Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXXI - Real Forte do Príncipe da Beira - VIII


A Terceira Margem – Parte LXXI - Real Forte do Príncipe da Beira - VIII - Gente de Opinião

Bagé, 22.10.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XL

 

Real Forte do Príncipe da Beira - VIII

 

O escritor Virgílio Corrêa Filho, no Volume IV de sua obra “As Raias de Matto Grosso – Fronteira Occidental”, faz um relato detalhado das ações promo­vidas pelo Capitão-General Câmara para defender a Fortaleza de N. Sª. da Conceição frente às tropas castelhanas de D. Juan de Pestana.

 

Constou então que cinco meses antes, de Chiquisaca vieram 500 homens, com um Engenheiro que planejou habilmente a ofensiva. Ao seu parecer, o Posto de Nossa Senhora da Conceição não resistiria a sério ataque por tropas regulares, ao mesmo tempo que outras fizessem incursões pelos Distritos de Vila Bela e Cuiabá. O plano era, em verdade, inteligente e, executado, teria comprometido a segurança da Capitania. Bem o percebeu Câmara, que acha exagerado o menosprezo com que Rolim considerava a capacidade militar do inimigo. Ao contrário, afigurava-se-lhe seriamente ameaçada a integridade do território que governava. Balanceia os recursos de que dispõe. Além da artilharia que trouxe, aprecia a gente que lhe constitui a “tropa”, composta das Companhias de Dragões e de Pedestres, para as quais solicita oficiais, observando que “para exercer semelhantes postos são os filhos da América os mais aptos, e entre eles os Paulistas, porque todos têm a mesma habilidade dos soldados” (Carta de 10.10.1765), afeitos como são aos múltiplos serviços da vida sertaneja.

 

Explora as cercanias de Vila Bela, que verifica estar circulada pelas Missões de Chiquitos; acompanha a atividade militar do vizinho que, de São Pedro, onde o Presidente da Real Audiência dirige em pessoa o funcionamento do arsenal, se irradia para as outras Missões ao levante.

 

Em Carta de 19.06.de 1766, Câmara informa que as 4 missões de Baurés estão guarnecidas por 100 soldados cada uma; as duas de Itonamas por 200 e um Coronel de Engenheiros as de S. Pedro e Exaltação, muito maior número.

 

Em oposição a tamanho aparato bélico, mobiliza Câmara da melhor maneira os seus recursos. Além do que via, nada mais era necessário para lhe esporear o zelo; entretanto, por essa época, recebe a Carta em que Mendonça Furtado [Carta de 17.12.1765] lhe recomenda toda a vigilância e cautela na fronteira, pois que pela Europa as coisas não marcham a contento, e dão que pensar aos governos ...  A sua gestão se desenvolvia afinal no “regímen” da paz armada, imposto pelo vizinho arreliento ([1]). Destarte ([2]), em fevereiro de 1766, roda pelo Guaporé, até o “Sítio das Pedras”, que guarnece com 40 soldados de ordenança; de regresso a Vila Bela, vai examinar o Vale de Barbados, prevenindo surpresas dessagra­dáveis; recomenda ao Capitão-mor de Cuiabá que se mantenha alerta; e segue em junho para o Forte de Nossa Senhora da Conceição, onde chega a 15. Arrola os elementos que possui para a defesa: “6 canoas armadas em guerra com duas pecinhas em cada e quatro bacamartes, e um bote com 30 soldados com uma peça de libra na proa e outra de ¾ na popa”, para impedir a entrada dos castelhanos no Guaporé.

 

Chega, mais tarde, a 3 de novembro, apreciável reforço do Pará, de 100 soldados, que lhe dobram o efetivo da guarnição. Ativa o aumento das obras da Fortificação, que os castelhanos cobiçavam, quando os vê aproximarem-se em marcha agressiva (os castelhanos chegaram em setembro de 1767). Cerca de 4.000 homens, “fardados de azul com canhões encarnados, e com muito bom armamento”, acampam em frente a Nossa Senhora da Conceição, de onde o General Chefe destaca uma companhia de granadeiros e de fuzileiros para ocuparem Santa Rosa Nova, duas léguas à jusante da Fortaleza, mantendo junto a si o grosso da força, em terreno pantanoso, que entrincheirou, aí acantonando 8 peças de bronze.

