5])
do sertão do Brasil pela parte do Peru, e quanto é importante por esta causa
que naquele Distrito se faça população numerosa, e haja forças bastantes a
conservar os confinantes em respeito, ordenei se fundasse naquela paragem uma
Vila, e concedi diversos privilégios e isenções para convidar a gente que ali
quisesse ir estabelecer-se, e que, para decência do Governo e pronta execução
das Ordens, se levantasse uma Companhia de Dragões, e ultimamente determinei se
erigisse Juiz de Fora no mesmo Distrito. Encomendo-vos que, depois que a ele
chegardes, considereis, e me façais presente quais outras providências serão
próprias para o fim proposto de segmentar e fortalecer a Povoação daquele
território.
§ 3. Pelo
que toca à fundação da Vila, é factível que, sem mais atenção que ao lugar
frequentemente mais frequentado, a tenham posto no Arraial de São Francisco
Xavier, o qual consta ser muito doentio. E como de nenhuma sorte convém que a
residência principal do Governo tenha um defeito tão essencial, vos recomendo
que, examinando os sítios daquele Distrito, onde bem possa colocar-se a Vila,
escolhais o mais próprio para a sua estabilidade, e o mais cômodo pelas suas
circunstâncias, atendendo a que o lugar seja defensável, e quanto for
possível vizinho ao Rio Guaporé, ou a algum
outro navegável que nele deságue para lograr as comodidades da navegação
e da pesca.
E ainda que a Vila se ache já fundada no
dito Arraial, ou em outra parte menos cômoda, deixo à vossa eleição mudá-la
para o sítio que for mais a propósito. Tereis também cuidado de mandar traçar
as ruas direitas e largas, o mais que vos parecer
conveniente, para que a mesma Vila desde o seu princípio se estabeleça com boa
direção.
§ 4. Quanto aos privilégios e isenções que tenho
concedido, considereis se poderão sem inconveniente acrescentar a alguns outros
que contribuam, a convidar moradores e mineiros para irem povoar aquele
território.
§ 5. No que pertence aos Soldados Dragões, como até
o presente são raros, e mui custosos os cavalos no Distrito do vosso Governo,
fareis por ora servir os ditos Dragões a pé. Mas encomendo-vos que promovais
com atividade as criações de cavalos e gado, animando os criadores pelos meios
que vos parecerem convenientes. E quando se puserem os cavalos em preços
moderados, mo fareis presente pelo Conselho Ultramarino para determinar-se de
se montar a tropa, e apontareis a providência que convirá dar-se para o
sustento dos cavalos.
§ 6. Quanto ao Juiz de Fora, me informareis com o
vosso parecer se é mais conveniente que se ponha no Cuiabá, e que a Ouvidoria
passe para Mato Grosso, ou que em ambas as partes haja Ouvidoria.
§ 7. Na sobredita Vila cabeça do Governo, é preciso
se faça a casa para morada dos Governadores, e pelo muito que fio do vosso zelo
e prudência, hei por bem que a mandeis levantar com aquela decência e
comodidade que vos parecer necessária e bastante, atendendo ao remoto sertão em
que fica situada a vossa residência. Para este efeito se vos entregará ordem
minha direta ao Provedor da Fazenda para que assista com o dinheiro necessário
a essa despesa.
§ 8. A proximidade em que está Mato Grosso das
Missões espanholas dos Xiquitos e dos Moxos, e do Governo de Santa-Cruz de La
Sierra, que é dependência do Peru, se faz preciso que em vós e em vossos
sucessores haja a maior circunspecção para evitar toda a queixa e castigar
toda a desordem que os súditos do vosso Governo cometerem contra os Espanhóis,
e juntamente a maior vigilância para não consentir que os mesmos Espanhóis se
adiantem para a nossa parte, ou cometam violência alguma contra os meus
vassalos.
§
9. Os Missionários de Espanha, em 1743,
por emulação de que os mineiros de Mato Grosso descessem com canoas pelo Rio
Guaporé, passaram da Missão de S. Miguel, que é uma dos Moxos sita na margem
Ocidental do dito Rio, a fundar outra Aldeia na margem oposta com a invocação
de S. Rosa, intentando por esta forma empossar-se da navegação daquele Rio e
impedi-la aos meus vassalos, entre os quais e os Espanhóis tem havido por esta
causa altercações. (BOURBON) (Continua...)
Bibliografia
BOURBON, Mariana Vitória. Instruções
da Rainha Mariana Vitória Bourbon ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ‒ Tomo LV, 1892.
FERREIRA, Manoel Rodrigues. Nas
Selvas Amazônicas – Brasil – São Paulo, SP – Editora Gráfica Biblos Ltdª,
1961.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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