Segunda-feira, 19 de outubro de 2020 - 11h12
Bagé, 19.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXXVII
Real Forte do Príncipe da Beira - V
Preocupado
com a possibilidade de um conflito iminente, Rolim de Moura solicitou reforços
ao Capitão-General do Pará Manoel Bernardo de Melo e Castro. Em fevereiro de
1762, Rolim de Moura, depois de receber de Melo e Castro um reforço de 30
militares e munição do Pará, transformou o Destacamento de Conceição em Forte
Nossa Senhora da Conceição. Rolim de Moura, depois de ter sido informado da
fundição de peças de artilharia na missão espanhola de São Pedro e a intensa
movimentação de embarcações no Rio Guaporé, resolveu organizar em agosto de
1762, uma Expedição ao Forte Nossa Senhora da Conceição. A Expedição partiu de
Vila Bela, em 25.08.1762, chegando ao seu destino em 13.09.1762. Dois anos
depois de sua criação, o Forte contava com um efetivo de 133 homens.
Mandou, pois, para Conceição quantos soldados pôde dispensar da escassa
guarnição de Mato Grosso, requisitando do Governador do Pará trinta infantes e
algumas munições de guerra. Não era sem motivo que assim se mostravam ansiosos
os Jesuítas de desalojar da sua vizinhança os Portugueses.
Por mais fácil que fosse a vida dos índios nas Reduções, onde
abundantemente se lhes supriam todas as necessidades, sem que jamais tivessem
de cuidar em si nem no dia de amanhã, o amor da mudança, o desejo da novidade,
e talvez um enfado da disciplina moral, debaixo da qual viviam, e da perpétua inspeção
a que estavam sujeitos, faziam-nos desertar aos bandos para a guarnição, onde o
Capelão os tomava ao seu cuidado espiritual e o Governo ao seu serviço. Não se
teria desta forma acoroçoado ([1])
a deserção, se os Portugueses não houvessem tido por coisa mui justa usar
destas represálias contra os Jesuítas, que tinham tirado os naturais da margem
direita.
Em agosto do ano seguinte [1762], foi Azambuja visitar a guarnição.
Compunha-se ela, depois de todos os seus esforços, de 7 oficiais, 34 praças de
cavalaria, 21 infantes, 6 aventureiros e 65 negros. Deu-se o Governador o maior
trabalho em disciplinar esta gente. Traçou-se um Forte pentagonal, mas não foi
possível construir-se antes de concluídos os quartéis. Para prevenir todo
perigo de surpresa, montou-se uma guarda regular na estacada como em tempo de
guerra, e canoas de vigia rondavam o Rio para baixo do Forte até à Foz do Mamoré,
e para cima até à do Baurés.
Em fevereiro de 1763, chegou do Pará um reforço de 26 homens, mal
providos de tudo, mas o todo compunha agora uma força não para desprezar-se,
atento o lugar em que se reunira, e a espécie de hostilidades que se receavam.
(SOUTHEY)
A
Guerra dos Sete Anos ultrapassou as fronteiras europeias e exacerbou os
conflitos na América. Os espanhóis concentraram suas tropas tentando recuperar
as antigas Missões à margem direita do Guaporé. O efetivo das tropas
portuguesas no Forte Nossa Senhora Conceição era, agora, de 260 homens,
formados por uma Companhia de Dragões e Sertanistas.
Rolim
de Moura ampliou sua força com mais dois Corpos de Voluntários compostos de
companhias de pedestres ([2]) e
aventureiros ([3]).
Em
abril, os espanhóis começaram a agrupar suas forças na Barra do Rio Itonamas. O
Sargento de Infantaria Pedro de Figueiredo de Vasconcelos, enviado por Rolim de
Moura para avaliar o poder espanhol, informou que existiam aproximadamente 800
homens, grande quantidade de armas, munições e peças de artilharia. No dia
16.04.1763, os castelhanos receberam reforço de 40 canoas, mais homens e apetrechos
de guerra. As tropas espanholas, agora em torno de 1.200 homens (alguns autores
estimam em 5.000), iniciaram simulações de assalto ao Forte N. Sª. da
Conceição. Rolim, novamente, pediu reforço ao Governador do Pará.
Umas três semanas depois, trouxe a canoa de vigia aviso de se terem visto
vestígios de grande e recente acampamento perto da embocadura do Mamoré; nada
mais se descobriu, apesar de visitado por vezes o sítio, até princípios de
abril, em que começaram as inundações, mas era claro ter tido lugar algum
movimento considerável cumprindo continuar a vigiar. Por este tempo, nada mais
tinha a guarnição para rações senão legumes e presunto, nada oferecendo do seu
lado as terras com que se pudesse contar, enquanto que o País das Missões
abundava em gado. Comprá-lo era impossível, atento o humor de que estavam os
Jesuítas, e entrar-lhes pelas terras adentro para apreender reses seria um ato
de guerra direta; mas também havia ali gado bravo, e esse podia-se caçar sem
cometer maior ofensa do que uma transgressão de fronteira que podia até passar
despercebida. Saiu, pois, a esta diligência um Cabo com 22 homens, sendo metade
índios. Subiram todos o Rio Itonamas, fizeram grande caçada e por três vezes
remeteram para o Forte o seu produto. Tinha-se-lhes mandado Ordem de Recolher,
por haver a canoa de vigia dado rebate ([4]),
quando um troço ([5]) grande de Espanhóis e
índios, atravessando nas suas canoas o pantanal, a caminho de S. Pedro para
Itonamas, avistou o acampamento à margem, aproximando-se dele com tanto
segredo, que surpreenderam o Cabo e nove homens da sua gente. Caçavam os
camaradas nas florestas, nem voltaram senão depois de terem sido levados os
prisioneiros: ida era também a canoa e quanto lhes pertencia. Só lhes restava
agora atravessar como pudessem as matas e as águas, passando a nado os Rios e
dirigindo a marcha pelo tino, até que, após uma semana de rudes fadigas,
chegaram à guarnição quase exaustos de trabalhos e fome.