 

Câmara enganou-se na estimativa, ou foi enganado pelos informantes. O efetivo dos castelhanos não atingia, no começo da marcha, a dois mil, em cujo número entrava um Batalhão organizado em Potosí, às ordens de Aymenrich, um de Chuquisaca, sob o Comando de Espinosa, uma Companhia de Granadeiros dirigidos por Pascoal, que Ceballos lhe enviara juntamente com outros oficiais e marinheiros peritos no manejo da Artilharia [Defesa de Pestana]. As moléstias e deserções e serviços esparsos dos destacamentos reduziram o grosso da força atacante a mil homens. Esta informação de J. Câmara comprovou-se pelo depoimento de Pestana, quando justificou em Carta ao Vice-Rei de Lima, de 23.04.1767, o fracasso da sua Expedição. No arquivo do Estado encontra-se uma cópia desse depoimento, vertido para o vernáculo; bem que não autenticada, contém tantos pormenores a respeito da marcha militar, que não se pôde pôr em dúvida a sua autenticidade. Aí diz Pestana que chegando a São Pedro, a 21.08.1767, partiu a 15.09.1767, e acampou no Curral Alto, distante uma légua da Estacada de Santa Rosa, enquanto o Engenheiro D. A. Aymerich ocupava Santa Rosa a Nova, de onde explorou o terreno do ataque.

 

Gastou o resto do mês e a primeira quinzena de outubro em preparativos, que lhe permitissem assestar a Bateria e dispor de balsas para a travessia do Rio.

 

Suspeitou Câmara que a encenação do General visava à concentração no Forte, dos destacamentos esparsos, aos quais, ao revés ([3]), determinou que não se afastassem dos seus postos, nem consentissem na travessia dos castelhanos, enquanto houvesse um soldado vivo. Enfrentaram-se, por vários dias, os dois Governadores: o “General Presidente da Real Audiência da Chiquisaca”, cercado de luzido exército, e o Capitão General de Mato Grosso, com força dez vezes inferior, mas que se julgava mais perito na arte militar que o outro. “Eu tinha grande esperança de ficar senhor da sua artilharia”, lembrou em Carta descritiva de tais sucessos, ao criticar a má escolha do lugar em que foi erguida a trincheira.

 

Em defesa do seu proceder, Pestana diz que Santa Rosa estava em muito melhores condições militares do que imaginava, podendo resistir a 15 dias de assédio, e por isso, dispondo apenas de 18 artilheiros e 484 balas, previu “sua derrota e último extermínio com a perda da artilharia, que era conseguinte, tudo com desonra das invictas Armas de S. Majestade”.

 

Ademais, sabia que “o clima com as muitas doenças que produz é o melhor auxiliar que temos a nosso favor”.

 

Na Carta de Pestana, há passagens expressivas a este propósito... “reconhecendo que, com as peno­sas marchas desta Cidade a Mojos, e especialmente com a maligna intempérie daquele clima, iam picando espantosamente as enfermidades na tropa...” refere-se ele ao que sucedeu em São Pedro, em cujo hospital “mal convalescentes ficaram mais de 250 homens tão mortalmente prostrados, os mais têm falecido” por fim, ao retirar-se, deixou nos hospitais “mais de 650 homens ou indivíduos de todas as classes...” e “nos sepulcros mais de 500 cadáveres, que na nossa tropa têm sido miseráveis vítimas da sua intempérie no breve espaço de 5 a 6 meses que durou a nossa jornada”.

 

Não se atemorizou, pois, quando, por um desertor, soube que o assalto estava marcado para o dia 22. Dispôs a sua gente à defesa e esperou debalde pela acometida. Constou-lhe depois que, nesse dia, veio um “postilhão ([4]) ao General”, com ordem de sustar as hostilidades.

 

O bombardeio deveria ter começado no dia 20, diz Pestana. Mas o recebimento da Carta de D. Pedro Ceballos, de 13.06.1766, evitou a derrota castelha­na. O Vice-Rei do Rio da Prata avisava que ao Rio de Janeiro tinha chegado o navio mercante “Príncipe S. Lourenço”, que saíra do Porto de Buenos Aires, com “um milhão de pesos e carga de couros”, que corre­riam grande risco se houvesse em Mojos rompimen­to com os portugueses, convinha, pois, evitar a luta. Pestana resolveu, antes de iniciar as hostilidades, examinar com mais cuidado a sua força, de que existam apenas “748 homens acidentados, ou mal convalescidos faltando ao cumprimento de um mil, ou pouco mais que partiram de São Pedro, mais de 250 que morreram neste entremeio”; então reuniu o Conselho de Guerra, “que em 19.10.1766 se celebrou com a minha assistência, e com a dos Coronéis D. Antônio Aymenrich, Engenheiro dos Reais Exércitos, e D. João Espinosa Devalos Inspetor e Major General, e dos Tenentes-Coronéis D. Antônio Pascoal, e D. Leão Glz. de Velasco, Comandante da Artilharia e D. Manoel Garcia Sargento-Major destes Batalhões, e se deliberou somente por comum e unânime consentimento que não se rompesse o fogo e se suspendesse o ataque da estacada de S. Rosa Velha”.

