Quarta-feira, 14 de outubro de 2020 - 08h33
Bagé, 14.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXXIV
Real Forte do Príncipe da Beira - II
§10. A
situação desta Aldeia de S. Rosa é tão sujeita a produzir contendas, consequência
gravíssima, que em quanto não se faz amigavelmente a respeito dela alguma
transação que as evite para o futuro. Ficando os limites das duas monarquias
pelo Rio Guaporé, deveis pôr todo o cuidado para que ao menos não cresça o mal
que dali pode resultar. Por detrás daquela Aldeia se descobriram ultimamente as
minas dos Arinos, e em um Ribeirão que está antes de chegar a ela, na mesma
margem Oriental, se tinha já há alguns anos feito outro descobrimento, e é
provável que naquelas vizinhanças se vão achando minas diversas.
§11. Se os índios daquela Aldeia se alargarem a
buscar ouro pelos contornos, é muito factível que se descubram, e que com isso
se faça mais dificultosa a transação amigável, e se vão originando maiores
discórdias entre os vassalos de uma e outra monarquia. Enquanto esta
dependência se não ajusta com acerto de Madrid, o remédio que por ora deveis
aplicar é persuadir moradores que vão situar-se no círculo daquela Aldeia, e
não muitas léguas de distância, dando-lhes sesmarias para assim evitar que os
índios da mesma Aldeia se alarguem nos seus contornos; e deveis defender
eficazmente os “sesmeiros” de
qualquer insulto e moléstia dos mesmos índios. Para este fim, e para o mais que
puder ser necessário, fareis alistar em Ordenanças todos os moradores do vosso
Governo, procurando que andem quanto for possível exercitados e disciplinados.
Nomeareis pela primeira vez os Capitães e mais Oficiais das Companhias e os
Capitães-mores dos Distritos, de que dareis conta pelo Conselho Ultramarino para
serem confirmados por mim, fazendo nas patentes menção desta ordem, e do número
de agentes de que se compuserem os Corpos, que deve ser ao menos de 60 soldados
em cada Companhia, e os Capitães-mores hão de ter ao menos seis Companhias à
sua ordem. Pelo que toca aos provimentos que ocorrem depois dos primeiros, vos
regulareis conforme as ordens emanadas pelo Conselho Ultramarino.
§12. Fareis frequentar, quanto for possível, a
navegação e pesca do Rio Guaporé, para que não tome vigor com a negligência da nossa
parte a pretensão em que têm entrado os Espanhóis de senhorear-se delas. A
respeito da comunicação do Mato Grosso com o Pará, pelo Rio, que será o meio
mais eficaz para destruir aquela preterição e para fortalecer as terras do
vosso Governo, vereis pelas cópias que ordeno se vos entreguem, o que mandei
avisar aos Governadores Gomes Freire de Andrade e Francisco Pedro de Mendonça
Prejon.
§13. Pelo que se ordenou aos sobreditos, ficareis
entendendo o que sou servida se observe nessa matéria e à vista das informações
que enviareis para melhor conhecimento dela, resolverei o que tiver for mais
conveniente ao meu serviço. Mas no caso que eu ao diante determine, que se
franqueie a comunicação do Mato Grosso com o Pará, deveis ter cuidado em que
não se abandone por isso o trânsito de causas, que ao presente se pratica do
Cuiabá para São Paulo; pois por muitas e importantes razões convém conservar-se
frequentado pelos meus vassalos aquele sertão. O Governo da Espanha tem grande
ciúme de que da nossa parte se vendam fazendas de contrabando aos seus súditos
americanos, e assim a razão da boa vizinhança entre mim e El-Rei Católico pede
que, neste particular, tenteis toda a vigilância para impedir aos moradores do
vosso Governo todo o comércio de gêneros com os Espanhóis.
§14. O gentio Paiaguá, apesar de um ataque que já
mandei fazer às suas Ilhas, se tem depois tornado a restabelecer, de sorte que
continua a infestar a navegação dos comboieiros pelo Rio Paraguai. Aos
Governadores de São Paulo se tinha ordenado mandassem fazer alguns bergantins
armados com gente de ordenanças para castigar os insultos daqueles bárbaros, e
segurar a navegação dos ditos comboios. Confio do vosso zelo atendais a
preservar os navegantes e vizinhos do dito Rio do susto daquele gentio, e
quando exaustos todos os meios de persuasão e de brandura, não possais
conseguir que desista das suas hostilidades, procurareis eficazmente reduzi-los
com castigo a viverem racionalmente. E se para isto necessitardes de alguma
coisa que faltem naquele sertão, o avisareis pelo dito Conselho, para se darem
as providências convenientes. Em todo o vasto país que medeia entre o Paraguai
e o Paraná ou Rio-Grande se acha vivendo o gentio Caiapó, que é o mais bárbaro
e alheio de toda a cultura e civilidade, que até agora se descobriu no Brasil.