Pouco antes da sua chegada, tendo o Capelão saído com a sua escopeta, avistou
uma porção de canoas à embocadura do Itonamas, e multidão de gente em terra. Ao
saber disto, mandou Azambuja sair uma canoa a reconhecer e os espanhóis a
mandaram retirar imediatamente, dizendo que não deixariam passar ninguém Rio
acima, mas o batel ([6])
aproximara-se o preciso para ver que havia artilharia. Foi então Azambuja em
pessoa com duas canoas armadas, acercando-se com rufo de tambores. Ao chegar
perto, ouviu-se um tiro e uma bala lhe veio cair a breve distância da proa; tão
rude saudação o obrigou a demandar terra.
Passou ele ali a noite, que já vinha fechando, e de manhã mandou um
oficial a perguntar ao Comandante espanhol qual a razão deste procedimento. Informou-o o
espanhol de que havia dezesseis meses já
que estava declarada a guerra entre Portugal e Espanha, sendo para estranhar que o Governador de Mato Grosso ignorasse tão
importante sucesso.
Na verdade, só se pode isto explicar supondo que o portador da notícia
tivesse pelo caminho sido vítima dos selvagens. Acrescentou o espanhol que
vinham aquelas tropas às ordens do Governador de Santa Cruz de la Sierra, que
se achava em pessoa à Foz do Mamoré, com maior força; que o fim da Expedição
era expulsar de Santa Rosa os portugueses, enquanto o Governador de Charcas
marchava com cinco mil homens contra Mato Grosso; e que as Praças mais fortes
de Portugal tinham caído em poder dos espanhóis, cuja metade já era do reino
[espanhol].
Más novas eram estas para Azambuja, porquanto por mais exageradas que fossem numas coisas e falsas em outras, não
havia que duvidar ter-se feito daquelas bandas algum grande e extraordinário
esforço. A hoste, que ele tinha diante de si, exclusivamente composta de
índios, não podia ser menor de setecentos homens, armados de espadas e
mosquetes, contando-se oito peças de artilharia.
Mandou-se agora explorar também o acampamento sobre o Mamoré; e se, como
afirmara o oficial, se dirigisse um ataque simultâneo contra Mato Grosso, tão
impossível era ao Governador tomar medidas para proteger Vila Bela e Cuiabá,
como obter dali socorros na sua própria situação perigosa. Mas bem sabia
Azambuja quão difícil era trazer de Charcas um exército, e quão improvável
obrarem os Espanhóis com uma energia tão pouco de acordo com os hábitos em que
desde muitas gerações tinham caído. Fosse como fosse, outra alternativa não lhe
restava senão deixar-se ficar e sustentar o novo estabelecimento, onde a sua
presença era na verdade a melhor defesa.
Estacionou uma lancha armada e duas canoas ligeiras a observar o inimigo,
e voltando ao Forte pôs o bastão de Comandante com grande solenidade nas mãos
de Nossa Senhora da Conceição, suplicando-a que sobre si tomasse a defesa
daquela Praça, que os fiéis Portugueses tinham dedicado ao seu nome, e colocado
debaixo do seu especial padroado. Neste ato de idólatra devoção beberam ([7])
os soldados quiçá mais confiança do que se lhes houvessem duplicado o número,
sendo crível que apelando para esta superstição fosse tanto a própria fé como a
política que guiou Azambuja. Mas nem por isso se descuidou ele de recorrer ao
auxílio humano. Despachou para o Pará seis índios escolhidos que, apesar de
acharem um acampamento espanhol na junção dos Rios, espreitaram tão bem a
ocasião, que passaram por ele sem serem pressentidos. (SOUTHEY) (Continua...)
Bibliografia
SOUTHEY, Robert. História
do Brasil ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Editora Melhoramentos, 1977.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Acoroçoado: incitado.
[2] Companhias de Pedestres: eram formadas por bastardos (filhos de
brancos com índios), mulatos (filhos de brancos com negros) e caborés ou
caburés (filhos de negros com índios), preferidos por serem excelentes
rastejadores. Geralmente andavam descalços e usavam como armamento uma
espingarda sem baioneta, uma bolsa e uma faca de caça.
[3] Companhias de Aventureiros: “Os
soldados que eu chamo Aventureiros são vários sertanistas que havia por este
Rio, e que antes da minha chegada ao Mato Grosso viviam de fazer entradas ao
sertão e buscar gentio; e outros serviam aos Padres castelhanos na mesma
diligência, ou de outros misteres nas Aldeias. A estes mandei assentar praça
com o título de Aventureiros, dando-lhes o soldo de Dragões sem farda”. (Carta
de Rolim, de 30.09.1762).
[4] Rebate: sinal de aparecimento do inimigo.
[5] Troço: tropa.
[6] O batel: a embarcação.
[7] Beberam: receberam.
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