Terça-feira, 27 de outubro de 2020 - 09h49
Bagé, 27.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XLIII
Real Forte do Príncipe da Beira - XI
É
muito fácil condenar uma obra e escarnecer de seus construtores sem ter vivenciado
ou conhecido o momento histórico e político e, fundamentalmente, as
características muito especiais do leito do Guaporé neste local que
determinaram a edificação do Forte justamente neste ponto.
Afinal, os homens do tempo, para o seu tempo, não deveriam estar tão
errados como os julgava João Severiano da Fonseca e outros. Não há que duvidar
da necessidade que existiu de serem construídos sucessivamente três fortes no
mesmo lugar. Quanto à situação estratégica, é correta. O Forte foi construído acima
da confluência dos Rios Mamoré e Guaporé. Isto é, qualquer invasão por parte da
América espanhola só poderia efetuar-se descendo o Mamoré, o Beni ou Madre de
Dios, e subindo o Guaporé. Portanto, o Guaporé seria percurso obrigatório. Ora,
mas este Rio é largo, medindo geralmente mais de um quilômetro de margem a
margem.
Uma Expedição fluvial espalhar-se-ia nessa largura do Rio, e os canhões
do Forte dificilmente poderiam atingir todas as embarcações. Justamente por
isso, foi escolhido este ponto do Rio onde há uma pequena Cachoeira, sendo
todas as embarcações obrigadas a passar através de um estreito canal.
O alvo dos canhões do Forte seria aquele
canal, onde as embarcações teriam que
passar uma após outra. Este detalhe é
notável, pois este é o único ponto de todo
o Rio Guaporé onde há um canal obrigatório para a passagem das embarcações.
No entanto, nem João Severiano da Fonseca nem os detratores da obra realizada
pelos homens do século XVIII perceberam este detalhe.
Por outro lado, em frente ao Forte, na margem boliviana, estendem-se, por
milhares de quilômetros quadrados, Lagos, Lagoas e terrenos alagadiços, formado
pelos Rios Baurés, Itonamas e Mamoré. Por terra, nunca a América
Espanhola conseguiria levar a efeito uma invasão até chegar à margem em frente
ao Forte. E suponho que pudesse pelo Norte haver uma operação militar que
apanhasse o Forte pela retaguarda, ele é tão grande, que à maneira dos castelos
medievais, resistiria a um cerco prolongado, e suficiente para receber
reforços.
Mas o que explica e justifica a escolha do local onde foi construído o
Forte Príncipe da Beira é a própria história das lutas entre espanhóis e
portugueses ao longo do Rio Guaporé, conforme já vimos.
Se desde 1753, o centro dos conflitos entre vassalos das Coroas de
Portugal e Castela era aquele, só ali, evidentemente, poderia ser construído o
Real Forte do Príncipe da Beira. A sua construção foi o ponto culminante de uma
luta entre espanhóis e portugueses, pela posse do território. A luta
desenvolveu-se ali, em torno daquele local. Só ali, pois teria sentido a
construção do Real Forte do Príncipe da Beira. Enfim, o Real Forte do Príncipe
da Beira é uma obra militar que garantiu a grandeza e a integridade da futura
Pátria Brasileira. Somente aqueles que veem nas ações dos antepassados objeto
de críticas e desprezo poderão verberar hoje a construção do Forte, que teve
lugar há dois séculos.
Por que Príncipe da Beira?
Até 1822, o Estado do Brasil era uma Província de Portugal, ou mais
propriamente, uma Província do Rei de Portugal. Todos os nascidos no Brasil
eram vassalos do Rei, tanto quanto os nascidos em Portugal.
Portanto, o Rei de Portugal era também Rei do Brasil. Ora, o herdeiro da
Coroa, e somente ele, recebia o título de Príncipe. Somente era herdeiro o primogênito,
fosse homem ou mulher. Portanto, aquele a quem coubesse suceder o Rei, e
unicamente ele, recebia o título de Príncipe ou Princesa. Em 1645, foi
acrescentado um título ao herdeiro: Príncipe do Brasil ou Princesa do Brasil.
Assim, todo herdeiro da Coroa de Portugal e Brasil recebia automaticamente o
título de Príncipe do Brasil ou Princesa do Brasil. Este título não era
outorgado, mas sim, todo herdeiro recebia-o automaticamente. E assim foi até
1734, quando estava no trono D. João V. O seu sucessor era seu filho D. José,
Príncipe do Brasil. No ano de 1734, nascia D. Maria, primeira filha de D. José.
Estava, pois formada a linha de sucessão de D. João V:
1° D. José, seu filho,
Príncipe do Brasil;
2° D. Maria, sua neta.
Nessa linha de sucessão, o segundo herdeiro não tinha título.
