Segunda-feira, 9 de novembro de 2020 - 08h15
Bagé, 09.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LII
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ IV
National Bolivian Navigation Company
Church foi até a Bolívia onde, no dia 27.08.1868, obteve a concessão de
canalizar o trecho das Cachoeiras, organizando a National Bolivian Navigation
Company. Não encontrou, porém, parceiros que financiassem o empreendimento nem
nos EUA nem na Europa. Retornou à Bolívia, um ano depois, informando que só
conseguiria levantar fundos em Londres se o Governo boliviano os garantisse. No
final de 1869, o contrato inicial foi modificado para a construção de uma
ferrovia ao longo das corredeiras ao mesmo tempo em que a Bolívia autorizava e
garantia, no mercado europeu, um empréstimo de 2.000.000 de libras a juros de
no máximo 8%.
Madeira and Mamoré Railway
Como a ferrovia seria construída em
território brasileiro, Church veio ao Brasil e, no dia 20.04.1870, o Governo
brasileiro autorizou a concessão, por 50 anos, exigindo que a companhia se
chamasse “Madeira and Mamoré Railway”,
que ela ligasse Santo Antônio a Guajará-mirim, que a construção deveria se
iniciar dentro de dois anos e concluída no final de sete, prazos que poderiam
ser prorrogados excepcionalmente.
Church retornou a Londres onde contatou os banqueiros Erlanger & Co.
que condicionaram o empréstimo à contratação da empreiteira Public Works
Construction Company, para construção da Ferrovia, além da confirmação da
garantia do empréstimo, tendo em vista mudanças na política interna boliviana.
Equacionadas as imposições dos banqueiros londrinos, no final de outubro de
1871, Church e os senhores C. F. de Kierzkowski e L. E. Ross, engenheiros da
Public Works, desceram o Rio Mamoré e o Rio Madeira até a Cachoeira de Santo
Antônio. Os engenheiros da Public Works tinham a missão de avaliar e informar à
sua empresa se a estrada era viável e o seu custo. Kierzkowski e Ross foram
favoráveis ao empreendimento, apesar dos poucos dias que tiveram para fazer a
avaliação e, no dia 01.11.1871, encenaram uma cerimônia simbólica, removendo a primeira
pá de terra da construção da ferrovia.
Início da Construção
No dia 06.07.1872, vinte e cinco engenheiros da Public Works chegaram a
Santo Antônio, na época, sede de um Destacamento Militar brasileiro. Church,
por sua vez, destacou o Engenheiro Edward D. Mathews para fiscalizar os
trabalhos da construtora, e o Governo brasileiro uma Comissão chefiada pelo
Engenheiro Antônio Álvares dos Santos Sousa.
Relatório do Eng° Santos Sousa
(07.05.1873)
Segundo o relatório de Antônio Álvares dos Santos Sousa, dez meses
depois de iniciados os trabalhos, os ingleses foram vencidos pelas dificuldades
apresentadas pelo clima, pela floresta e endemias amazônicas e estavam prontos
para bater em retirada:
Todos sofrem mais ou menos de febres intermitentes e, na ocasião da
minha visita, estavam sendo atacados de varíola. Em geral parecem-me todos
contrariados por não lhes ser permitido antecipar a retirada.
Relatório do Eng° Genesto (07.1873)
A Public Works, alarmada com a situação que se desenrolava, enviou para
Santo Antônio um Engenheiro de sua confiança, o Sr. Genesto, que entregou seu
relatório em julho de 1873. Após dez meses de “iniciados” os trabalhos, não havia sido assentado um único metro de
trilho pela Public Works.
Jornal
do Comércio, n° 245 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 04.09.1873
Essa via Férrea a ser construída terá uma extensão algo tanto maior do
que a princípio se computava. Mas este inconveniente não é o maior no momento.
São as obras, que demandam ingentes sacrifícios.
Os trabalhos de terras atingem o quádruplo da primeira estimativa. O
rochedo cumpre que seja talhado ao vivo em um longo trajeto, e a ponte
principal importará em dez vezes o orçamento primitivo. Enfim, as despesas de
transporte para o material é preciso que sejam calculadas no dobro do máximo
cogitado.
Além de tudo isto o clima é o mais insalubre que se pode imaginar, sendo
as forças operárias que se podem coadunar ([1])
eminentemente deficientes. Há também grande escassez de alimentos e
subsistências e falta absoluta de quaisquer socorros, a não serem, por alto
preço, expressamente importados. A persistir-se na ideia da realização da
linha, segundo meus cálculos, a mesma levará 20 anos a construir, e não custará
menos de 2.000.000 libras, sem incluir o sacrifício de grande número de vidas.
