Sexta-feira, 6 de novembro de 2020 - 09h33
Bagé, 06.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LI
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ III
“Engenheiros
Keller” – 10.10.1867
Vamos
voltar ao ano de 1867, sete meses depois da assinatura do Tratado de Ayacucho.
O Ministro da Agricultura, mostrando o quanto o complexo de inferioridade
estava arraigado no alto escalão do Governo, determinou aos engenheiros alemães
José e Franz Keller que estudassem as melhores formas de se estabelecer uma
ligação do Rio Madeira ao Rio Mamoré, contornando as Cachoeiras, considerando
dentre elas a construção de uma ferrovia.
Os
Keller, depois de percorreram a região durante apenas quatro meses e três
dias, propuseram três soluções. As alternativas apresentadas, sem reconhecimento
detalhado do terreno, poderiam ter sido retiradas de qualquer “Vade Mecum” de engenharia, da época,
sem a necessidade de reconhecimento “in
loco”. Os alemães não tiveram, absolutamente, tempo de esboçar qualquer
tipo de projeto e suas estimativas de custo não tinham qualquer fundamento
técnico.
Em
relação à ferrovia eles simplesmente confessaram que não haviam visto o terreno
em que ela iria percorrer. A missão dos Keller foi simplesmente uma piada de
mau gosto. As “sugestões”, reportadas
no livro “The Amazon and Madeira Rivers”,
foram:
1°) Construção de
planos inclinados, pelos quais os navios pudessem vencer os fortes
declives. Nos planos inclinados ou mortonas, as embarcações com a carga se
colocam num carro de ferro, correndo sobre trilhos, que continuam mesmo por
baixo d’água, até a profundidade necessária.
2°) Abertura de um
Canal à direita das Cachoeiras. A abertura de um Canal de navegação na
margem direita, de um comprimento de 50 léguas mais ou menos praticável para
pequenos rebocadores a hélice, encontra no forte declive geral dessa parte do
Rio uma dificuldade considerável. Tornar-se-ia indispensável a construção de
comportas, porque a velocidade das enchentes seria tamanha que poderia impedir
a navegação, tornando-se ao mesmo tempo a conservação do canal dificílima.
3°) Construção de uma Estrada de Ferro de aproximadamente 50 léguas de extensão. Este
traço não seguiria a linha reta entre Santo Antônio e Guajará-mirim por ser o
nivelamento de um traço nesta direção forçosamente muito defeituoso e
inteiramente impróprio pra uma Estrada, por causa das ramificações da Serra
Geral (Serra dos Parecis), que se estendem até a margem direita do Rio, porém,
nem assim seria preciso seguir em todos os pontos as curvas do Rio, podendo-se
atalhar diferentes de entre elas. (KELLER)
Governo Boliviano
Não é já somente uma aspiração patriótica a Estrada
de Ferro do Madeira. De mera concepção, esta grande
ideia passou já para o terreno da prática.
(Ministro da Agricultura do Império)
Logo após a
assinatura do Tratado de Ayacucho, o Governo boliviano enviou ao México o
General Quentin Quevedo, chefe da delegação boliviana naquele país. Quevedo
tinha também a missão de encontrar, nos Estados Unidos, empresários
interessados em construir uma estrada que contornasse as Cachoeiras do Rio
Madeira.
O Presidente mexicano Juárez entregou a
Quevedo diversas Cartas de recomendação que deveriam ser entregues aos
Norte-americanos. Uma dessas Cartas estava endereçada ao Coronel Earl Church
que imediatamente se interessou pela proposta boliviana.
Coronel Earl Church
O Coronel Church
nasceu em New Bedford, Estado de Massachusetts, a 07.12.1835. Os que acreditam
na hereditariedade moral não terão que procurar muito longe a origem de seu
caráter ilibado, do pendor que o impelia à aventura, de suas tendências
militaristas, de sua disposição para viajar, da capacidade administrativa de
que era dotado e de sua predileção pelas construções ferroviárias, qualidades
essas que constituíram os traços marcantes de sua personalidade durante os anos
de madureza.
