Quinta-feira, 5 de novembro de 2020 - 10h56
Bagé, 05.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte L
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ II
Tratado de Ayacucho – 27.03.1867
O
Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição celebrado na
Cidade de Ayacucho, acordado entre o Brasil e a Bolívia, assim se referia às
questões de comércio e navegação:
Artigo 7° – Sua
Majestade o Imperador do Brasil permite, como concessão especial, que sejam
livres para o comércio e navegação mercante da República da Bolívia as águas
dos Rios navegáveis, que, correndo pelo território brasileiro, vão desembocar
no Oceano. Em reciprocidade, também permite a República da Bolívia que sejam
livres para comércio e navegação mercante do Brasil as águas dos seus Rios
navegáveis. [...]
Artigo 8° – A navegação do Madeira, da Cachoeira de Santo
Antônio para cima, só será permitida às duas altas partes contratantes [Brasil
e Bolívia], ainda quando o Brasil abra o dito Rio até esse ponto a terceiras nações.
Todavia os súditos destas terceiras nações gozarão da faculdade de carregar as
mercadorias nas embarcações brasileiras e bolivianas.
Artigo 9° – O Brasil compromete-se desde já a conceder à
Bolívia, nas mesmas condições de polícia e de portagem, impostos aos nacionais
e, salvos os direitos do fisco, o uso de qualquer estrada que venha a abrir,
desde a primeira Cachoeira, na margem direita do Rio Mamoré, até a de Santo
Antônio, no Rio Madeira, a fim de que possam os cidadãos da República aproveitar
para o transporte de pessoas e mercadorias, os meios que oferecer a navegação
brasileira, abaixo da referida Cachoeira de Santo Antônio.
Engenheiros Ferroviários Brasileiros
Quantas estão sendo construídas com o capital
estrangeiro, e quantas com capital nacional, mostrando que estas últimas,
construídas por engenheiros brasileiros, custaram menos do que as inglesas, por
metade. (James W. Wells, Conferência na Praça do Comércio, Londres, 16.03.1887)
Infelizmente
a mentalidade tacanha de nossos estadistas não reconhecia a capacidade
empreendedora dos engenheiros brasileiros capazes de construir ferrovias
melhores e a menor custo do que os “famosos”
engenheiros europeus. Foi necessário que James Wells, nos idos de 16.03.1887,
em Conferência na Praça do Comércio, Londres, afirmasse isso para que, somente,
sete meses e meio depois o tema repercutisse na “Terra Brasilis”.
A
indignação dos engenheiros brasileiros foi reportada na “Revista de Estradas de Ferro”, editada no Rio de Janeiro pelo Engenheiro
Francisco Picanço, no dia 31.10.1887, sob o título “Custo das Estradas de Ferro no Brasil”, às páginas 149 a 153.
O
artigo, que reproduzimos, em parte, abaixo, comprovava que as ferrovias
construídas por engenheiros brasileiros custavam menos da metade do que as
construídas pelos ingleses.
CUSTO DAS
ESTRADAS DE FERRO DO BRASIL
“Pagamos
mui caro o nosso aprendizado em matéria de Estradas de Ferro”. Esta frase,
verdadeira em todos os sentidos, é constantemente repetida.
A mais antiga via férrea do Brasil – a Mauá
– hoje 1ª Seção da Príncipe do Grão Pará, atravessou terrenos quase de nível;
não teve de galgar cursos d’água volumosos, de vencer montanhas, de construir
obras d’arte notáveis, muros de arrimo, etc. Em seu percurso de 16,19 km,
partindo de Mauá com a altitude de 3 m e chegando à Raiz da Serra, com a de
30,5 m, venceu apenas uma diferença de nível, entre os pontos extremos, de 26,5
m. A declividade máxima, raras vezes empregada, não passou de 1,25%; e o raio
mínimo das curvas foi de 290,32 m.
Apesar de todas estas reconhecidas
vantagens custou 1.250.000$000 [77:208$153
por quilômetro], só a construção do leito, afora estações e material rodante. A
linha apresentava a bitola de 1,68 m, mas isto apenas poderia aumentar de mui
pouco o movimento de terras e o custo dos dormentes, visto as magníficas
condições do terreno. Os nossos engenheiros fariam hoje a construção com menos
de 26:000$000 por quilômetro [1/3 do custo
da companhia estrangeira].
A E. F. Barão de Araruama, desenvolvida em
mais difícil terreno, tem para custo quilométrico 18.616$999, entrando o
material rodante. Os ingleses na E. F. Mauá cortaram à larga não havia quem os
fiscalizasse; era serviço completamente novo no país.
Igual esbanjamento deu-se na construção das
Estradas de Ferro da Bahia a Alagoinhas e do Recife a Palmares, ambas de bitola
de 1,60 m, executadas por ingleses. A da Bahia tem para custo quilométrico a
elevada soma de 130.081$300. As dificuldades do traçado não autorizam tamanho
custo. Em terreno sem grandes acidentes, tendo apenas 1 túnel de 145 m de
extensão, a E. F. de Pernambuco atingiu a um custo quilométrico de 131.001$031.
Se compararmos estes custos com o da E. F. Paulista, igual em bitola e tendo grande
movimento de terras, teremos uma prova de que as empresas estrangeiras, com os
capitais garantidos, não cogitam de economias. A Paulista andou em 67.000$857
por quilômetro; foi construída por engenheiros nacionais. Que enorme diferença!