 

Mais tarde soube oficialmente o que se passara. D. Juan Victoriano Martines de Tineo, Presidente da Real Audiência de la Plata, refere-lhe [Carta de 15.12.1767] que o seu antecessor, D. Juan de Pestana, diante da obstinada teimosia de Rolim de Moura em não desocupar o Forte da Conceição, como lhe solicitara seguidamente D. Alonso Verdugo, viera forçar pelas armas o que não conseguira pelos meios suasórios.

 

A Expedição de Mojos foi organizada em virtude da Real Ordem de 10.09.1761, mandada executar pelo Vice-Rei a 11.05.1765, quando já não havia causa de rompimento. Aliás, o governo espanhol, tão logo soube dos preparativos, condenou o plano, e mandou sustar qualquer investida, por ordem de 10.06.1766, conforme diz Pestana.

 

Por coincidência, porém, recebeu, no próprio acampamento, onde já se aprestava para o assalto, ordem formal, em que o Rei, sabedor dos projetos belicosos dos seus súditos, desaprovou terminante­mente; as lutas europeias não deveriam estender-se à América.

 

Martines informa que é de 04.07.1766 a Carta Régia, que paralisou a ofensiva dos castelhanos. Esta ver­são contraria a de Pestana, que deve ser entretanto a verdadeira. O Rei condenou, era verdade, a Expedição, mas em Ordem que só foi recebida muito tempo depois destes sucessos. A contramarcha dos expedicionários teve como pre­texto a Carta de Ceballos, e como causa eficiente a inferioridade em que só julgavam estar, relativamen­te à força portuguesa. Pôs-se de manifesto em tal conjuntura o desânimo de Pestana que, por isso, foi substituído, no Comando, por D. Antônio Aymenrich, e na “Presidência de Charcas” por Pineo e ao mesmo tempo intimado a apresentar-se perante o Vice Rei, para o que deveria:

 

seguir de S. Cruz de la Sierra pela via de Cochabamba sem tocar em a Cidade de Prata nem em Potosí. [Defesa de Pestana]

 

Câmara, espada embainhada, tomou da pena de diplomata para responder. Somente agora lhe era manifesto o desígnio com que viera à fronteira o “predecessor de V. Ex.ª, D. Juan Pestana”, cuja marcha até então lhe parecera inexplicável, porquanto nenhum aviso recebera de hostilidades; muito se empenhara, em tais condições, para evitar nocivo rompimento, não consentindo que os seus soldados fizessem a mais ligeira provocação.

 

Jamais teve ordem do seu governo que fosse contrária às disposições do último “Tratado de Paz” (Carta de 10.04.1768), por isso estranhou a aproximação do exército castelhano. Entretanto, não põe dúvida em desembaraçar a Barra do Itonamas, “todas as vezes que V.S.ª fizer retirar as suas tropas, e me mandar remeter os prisioneiros Portugueses”. Quanto, porém, à Fortaleza, desconhece qualquer Ato de Armistício que obrigue a sua demolição. Aliás, nada mais tem feito que simples obras de conservação, embora se julgue autorizado a aumentá-la, se lhe parecer necessário. [Carta de 25.06.1768]

 

Para lhe robustecer a convicção, viera a propósito a Carta em que Mendonça Furtado [Carta de 02.05.1767] lhe recomendava a encetadura ([5]) de trato afável com os vizinhos, sem descuidar todavia das Fortificações defensivas, pois que “quanto mais respeitável e temida for a Fortaleza, tanto mais firme e segura será a Paz e tranquilidade por essas partes”. (FILHO) (Continua...)

 

 

Bibliografia

 

FILHO, Virgílio Corrêa. As Raias de Matto Grosso – Brasil – São Paulo, SP – Volume IV – Fronteira Occidental – Seção de Obras d’O Estado de São Paulo, 1925.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Arreliento: impertinente.

[2]   Destarte: deste modo.

[3]   Revés: contrário.

[4]   Postilhão: mensageiro.

[5]   Encetadura: iniciativa.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas  T

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira  O jornalista H

Gente de Opinião Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)