Pela linhagem
paterna, descende diretamente de Richard Church que, em 1632, veio de Oxford,
na Inglaterra, para Plymouth, no Estado de Massachusetts, onde se casou com
Elizabeth Warren, cujo pai viera para a América no “Mayflower” e era ascendente do General Warren, tombado em Bunker
Hill.
Um
dos filhos de Richard Church foi o capitão Benjamin Church, famoso líder
colonial que combateu os Índios durante a guerra do Rei Filipe, e cujas
heroicas explorações ingressaram na história e que, entre 1689 e 1704, comandou
cinco incursões contra franceses e Índios do Maine e de New Hampshire.
Pelo lado
materno, o Coronel Church é descendente direto de Mary Clap, que em solteira
assinava Mary Winslow, filha de Eduardo Winslow, chegado a Plymouth pelo “Mayflower” e três vezes eleito
governador daquela colônia. Ainda pelos laços maternos, o Coronel Church está
ligado à família Pease, de Yorkshire, na Inglaterra, conhecida por ter
promovido a construção da primeira Estrada de Ferro na Grã-Bretanha, tendo
George Stephenson como Engenheiro-chefe.
Os antepassados
imediatos do Coronel Church mudaram-se para Rochester em 1725 e aí, por compra
e doação, tornaram-se proprietários de cerca de quinhentos acres de terra a 25
quilômetros de Plymouth Rock.
A maior parte da
propriedade primitiva, desbravada e expurgada de silvícolas, acha-se ainda em
mãos de parentes seus. O pai do Coronel Church faleceu quando este era ainda
bem menino e, ao atingir ele oito anos, sua mãe mudou-se de Rochester para
Providence, onde o rapaz frequentou as escolas públicas e já aos quatorze anos,
se destacava entre os melhores de seus colegas. Aos 17 anos, optou pela
profissão de Engenheiro Civil Topógrafo, tendo conseguido colocar-se em uma
Estrada de Ferro de New Jersey. Logo depois foi transferido para uma das
ferrovias que correm ao poente do Mississipi, no cargo de Engenheiro-assistente.
Posteriormente
passou a ser Engenheiro-assistente na construção do túnel Hoosac e depois
serviu, ainda, em uma Estrada de Ferro de Iowa.
A crise
financeira de 1857 deixou-o desempregado e, por isso, aceitou o cargo que lhe
ofereceram de Engenheiro-Chefe de uma estrada argentina, partindo ele rumo a
Buenos Aires. Lá chegando, encontrou o país agitado e paralisados os trabalhos
ferroviários, mas foi quase imediatamente designado para integrar uma Comissão
de Engenheiros Militares e Topográficos cuja missão era explorar a fronteira
sudoeste da Argentina e sugerir o melhor sistema de defesa contra as incursões
hostis dos patagônios e outros selvagens que talavam ([1])
os Pampas e as faldas dos Andes.
Durante a
execução de seu trabalho, passou a Comissão pelas mais vivas emoções. Em nove
meses, percorreu mais de 11 mil quilômetros e com o auxílio de uma força de 400
cavalarianos, empenhou-se em duas rudes refregas com os selvagens. Uma delas,
travada a 19.05.1859, teve origem em um súbito ataque desfechado por 1.500
guerreiros pertencentes a seis tribos diversas.
Completamente
despidos e cavalgando em pelo soberbas montarias, os selvagens atiraram-se,
lança em riste, sobre a Expedição, numa esplêndida carga à luz da lua. Durante
três horas, desenrolou-se uma luta corpo a corpo em que ninguém pedia tréguas.
Os selvagens foram, finalmente, obrigados a se retirar, mas o fizeram em boa
ordem, levando em seu poder 3.000 cabeças de gado vacum e cavalar como presa de
sua ousada sortida e deixando a Expedição inteiramente à míngua de recursos.
Cada membro da
missão devia apresentar o seu plano pessoal para a defesa da fronteira e,
conquanto o Coronel Church fosse o mais moço e menos experiente da turma, seu
plano foi o escolhido.
Em 1860, o Sr.