As contínuas hostilidades com que infesta os caminhos de São Paulo para Goiás e
para o Cuiabá e até as mesmas povoações dos Goiases me obrigaram a mandar
ultimamente se deliberasse, em uma Junta de Missões no Rio de Janeiro, se devia
fazer-se-lhe guerra, conforme os meios, com que se haveria de executar no caso
que se julgasse indispensável. O Governador Gomes Freire de Andrade vos
comunicará o último estado desta dependência, para que por vossa parte
coopereis com ele, e com o Governador de Goiás no que se tiver assentado na
dita Junta. E como um meio eficaz para afugentar e atemorizar estes bárbaros, é
o de penetrarem os sertanejos pelas terras em que vive aquela nação, será
conveniente que favoreçam todo o descobrimento de ouro que se intentar na
serrania, que corre de Camapuan para o Norte. Nas terras que medeiam entre o
Cuiabá e o Mato Grosso se encontrou há alguns anos a nação dos índios Parecis,
mui próprios para domesticar-se, com muitos princípios de civilidade, e outras
nações de que se poderiam ter formado Aldeias numerosas e úteis, e com sumo
desprazer soube que os sertanejos do Cuiabá não só lhes destruíram as
povoações, mas que totalmente têm dissipado os meus índios com tratamentos
indignos de se praticarem por homens cristãos. Por serviço de Deus e meu e por
obrigação da humanidade, deveis pôr o maior cuidado em que não se tornem a
cometer semelhantes desordens, castigando severamente aos autores delas, e
encarregando aos Ministros que pela sua parte emendem e reprimam rigorosamente
tudo o que neste particular se houver feito ou ao diante se fizer contra as
repetidas ordens que têm emanado nesta matéria.
§15. Pelo que toca aos índios das nações mansas, que
se acham dispersos servindo aos moradores a título de administração,
escolhereis sítios nas mesmas terras donde foram tirados, nas quais se possam
conservar aldeados e os fareis recolher todos às Aldeias, tirando-os aos
chamados administradores, e pedireis ao Provincial da Companhia de Jesus do
Brasil vos mande Missionários para lhes administrarem a Doutrina do Sacramento.
Igualmente lhes pedireis para a administração de qualquer Aldeia ou nação que
novamente se descubra, não consentindo que se dissipem os índios ou se tirem das suas naturalidades ou se lhes faça dano
em violência alguma, antes se apliquem todos os meios de suavidade e
indústria para os civilizar, doutrinar em tudo como pede a caridade cristã.
§16. Às
Aldeias distribuireis de sesmarias as terras que vos parecerem necessárias para
as suas culturas, conforme o povo que contiverem. Não consentireis que os
índios sejam administrados por pessoas particulares e muito menos que sejam
reduzidos a sujeição alguma, que tenha a mínima aparência de cativeiro, nem
que, na administração econômica das Aldeias, se insira pessoa alguma fora os
Missionários, nem que vão seculares a demorar-se nelas mais de três dias. E
assim, a estes respeitos, como aos mais que pertencem aos governos de minas,
fareis exaustissimamente observar o “regímen”
e ordens que têm emanado tocante a elas.
E deveis estar na inteligência que tenho
ordenado se deem de côngrua ([1])
da minha fazenda a cada Missionário das Aldeias 40.000 réis por ano. E pelo que
pertence à ereção e guisamento ([2])
das igrejas das mesmas Aldeias, dareis interinamente as providências mais
necessárias e, quanto ao mais, informareis pelo Conselho Ultramarino da ajuda,
com que será conveniente que eu mande assistir.
§17. Por falta de conhecimento bastante dos sertões,
não tenho determinado até agora os limites do Governo de Mato Grosso, mais que
pela banda do Rio Grande. A respeito das outras partes, portanto, confinantes
com os governos de Goiás e do Pará, procurareis todas as informações que vos
for possível alcançar e mas fareis presentes, enviando juntamente Mapas do
terreno para que se resolva por onde devem ficar os confins, assim do Governo
secular como das Prelazias e das Judicaturas. Pelo que toca aos confins do
vosso Governo pela parte do Peru, atualmente estão entabuladas algumas
negociações para as regular amigavelmente. Enquanto, porém, tratado definitivo
sobre esta matéria não chega a concluir-se, é bom que vades prevenido a
respeito das queixas que talvez vos fará o Governador de Santa-Cruz de La
Sierra, ou o Presidente de Chuquisaca, e deveis estar na inteligência que na
matéria destes confins, não há razão que deva fazer escrúpulo do excesso da
nossa parte, antes ao contrário.