Por isso, quando em 1734 nasceu D. Maria, o Rei D. João V (seu avô)
concedeu-lhe o título de Princesa da Beira. A partir de 1734 passavam, dessa
maneira, a existir dois títulos:
1° Príncipe (ou princesa)
do Brasil, título que recebia automaticamente o primeiro herdeiro da Coroa;
2° Príncipe (ou princesa)
da Beira, título que recebia automaticamente o segundo herdeiro da Coroa.
Em 1750, faleceu D. João V. Sucedeu-lhe o filho, D. José. Mas,
tornando-se Rei, D. José passou a ser D. José I, e perdia por isso o título de
Príncipe do Brasil. Sua filha, D. Maria, passou a ser a primeira herdeira, e
como ainda não tinha filhos recebeu o título de Princesa do Brasil e da Beira.
D. Maria acumulava os dois títulos. Em 1761, nascia o primeiro filho de
D. Maria, que recebeu o nome de D. José. Era ele o segundo herdeiro, e por isso
recebeu o título de Príncipe da Beira, que estava com sua mãe. Estava formada a
sucessão do Rei D. José I:
1° D. Maria, sua filha,
Princesa do Brasil;
2° D. José, seu neto,
Príncipe da Beira.
Agora, um parêntese: o Marquês de Pombal, Primeiro Ministro do Rei D.
José I, dedicava grande estima ao Príncipe da Beira. Por isso, tentou
introduzir em Portugal a Lei Sálica ([1]),
que impedia às mulheres subirem ao trono.
Nesse caso, D. Maria ficaria impedida e, com a morte do Rei D. José I,
subiria ao trono o Príncipe da Beira, seu neto. Entretanto, Pombal não teve
êxito nessa tentativa. Deixemos a situação nesse pé, e volvamos agora à
Capitania de Mato Grosso. Estamos no ano de 1776. Em Vila Bela, Capital da
Capitania, acha-se o seu Governador, o Capitão-General Cáceres, providenciando
a construção de um grande Forte na margem direita do Rio Guaporé, e que
substituiria o Forte de Bragança. Cáceres dá-lhe o nome de Forte do Príncipe da
Beira. Por que não lhe deu o nome da primeira herdeira, D. Maria, Princesa do
Brasil? Ou não se davam os nomes de princesas a obras militares?
Ou fora Pombal quem determinara que se desse aquele nome ao Forte, desde
que o Príncipe da Beira era por ele muito estimado, e queria torná-lo o
primeiro herdeiro? Ou fora o próprio Capitão-General Cáceres quem escolhera o
nome do Forte, desde que ele, Cáceres, era nascido na Província da Beira?
Provavelmente esta última hipótese seja a mais fundamentada. Mas, voltemos à
nossa história.
Em 1777, faleceu o Rei D. José I. Imediatamente passa a ocupar o trono a
sua filha e primeira herdeira, com o título de D. Maria I. E passa a ser seu
primeiro herdeiro, o seu filho D. José, Príncipe da Beira. A rainha perdera o
título de Princesa do Brasil, e o seu filho automaticamente o recebera. Assim,
D. José passou a ser Príncipe do Brasil, herdeiro direto do trono. E o seu
título Príncipe da Beira deveria passar ao segundo herdeiro, que deveria ser o
seu primeiro filho. Entretanto, como D. José não tinha filhos, passou a
acumular os dois títulos: Príncipe do Brasil e da Beira.
Em 1788, faleceu D. José, Príncipe do Brasil e da Beira, o herdeiro do
trono. Sua morte foi muito pranteada pelo povo, pois era estimado. Bocage
consagrou-lhe um epicédio ([2]).
Falecera sem deixar filhos. Tornou-se herdeiro do trono D. João, segundo filho
de D. Maria I, e irmão do Príncipe falecido.
D. João recebeu o título de Príncipe do Brasil, e a sua filha mais velha,
D. Maria Teresa, segunda herdeira, recebeu o título de Princesa da Beira. D.
João, Príncipe do Brasil, seria mais tarde D. João VI, Rei de Portugal e do
Brasil. Assim, pois, D. José, Príncipe da Beira, depois Príncipe do Brasil e da
Beira, deveria ser o Rei de Portugal e Brasil, com o título de D. José II.
Tendo falecido, sucedeu-lhe o irmão, que se tornou D. João VI. Quando foi
dada a denominação Forte do Príncipe da Beira, D. José era segundo herdeiro.
Só mais tarde, veio a acumular os dois títulos: Príncipe do Brasil e da
Beira. Em suma: o nome todo do Príncipe da Beira era José Francisco Xavier de
Paula Domingos Antônio Agostinho Anastácio. Era filho de D. Maria I e irmão
mais velho de D. João VI. Nasceu em Lisboa em 1761, com o título de Príncipe da
Beira, e faleceu em Lisboa, em 1788 com o título de Príncipe do Brasil e da
Beira. (FERREIRA, 1961) (Continua...)
Bibliografia
FERREIRA, Manoel Rodrigues. Nas
Selvas Amazônicas – Brasil – São Paulo, SP – Editora Gráfica Biblos Ltdª,
1961.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H