Church localizou a Estrada de Ferro entre Buenos Aires e San Fernando, na
Argentina, e continuou em proveitoso exercício de sua profissão até o estalar
da Guerra de Secessão em sua pátria. Às primeiras notícias do conflito, apressou-se
em regressar aos Estados Unidos, onde ofereceu seus serviços em defesa da
União. Durante a Guerra, serviu sucessivamente como Capitão, Tenente-Coronel,
Coronel e Comandante de uma brigada de voluntários no Exército do Potomac.
Finda a
rebelião, o Coronel Church foi para o México como correspondente do “New York Herald” e serviu nas duas
últimas campanhas contra Maximiliano, em 1866 e 1867. Em ensaio biográfico
estampado num jornal de Boston, anos atrás, consta que, conquanto o Coronel
Church tivesse ido para o México como particular e ostensivamente como
representante de um jornal, na verdade levava uma missão secreta do General
Grant e, como tal, uniu-se às forças do Presidente Juarez em Chihuahua, tendo
delineado a Campanha final que resultou na captura de Maximiliano.
Entretanto,
prevendo o destino que aguardava o mal orientado Imperador, partiu para os EUA
percorrendo mais de 900 km por terra em 6 dias e atravessando o golfo do México
em um vaporzinho que quase soçobrou durante a tormentosa travessia. Em
Washington, pleiteou a intervenção do governo americano com a qual esperava
poder salvar Maximiliano da fatalidade que o aguardava.
Ao
voltar do México, o Coronel Church, por algum tempo, fez parte do corpo de
redatores do “New York Herald”. A seguir
foi para a América do Sul, onde tomou parte nos emocionantes acontecimentos que
precederam a queda de Lopez, o ditador paraguaio. Torna-se desnecessário tratar
aqui da atuação do Coronel Church na execução do projeto brasileiro-boliviano,
visto como é justamente esse o objetivo das páginas que se seguem.
Em
1880, foi comissionado pelo governo norte-americano para visitar o Equador e
elaborar um relatório sobre a situação do país; em 1891, representou a American
Society of Civil Engineers no Congresso de Higiene e Demografia, em Londres; em
1895, fez uma viagem a Costa Rica com o fim de regularizar a dívida externa e
examinar a situação da Estrada de Ferro local.
Em
1898, foi eleito presidente do Departamento Geográfico da British Association
e, em anos recentes, esteve interessado na projetada Estrada de Ferro
transcanadense, visando ligar Quebec a Port Simpson, na costa do Pacífico, por
um traçado 400 quilômetros mais curto que o que ia a Vancouver pela Canadian
Pacific.
É atualmente
membro do Conselho da Hakluyt Society, da Royal Historical Society, Vice-presidente
da Royal Geographic Society, da American Society of Civil Engineers,
Companheiro de primeira classe da Ordem Militar da Royal Legion of the United
States, Membro do Clube Naval e Militar da Cidade de Nova York e dos Clubes
Geográfico, Savage, e Ranelagh, de Londres. O Coronel Church escreveu ainda,
fartamente, sobre explorações e empreendimentos comerciais na América do Sul,
bem como sobre a história da Revolução Mexicana.
Da alta estima
em que é tido na Royal Geographical Society, pode-se aquilatar pelos debates
travados em torno de uma comunicação por ele apresentada à sociedade, em 1901,
quando um de seus pares teve as seguintes palavras a seu respeito:
Ouvimos a comunicação
maravilhados ante a soma prodigiosa de conhecimentos que possui o Coronel
Church com relação ao Continente Sul-americano. Não existe, naquele continente,
uma só montanha, um só Rio, uma única planura, um trecho litorâneo ou um
estuário sobre o qual o Cel Church não esteja habilitado a nos fornecer dados
precisos. (CRAIG)
Bibliografia
CRAIG, Neville B.. Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré: História Trágica de uma Expedição (1947) – Brasil
– São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1947.
KELLER, Franz. The Amazon
and Madeira Rivers – EUA – Philadelphia – J. B. Lippincott and C°., 1875.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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