A construção da 1ª seção da E. F. D. Pedro
II, contratada em globo, ainda com os ingleses, atingiu a muito mais do que
devia. Sobre este ponto, vamos transcrever o trecho de uma notável carta do
benemérito Engenheiro, o Exmo. Sr. Conselheiro C. B. Ottoni ([1]):
As empreitadas contratadas em Londres por companhias que compram as
concessões das nossas linhas férreas, nos têm dado prejuízos de não poucos
milhões. Tais companhias de ordinário nada sabem do valor real do objeto que
compram, porque o concessionário vendedor não lhes leva estudos suficientes
para orientá-las. Especulam com a garantia de juros; e para aliciar tomadores
de ações, buscam demonstrar-lhes que o capital conhecido há de ser suficiente
para as obras desconhecidas.
A prova que dão é um contrato em globo com empreiteiro, que embarcando-se
em empresa tão aleatória, estipula naturalmente os preços com largas margens, e
de ordinário se arma com faculdades, que no correr da construção embaraçam toda
ação fiscal. Tal é a origem da exageração do custo de todas as nossas estradas
construídas por companhias europeias. Duvido que haja exceção. Foi um contrato
desse molde, o que E. Price celebrou para a nossa 1ª seção e pretendeu aplicar
às outras, o que felizmente não conseguiu.
A 2ª seção dessa mesma estrada teve um alto
custo quilométrico; razoável, porém, à vista das imensas dificuldades do
traçado. Ao Conselheiro Ottoni deve-se toda a economia realizada nesta difícil
e extraordinária construção. Pretendiam que ela fosse também contratada em
globo; S. Exª. opôs-se, como se vê ainda em um trecho da carta acima citada.
Tratando dos serviços que prestou à E. F. D. Pedro II, o distinto Engenheiro
refere-se a um deles dizendo:
Consistiu em combater a todo o transe e por fim matar a pretensão, que,
aliás, encontrava apoio em artigo do contrato da 1ª seção, de empreitar à
inglesa, em globo, por quantia fixa, os estudos, construções, material fixo e
móvel, tudo. Consegui ao contrário firmar os seguintes princípios, que penso
são os aplicados pelos nossos melhores engenheiros.
1° Estudos
prévios completos, feitos por administração à conta do capital, embora mais
custem. Em terrenos acidentados pode esperar-se que cada conto de réis de mais,
gasto com estudos conscienciosos, produzirá muitas dezenas de contos de economia
na construção.
2° Só empreitar
as seções completamente estudadas e orçadas.
3° Contratar por
séries de preços.
Documentos que deixei no arquivo da Estrada de Ferro e já foram citados
sem contestação, provam que somente a 2ª seção, construída à moda das
empreitadas ajustadas em Londres pelas companhias inglesas, custaria mais de
20.000 contos, enquanto, se a memória me é fiel, não chegou a 15.000. A
diferença em toda a linha, não seria menos de 10 a 12 mil contos.
A E. F. de Santos a Jundiaí, cujo traçado é
difícil, tendo empregado em 8 quilômetros o sistema de planos inclinados, teve
para custo quilométrico 169:466$546.
O esbanjamento dos capitais garantidos tem
sido enorme e desde muito reconhecido pelos poderes públicos, que procuraram
minorá-lo.
Em 1868, o Chefe da 3ª seção da Secretaria
da Agricultura, J. M. Pereira de Alencastre ([2]),
em relatório dirigido ao Ministro, manifestava-se do seguinte modo,
relativamente às vias férreas então construídas:
Os esbanjamentos foram consideráveis, e minha mais firme convicção é que
as obras construídas pela maior parte não representam os valores que figuram
nos orçamentos e balanços, em razão do sistema por que foram executados. O
contrato Price, na E. F. D. Pedro II, o contrato Furness em Pernambuco, e
finalmente o contrato celebrado com R. Sharp & Filhos falam eloquentemente
contra o sistema adotado pelas companhias, de cujos erros não foram
infelizmente advertidos pelo governo.
Das lacunas que se notam nos Decretos de concessão, e das imprevidências
dos contratos em globo para execução das obras por empreiteiros estranhos ao
país, e desconhecedores de tudo, se derivam sempre sérias controvérsias e
questões graves, algumas das quais ainda estão por decidir. Desses contratos em
globo, pelo modo como foram executados, resulta que não podemos conhecer o
custo real das nossas obras de Estradas de Ferro, e se elas representam
elevados algarismos, e vão muito além dos capitais garantidos, toda a
responsabilidade deve ser levada à conta das empresas concessionárias.
Impossível é, por enquanto, comparar os
custos quilométricos de nossas vias férreas. Não há meios para tal
empreendimento. Os dados mais positivos não se encontram. De muitas linhas não
se conhecem – o movimento de terras por metro corrente, e outros detalhes
indispensáveis à comparação. Além disto, o Brasil é vastíssimo e o custo dos
materiais varia muito, conforme a localidade. O mesmo se dá quanto a salários.
[...]
Recapitulemos a parte deste estudo relativo
às estradas de bitola estreita:
Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a
companhias brasileiras que têm capital garantido ou subvenções quilométricas............................. 37:509$527
Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a
companhias estrangeiras que têm capital garantido .................................................................. 56:503$622
Custo quilométrico médio das estradas pertencentes a
companhias brasileiras que não têm garantia de juros .................................................................. 23:972$451
Estes três custos médios nos fornecem – a média do
custo quilométrico das estradas de bitola estreita
................................................................ 39:328&533.
(REF, 1887)
Bibliografia
REF, 1887. Custo das
Estradas de Ferro do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, Rj – Revista de
Estradas de Ferro n° 34, 31.10.1887.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H