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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXXXI - Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ II


A Terceira Margem – Parte LXXXI - Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ II - Gente de Opinião

Bagé, 05.11.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte L

 

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo II

 

Tratado de Ayacucho – 27.03.1867

 

O Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição celebrado na Cidade de Ayacucho, acordado entre o Brasil e a Bolívia, assim se referia às questões de comércio e navegação:

 

Artigo 7°    Sua Majestade o Imperador do Brasil permite, como concessão especial, que sejam livres para o comércio e navegação mercante da República da Bolívia as águas dos Rios navegáveis, que, correndo pelo território brasileiro, vão desembocar no Oceano. Em reciprocidade, também permite a República da Bolívia que sejam livres para comércio e navegação mercante do Brasil as águas dos seus Rios navegáveis. [...]

 

Artigo 8°    A navegação do Madeira, da Cachoeira de Santo Antônio para cima, só será permitida às duas altas partes contratantes [Brasil e Bolívia], ainda quando o Brasil abra o dito Rio até esse ponto a terceiras nações. Todavia os súditos destas terceiras nações gozarão da faculdade de carregar as mercadorias nas embarcações brasileiras e bolivianas.

 

Artigo 9°    O Brasil compromete-se desde já a conceder à Bolívia, nas mesmas condições de polícia e de portagem, impostos aos nacionais e, salvos os direitos do fisco, o uso de qualquer estrada que venha a abrir, desde a primeira Cachoeira, na margem direita do Rio Mamoré, até a de Santo Antônio, no Rio Madeira, a fim de que possam os cidadãos da República aproveitar para o transporte de pessoas e mercadorias, os meios que oferecer a navegação brasileira, abaixo da referida Cachoeira de Santo Antônio.

 

Engenheiros Ferroviários Brasileiros

 

Quantas estão sendo construídas com o capital estrangeiro, e quantas com capital nacional, mostrando que estas últimas, construídas por engenheiros brasileiros, custaram menos do que as inglesas, por metade. (James W. Wells, Conferência na Praça do Comércio, Londres, 16.03.1887)

 

Infelizmente a mentalidade tacanha de nossos estadistas não reconhecia a capacidade empreendedora dos engenheiros brasileiros capazes de construir ferrovias melhores e a menor custo do que os “famosos” engenheiros europeus. Foi necessário que James Wells, nos idos de 16.03.1887, em Conferência na Praça do Comércio, Londres, afirmasse isso para que, somente, sete meses e meio depois o tema repercutisse na “Terra Brasilis”.

 

A indignação dos engenheiros brasileiros foi reportada na “Revista de Estradas de Ferro”, editada no Rio de Janeiro pelo Engenheiro Francisco Picanço, no dia 31.10.1887, sob o título “Custo das Estradas de Ferro no Brasil”, às páginas 149 a 153.

 

O artigo, que reproduzimos, em parte, abaixo, comprovava que as ferrovias construídas por engenheiros brasileiros custavam menos da metade do que as construídas pelos ingleses.

 

CUSTO DAS ESTRADAS DE FERRO DO BRASIL

 

Pagamos mui caro o nosso aprendizado em matéria de Estradas de Ferro”. Esta frase, verdadeira em todos os sentidos, é constantemente repetida.

 

A mais antiga via férrea do Brasil – a Mauá – hoje 1ª Seção da Príncipe do Grão Pará, atravessou terrenos quase de nível; não teve de galgar cursos d’água volumosos, de vencer montanhas, de construir obras d’arte notáveis, muros de arrimo, etc. Em seu percurso de 16,19 km, partindo de Mauá com a altitude de 3 m e chegando à Raiz da Serra, com a de 30,5 m, venceu apenas uma diferença de nível, entre os pontos extremos, de 26,5 m. A declividade máxima, raras vezes empregada, não passou de 1,25%; e o raio mínimo das curvas foi de 290,32 m.

 

Apesar de todas estas reconhecidas vantagens custou 1.250.000$000 [77:208$153 por quilômetro], só a construção do leito, afora estações e material rodante. A linha apresentava a bitola de 1,68 m, mas isto apenas poderia aumentar de mui pouco o movimento de terras e o custo dos dormentes, visto as magníficas condições do terreno. Os nossos engenheiros fariam hoje a construção com menos de 26:000$000 por quilômetro [1/3 do custo da companhia estrangeira].

 

A E. F. Barão de Araruama, desenvolvida em mais difícil terreno, tem para custo quilométrico 18.616$999, entrando o material rodante. Os ingleses na E. F. Mauá cortaram à larga não havia quem os fiscalizasse; era serviço completamente novo no país.

 

 

 

Igual esbanjamento deu-se na construção das Estradas de Ferro da Bahia a Alagoinhas e do Recife a Palmares, ambas de bitola de 1,60 m, executadas por ingleses. A da Bahia tem para custo quilométrico a elevada soma de 130.081$300. As dificuldades do traçado não autorizam tamanho custo. Em terreno sem grandes acidentes, tendo apenas 1 túnel de 145 m de extensão, a E. F. de Pernambuco atingiu a um custo quilométrico de 131.001$031. Se compararmos estes custos com o da E. F. Paulista, igual em bitola e tendo grande movimento de terras, teremos uma prova de que as empresas estrangeiras, com os capitais garantidos, não cogitam de economias. A Paulista andou em 67.000$857 por quilômetro; foi construída por engenheiros nacionais. Que enorme diferença!