(JC, n° 245)
Em virtude do Relatório Genesto, a Public Works resolveu, no dia
09.07.1873, entrar com uma ação nos tribunais londrinos, solicitando rescisão
do contrato, considerando que teria sido iludida quanto à extensão da estrada,
as condições adversas do terreno e da salubridade da região afirmando
textualmente:
Que a zona era um antro de podridão onde seus homens morriam qual
moscas, que o traçado cortava uma região agreste em que se alternavam pântanos
e terrenos de formação rochosa, e que, mesmo dispondo-se de todo o dinheiro do
mundo e de metade de sua população, seria impossível construir a estrada.
Dorsay & Caldwell
A questão judicial com a Public Works congelara o empréstimo de 700.000
libras. Church não desistiu, procurou outra empresa para levar adiante o
empreendimento cujo sucesso provaria a falta de competência da Public Works e
lhe asseguraria uma vitória nos tribunais ingleses.
No dia 17.09.1873, Church assinou o contrato com a empresa Norte-americana
Dorsay & Caldwell que assumiu o compromisso de construir os primeiros
quinze quilômetros sem qualquer ônus, utilizando o material abandonado na selva
pela Public Works. No dia 24.01.1874, chegaram a Manaus os primeiros
Norte-americanos da Dorsay & Caldwell que seguiram imediatamente para Santo
Antônio. Poucos dias depois, em Santo Antônio, faleceu, de malária, um membro
da comitiva que, como os ingleses anteriormente, resolveram bater em retirada.
Intervenção de D. Pedro II
D. Pedro II resolve auxiliar Church, consequentemente promovendo a
construção da estrada, enviando ao Senado uma proposta adicional de 400.000
libras às 700.000 do empréstimo boliviano. O projeto de D. Pedro II dá novo
alento a Church, mas ainda havia o problema com a Public Works que apresentara
uma planta da ferrovia dando novo rumo à ação judicial e que poderia
prejudicá-lo. Church propôs um acordo no qual a empreiteira receberia 45.000
libras, que seriam pagas pelo novo empreiteiro, mais as custas judiciais.
A Golpista Reed Bros. & Co.
A Dorsay & Caldwell detinha o contrato até então, mas não tinha
interesse em levá-lo adiante, por isso, transferiu-o para uma empreiteira de
Londres, a Reed Bros. & Co. A Reed, demonstrando sua total má fé, aceitou o
encargo contratual sem conhecer o projeto e muito menos a região.
A Companhia protelava sua ida para a região até que, em 18.01.1877,
Church declarou nulo o contrato com a empresa. Demonstrando qual era sua
intenção desde o início, a Reed, que não gastara um único penny no empreendimento,
entrou com uma ação judicial exigindo indenização por perdas e danos.
Church, desesperado com mais esta demanda judicial e querendo iniciar
logo a construção da estrada, aceita fazer um acordo e paga 25.000 libras aos
pilantras ingleses.
O Coronel Church resolve, a essa altura, abandonar a Inglaterra, e
passar a sua ação para os Estados Unidos. Naquele país, somente tivera
aborrecimentos. Talvez na sua pátria, fosse mais feliz. (FERREIRA, 1959)
P. & T. Collins
É
para remediar essa situação [o isolamento econômico da Bolívia] e para revelar
ao mundo região tão bela quanto o Paraíso Terrestre que dois engenheiros de
Filadélfia [P. & T. Collins] vão contornar as Cachoeiras do Madeira. Não
sou nenhum visionário; ao contrário, sei bem o que digo. Terminada essa obra
monumental, a riqueza da Austrália e da Califórnia empalidecerão ante a
produção aurífera das montanhas e dos Riachos bolivianos, bem assim ante as
safras abundantíssimas das planícies e dos vales que lhes ficam de permeio.
(Coronel George Earl Church)
O Coronel George Earl Church encontra-se nos Estados Unidos com o Sr.
Franklin B. Gowen, industrial do aço, Presidente da Philadelphia and Reading
Coal and Iron Company que tinha interesse em intermediar o contrato de Church.
No dia 25.10.1877, foi lavrado o contrato entre a empreiteira P. &
T. Collins e a Madeira – Mamoré Railway Co. P. & T. Collins
comprometeram-se a pagar as 45.000 libras que o Coronel Church prometera à
Public Works e assinaram um contrato com a Philadelphia and Reading Coal and
Iron Company que forneceria todo material ferroviário a ser usado na Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré.
O contrato marcava como data limite dos trabalhos o dia 25.02.1878 e sua
conclusão após três anos.
Bibliografia
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A
Ferrovia do Diabo – Brasil – São Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1959.
JC N° 245. Relatório do
Eng° Genesto – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Comércio, n° 245,
04.09.1873.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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