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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXXII - Real Forte do Príncipe da Beira - IX


A Terceira Margem – Parte LXXII - Real Forte do Príncipe da Beira - IX  - Gente de Opinião

Bagé, 23.10.2020 

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XLI 

 

Real Forte do Príncipe da Beira - IX 

 

Ante a ruína do Forte de N. Sr.ª da Conceição, devido ao rigor do clima equatorial e às investidas espanholas, a estrutura foi reconstruída a partir de 26.09.1767 e concluída em 1768. O Sargento-mor do Real Corpo de Engenheiros José Matias de Oliveira, em 1768, afiançou, no seu Relatório, que o Forte fora edificado em local impróprio, onde faltava material adequado próximo à construção. O Governador Luís Pinto de Souza Coutinho, entretanto, determinou o prosseguimento dos trabalhos que se prolongaram de 1769 a 1771, quando uma grande enchente do Rio Guaporé, causou-lhe estragos consideráveis. 

 

Forte de Bragança 

 

O 3° Capitão-General do Mato Grosso, S. Coutinho desembarcou em Vila Bela em 01.01.1769 e tomou posse dois dias depois. Neste ano, o Governador mudou o nome de Forte Nossa Senhora da Conceição para Forte de Bragança. Com a grande enchente de 1771, o Forte teve suas dependências quase totalmente destruídas. O Dr. João Severiano da Fonseca, autor da “Viagem ao Redor do Brasil”, que por ali passou em 1876, como membro da Comissão Demarcadora dos Limites do Brasil com a Bolívia, relatou:  

 

diz que a cortina do lado de terra media 88 metros [de comprimento] e a muralha tinha de espessura 22 decímetros; as dos flancos conquanto menores, eram mais grossas dois decímetros. 

 

O curto período em que governou, quase quatro anos, foi caracterizado pela calmaria reinante na fronteira, permitindo que ele implementasse as tão necessárias medidas administrativas que o Governador João Pedro Câmara não conseguira levar avante. Souza Coutinho estimulou a mineração, a lavoura, a criação de gado, instituiu o registro civil, resgatou parcela importante da dívida pública e alterou a denominação de diversas localidades à feição de suas homônimas portuguesas. 

 

Críticas ao Real Forte do Príncipe da Beira 

 

A soberania e o respeito de Portugal impõem que neste lugar se erga um Forte, e isso é obra e serviço dos homens de 
El-Rei nosso senhor e, como tal, por mais duro, por  
mais difícil e por mais trabalhoso que isso dê, [...] 
é serviço de Portugal. E tem que se cumprir. 
(D. Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, 1776). 

 

Como as demais fortificações edificadas no Guaporé, a construção do Real Forte do Príncipe da Beira tinha como objetivo fortalecer a soberania lusitana naquelas longínquas fronteiras e garantir a segurança do deslocamento dos portugueses entre Vila Bela e Belém através dos Rios Madeira e Guaporé. O julgamento a respeito da importância estratégica das Fortificações de outrora deve ser avaliado dentro do contexto em que foram projetadas e construídas. O Dr. João Severiano da Fonseca foi o primeiro a criticar severamente a construção do Forte em relação à sua localização e grandiosidade, depois dele, muitos outros se seguiram. 

 

CAPÍTULO III 

O Forte do Príncipe da Beira 

 

I 

 

Em que pese a memória de Ricardo Franco, e sem receio do “ne sutor ultra crepidam” (1), sou avesso ao juízo por ele emitido sobre o Forte do Príncipe da Beira, juízo que mais parece uma bandeira de misericórdia lançada como salvaguarda ao seu construtor. É na verdade imponente e grandiosa obra d’arte essa Fortaleza, construída conforme os preceitos da arte de guerra, todos, menos um; mas esse de ordem tal, que sua falta torna desnecessária a existência dos outros, e, por conseguinte, desnecessária, por absurda, essa formidável máquina de guerra. É, apenas, que está situado na mais imprestável posição. 

 

Apesar de erguido numa Colina, espigão ainda da Parecis que nela vêm morrer, aí, no Guaporé, é completamente invisível de quem desce o Rio e mal entrevista pelos que o sobem, que à custo só podem descortinar por sobre o cimo das matas o frontal da entrada e a linha superior do parapeito das Baterias da frente; o que não deixaria de ser uma vantagem, se por sua vez não fosse completamente invisível ao Forte o curso superior do Rio; e de pequena extensão, quando muito na primeira milha, o que descortina do seu curso inferior. Ao navegante que se lhe aproxima e o desconhece não é dado avaliar que soberba e alterosa mole (2) é; e, chegado ao Porto, é somente depois de galgar-se quase toda a ladeira, que ele se revela aos olhos, agora maravilhados do viajor, formidável, majestoso e imponente. 

 

Qual a necessidade dessa obra monumental em tais regiões não se compreende, quando o Guaporé corre-lhe pela frente lateralmente atravancado de pedras, desde acima do Itonamas até cerca de trinta quilômetros abaixo do seu Porto; quando os terrenos fronteiriços são almargeais (3) e brejões, impossíveis de serem habitados e transitados, e quando o leito do Rio com sumula dificuldade deixa uma cauda, como a que montamos, vencer-lhe as pedras e corredeiras; e quando enfim não poderia esperar agressão alguma pela direita, terrenos brasileiros encravados na mesma rede de vastos pantanais. 