Porque suposto entre esta Coroa e a de
Castela se fizesse no ano de 1491 uma Convenção em Tordesilhas, em que se
assentou que, imaginado uma linha meridiana a 370 léguas ao Poente das ilhas do
Cabo Verde, todas as conquistas destas linhas para o Oriente pertencessem a
Portugal e as que ficassem para o Ocidente da mesma linha tocassem à Espanha,
não posso, contudo, considerar-me obrigada a conter o limite da minha conquista
no da dita linha. Primeiramente porque devendo, em consequência, da dita
convenção, pertencer a cada uma das Coroas 180 graus meridianos, se acha pelo
contrário que do termo da dita linha contando para o Poente até a extremidade e
domínio espanhol no Mar da Ásia e Ilhas Filipinas, ocuparia aquela Coroa mais de 13 graus além de 180, que pela dita Convenção lhe toca. E como o espaço que importam os 13 graus é muito
maior do que os meus vassalos têm talvez ocupado além da dita linha no sertão
do Rio das Amazonas e no Mato Grosso, segue-se que ainda falta muito para
ficar compensada a minha conquista do que os Espanhóis têm excedido no seu
hemisfério. Em segundo lugar porque, tendo o Imperador Carlos V, pela convenção
feita em Saragoça, em 1523, vendido a esta Coroa, tudo o que a Espanha pudesse
pretender desde as Ilhas das Velas para o Poente, prometendo que seus vassalos
não navegariam mais além daquelas ilhas, e se por acaso passassem ao Ocidente
delas, e aí descobrissem algumas terras, as entregaria logo a Portugal, sem
embargo deste contrato, foram os Espanhóis depois estabelecer-se nas Filipinas,
donde resulta um novo título para eu pretender a compensação destas Ilhas.
§17. Supostos estes fundamentos da justiça da minha
Coroa, deveis não só defender as terras que os meus vassalos tiverem descoberto
e ocupado e impedir que os Espanhóis se não adiantem para a nossa parte; mas
promover os descobrimentos e apossar-vos do que puderdes e não estiver já
ocupado pelos Espanhóis, evitando quanto for possível não só toda violência,
mas ainda a ocasião de dissabor pelo que toca às novas ocupações. E no caso que
algum dos Governadores espanhóis vos faça instâncias ou protestos a este
respeito, respondereis que, sobre semelhantes questões, se não pode tomar
acordo entre vós, mas entre as duas Cortes, por onde cada qual de vós deve
mandar as suas representações.
§18. Perto da Vila do Cuiabá há uma campanha alta
chamada do Jassé, em que se afirma haver uma extraordinária abundância de ouro,
que não pode aproveitar-se por falta de água para as lavagens. O povo do Cuiabá
se empreendeu à sua custa trazer este efeito de grande distância um Ribeirão, e
gastando nesta empresa um grosso cabedal ([3])
teve a infelicidade de tomar tão mal as medidas a que no fim do trabalho se
reconheceu que faltava muita altura para chegar a água onde era necessário. E
como sou informada de que, da condução desta água podem resultar avultadas
conveniências, assim à minha fazenda como à dos meus vassalos: Hei por bem que,
averiguado com a certeza possível, se a água pode chegar à altura competente, e
fazendo examinar os defeitos do canal precedente, quando vos pareça factível a
obra por meio da contribuição do povo, animareis a isso, sem porém usar de
constrangimento algum; e se entenderdes que não bastarão as faculdades dos
moradores para o fim desejado, me avisareis logo, apontando a assistência com que
será conveniente contribua a minha fazenda e o mais favor que vos parecer será
eficaz para conseguir-se o intento.
§19. Tem procedido grandes inconvenientes e
embaraços da frequentação que apesar de todas as proibições, se foi praticando
furtivamente das minas de diamantes que existem no Goiás. E suposto ultimamente
dei providência que pareceu mais própria para se atalhar, resta o receio de que
o mesmo dano se renove no Cuiabá, por haver notícia e terem aparecido amostras
de diamantes, que se acham no Rio Coxipó nos contornos daquela Vila. Pelo que
vos recomendo a maior vigilância possível em proibição toda a busca de
diamantes naquela e em qualquer outra paragem do vosso Governo, e castigareis
severamente toda pessoa que vos constar se ocupa em buscá-los, ordenando
debaixo das penas que vos parecer que, se alguma pessoa trabalhando em outro
ministério descobrir por acaso algum diamante, o traga ou mande à vossa
presença para o remeter a esta Corte, onde mandarei dar ao dono dele o que for
justo, para que não faça comércio deste gênero
fora da caixa do contrato.
§20. Muitas outras coisas se oferecerão à vista do
país, que não é possível ocorrerem de longe para se lhes dar providência nestas
instruções, mas fio da vossa providência e zelo que em todas sabereis tomar
acordo tão conveniente ao meu serviço que tenha muito que louvar-vos. [...]
Escrita em Lisboa a 19 de janeiro de 1749.
Rainha Mariana Vitória Bourbon
Marco Antônio de Azeredo Coutinho.
Instrução que V. M. é servida mandar a D.
Antônio Rolim de Moura, nomeado Governador e Capitão-General de Mato Grosso,
cujo Governo vai criar na forma que acima se declara.
Para Vossa Majestade ver.
Manoel Ignácio
de Lemos a fez. (BOURBON) (Continua...)
Bibliografia
BOURBON, Mariana Vitória. Instruções
da Rainha Mariana Vitória Bourbon ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ‒ Tomo LV, 1892.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H