 

 

 

A construção da 1ª seção da E. F. D. Pedro II, contratada em globo, ainda com os ingleses, atingiu a muito mais do que devia. Sobre este ponto, vamos transcrever o trecho de uma notável carta do benemérito Engenheiro, o Exmo. Sr. Conselheiro C. B. Ottoni ([1]):

 

 

 

As empreitadas contratadas em Londres por companhias que compram as concessões das nossas linhas férreas, nos têm dado prejuízos de não poucos milhões. Tais companhias de ordinário nada sabem do valor real do objeto que compram, porque o concessionário vendedor não lhes leva estudos suficientes para orientá-las. Especulam com a garantia de juros; e para aliciar tomadores de ações, buscam demonstrar-lhes que o capital conhecido há de ser suficiente para as obras desconhecidas.

 

A prova que dão é um contrato em globo com empreiteiro, que embarcando-se em empresa tão aleatória, estipula naturalmente os preços com largas margens, e de ordinário se arma com faculdades, que no correr da construção embaraçam toda ação fiscal. Tal é a origem da exageração do custo de todas as nossas estradas construídas por companhias europeias. Duvido que haja exceção. Foi um contrato desse molde, o que E. Price celebrou para a nossa 1ª seção e pretendeu aplicar às outras, o que felizmente não conseguiu.

 

A 2ª seção dessa mesma estrada teve um alto custo quilométrico; razoável, porém, à vista das imensas dificuldades do traçado. Ao Conselheiro Ottoni deve-se toda a economia realizada nesta difícil e extraordinária construção. Pretendiam que ela fosse também contratada em globo; S. Exª. opôs-se, como se vê ainda em um trecho da carta acima citada. Tratando dos serviços que prestou à E. F. D. Pedro II, o distinto Engenheiro refere-se a um deles dizendo:

 

Consistiu em combater a todo o transe e por fim matar a pretensão, que, aliás, encontrava apoio em artigo do contrato da 1ª seção, de empreitar à inglesa, em globo, por quantia fixa, os estudos, construções, material fixo e móvel, tudo. Consegui ao contrário firmar os seguintes princípios, que penso são os aplicados pelos nossos melhores engenheiros.

 

   Estudos prévios completos, feitos por administração à conta do capital, embora mais custem. Em terrenos acidentados pode esperar-se que cada conto de réis de mais, gasto com estudos conscienciosos, produzirá muitas dezenas de contos de economia na construção.

 

   Só empreitar as seções completamente estudadas e orçadas.

 

   Contratar por séries de preços.

 

Documentos que deixei no arquivo da Estrada de Ferro e já foram citados sem contestação, provam que somente a 2ª seção, construída à moda das empreitadas ajustadas em Londres pelas companhias inglesas, custaria mais de 20.000 contos, enquanto, se a memória me é fiel, não chegou a 15.000. A diferença em toda a linha, não seria menos de 10 a 12 mil contos.

 

 

 

A E. F. de Santos a Jundiaí, cujo traçado é difícil, tendo empregado em 8 quilômetros o sistema de planos inclinados, teve para custo quilométrico 169:466$546.

 

O esbanjamento dos capitais garantidos tem sido enorme e desde muito reconhecido pelos poderes públicos, que procuraram minorá-lo.

 

Em 1868, o Chefe da 3ª seção da Secretaria da Agricultura, J. M. Pereira de Alencastre ([2]), em relatório dirigido ao Ministro, manifestava-se do seguinte modo, relativamente às vias férreas então construídas:

 

Os esbanjamentos foram consideráveis, e minha mais firme convicção é que as obras construídas pela maior parte não representam os valores que figuram nos orçamentos e balanços, em razão do sistema por que foram executados. O contrato Price, na E. F. D. Pedro II, o contrato Furness em Pernambuco, e finalmente o contrato celebrado com R. Sharp & Filhos falam eloquentemente contra o sistema adotado pelas companhias, de cujos erros não foram infelizmente advertidos pelo governo.

 

Das lacunas que se notam nos Decretos de concessão, e das imprevidências dos contratos em globo para execução das obras por empreiteiros estranhos ao país, e desconhecedores de tudo, se derivam sempre sérias controvérsias e questões graves, algumas das quais ainda estão por decidir. Desses contratos em globo, pelo modo como foram executados, resulta que não podemos conhecer o custo real das nossas obras de Estradas de Ferro, e se elas representam elevados algarismos, e vão muito além dos capitais garantidos, toda a responsabilidade deve ser levada à conta das empresas concessionárias.

 

Impossível é, por enquanto, comparar os custos quilométricos de nossas vias férreas. Não há meios para tal empreendimento. Os dados mais positivos não se encontram. De muitas linhas não se conhecem – o movimento de terras por metro corrente, e outros detalhes indispensáveis à comparação. Além disto, o Brasil é vastíssimo e o custo dos materiais varia muito, conforme a localidade. O mesmo se dá quanto a salários. [...]

 

Recapitulemos a parte deste estudo relativo às estradas de bitola estreita:

 

Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a companhias brasileiras que têm capital garantido ou subvenções quilométricas............................. 37:509$527

Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a companhias estrangeiras que têm capital garantido .................................................................. 56:503$622

Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a companhias brasileiras que não têm garantia de juros .................................................................. 23:972$451

Estes três custos médios nos fornecem – a média do custo quilométrico das estradas de bitola estreita
................................................................ 39:328&533.
(REF, 1887)

 

 

Bibliografia

 

REF, 1887. Custo das Estradas de Ferro do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, Rj – Revista de Estradas de Ferro n° 34, 31.10.1887.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   Ottoni: Senador Christianno Benedicto Ottoni.

[2]   J. M. Pereira de Alencastre: José Martins Pereira de Alencastre.

Galeria de Imagens

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