 

Que Rolim de Moura fundasse o Fortim da Conceição, compreende-se bem: era para defender a posição tomada aos castelhanos e firmar os direitos de posse à coroa portuguesa: e também se compreende que mais tarde buscasse-se essa Colina para o Posto Militar, visto aquele Fortim ficar sob as águas nas grandes enchentes do Rio. Mas para tais fins, e para servir de guarda ao Rio e defesa à sua navegação, um simples reduto bastava, naquele tempo que a artilharia ainda estava nas faixas da infância. O que não se pode compreender os motivos que induziram Luiz de Albuquerque a erguer essa formidável Fortificação num local onde, quando mesmo sua existência não fosse completamente nula pela posição nada convinhável (4), seria desnecessária pela natureza do seu campo de ação. 

 

Para servir de Quartel, e tão somente, às tropas de vigilância, é máquina despropositada; se foi intentada para impedir a navegação aos espanhóis, nas melhores condições de êxito só o poderia fazer do Itonamas para baixo, ficando àqueles livre toda a mais navegação do Itonamas e do Baurés para cima, e pelo Mamoré todo o resto do Guaporé e a própria navegação do Madeira. Se ao menos tivesse sido erguida em Sítio donde fosse avistada, bastaria sua simples catadura (5) para infundir respeitoso temor; mas, a um século passado, como agora, invasores ou inimigos que se aventurassem nessas regiões de Rios encachoeirados, nem podiam vir tão numerosos, nem tão armados de máquinas de guerra, que fosse mister tal espantalho para conter-lhes os ímpetos. 

 

Se no verão de 1766, Juan de Pestana pôde trazer um exército a acampar em frente ao Fortim da Conceição, a falta de águas, que deu-lhes trânsito por terra, trancava-lhes o Rio; e o adiantado da estação foi o principal inimigo que os fez desalojar e fugir precipitadamente. 

 

II 

 

É deveras imponente e majestoso; e confesso, a puridade (6), que, ao contemplá-lo, tive pena, pesar verdadeiro, de existir tal monumento em lugar onde apenas um ou outro degredado, um ou outro selvagem – e o raríssimo viajante que, de necessidade, lhe chega ao Porto – terá ocasião de contemplá-lo. Ainda hoje, apesar de meio século de abandono, apesar de inservível por irem-se ruindo em escombros as suas dependências, apresenta-se tão grandioso que produz a mais inesperada surpresa a quem, galgada a Colina, vê, de repente, e quase de um jato, surgir, no meio do profundo fosso que o cerca, semelhando as arestas de seus baluartes às proas de gigantes couraçados, pelo bem traçado das linhas, a inclinação sobre o terreno e a cor férrea de suas muralhas, feitas de paralelepípedos dessa arcose quase ferruginosa (7), conhecida na Província com o nome de pedra canga. 

 

É construído sobre um quadrado 119,5 m de face, com quatro baluartes, no sistema Vauban, de 59 m sobre 48 m na maior largura. As cortinas que os ligam dois a dois têm cada uma 92,4 m de extensão, à borda do fosso. Os baluartes eram conhecidos pela denominação de Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio, Santa Bárbara e Santo André Avelino. O fosso varia na largura, guardando, porém, efetiva a profundidade de 2 m: na frente e flanco esquerdo é de 30,2 m de largo; junto aos baluartes tem de 1,5m a 2 m, exceção feita do da esquerda, Conceição, que é de 9 m. 

 

Em frente ao portão, atravessava-o uma ponte de 31 m, parte da qual na extensão de quase 4 era levadiça e recolhia-se ao Forte. Fronteiro lhe ficava um revelim, e entre este e o fosso um caminho coberto. O portão fica a meio da cortina de N.: na face Ocidental e paralela ao Rio há uma poterna (8) que se abre no fosso. Cada baluarte tem 14 canhoneiras; 3 em cada flanco e 4 em cada face. A gola é de 22 m; e de 8,02 m a altura das muralhas da esplanada ao fosso. 

 

Esses dados, acima, foram coligidos pelo digno 1° Tenente Frederico de Oliveira, ao confeccionar o plano topográfico que graciosamente cedeu-me. Sobre o portão, na altura de 10,3 m, lê-se esta inscrição, a que já faltam algumas letras de cobre, antigamente dourado, e pregadas num retângulo de granito:  

 

Iosepho I 

Luzitaniæ Et Brasiliæ Rege Fidelissimo 

Ludovicus Albuquerquius A Mello Pererius Cáceres 

Amplissimæ Hujus Matto-Grosso Provinciæ 

Gubernator Ac Dux Supremus 

Ipsius Fidelissimi Regis Nutu 

Sub Augustissimo Beirensi Principis Nomine 

Solidum Hujus Arcis Fundamentum Jaciendum Curavit 

Et Primum Lapidem Posuit 

Anno Christi MDCCLXXVI 

Die XX Mensis Junii 

 

O portão, que nunca foi colocado, devia ter a largura de 2,66 m; uma parede provisória o fecha em parte, em mais de metade do vão a ele destinado, deixando para entrada uma porta de 1,03 m de largura, também provisória, mas tal que nunca foi nem será substituída. (FONSECA) (Continua...) 

 

Bibliografia 

 

FONSECA, João Severiano da. Viagem ao Redor do Brasil (1875 – 1878) – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Volume 2 – Typografia de Pinheiro & Ciª, 1881. 

 

Solicito Publicação 

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista; 

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989) 

  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); 

  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx); 

  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS); 

  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS) 

  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS); 

  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS); 

  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS); 

  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO) 

  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO); 

  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS) 

  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). 

  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN). 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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