Terça-feira, 17 de novembro de 2020 - 06h02
Bagé, 17.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LVIII
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ X
Controverso Relatório do Ministro da Agricultura
O Ministro da Agricultura apresenta, no dia
07.05.1884, à Câmara dos Deputados, um relatório sobre a Comissão Morsing, no
qual critica a planta da Public Works refutando, portanto, abertamente a
conclusão de Carlos Alberto Morsing, afirmando:
Trabalho tão deficiente não
poderia servir para determinar já o desenvolvimento da Ferrovia do Madeira e
Mamoré, já o seu orçamento; o pensamento manifestado pelo Poder Legislativo, ao
fixar o crédito destinado a tais estudos, ficaria em grande parte burlado se
qualquer deliberação definitiva acerca da construção da estrada houvesse de ser
tomada sobre dados meramente conjeturais, quais são os existentes quanto ao
desenvolvimento da linha além da localidade denominada Jirau.
Morsing, no dia 19.05.1884, solicita que o
Clube de Engenharia do Rio de Janeiro se manifeste sobre sua decisão de adotar
como verdadeira a planta da Public Works. A entidade máxima dos engenheiros do
Brasil resolve nomear uma Comissão de Notáveis, composta por nove engenheiros,
no dia 16.07.1884, apresenta seu relatório favorável a Morsing nos seguintes
termos:
A vista do exame que instituíram
os documentos referidos, e das informações fornecidas pelo Chefe da Comissão de
Estudos, incontestavelmente um dos mais hábeis e experimentados sobre questões
de Estradas de Ferro, são os abaixo assinados de parecer que os trabalhos,
apresentados ao Clube de Engenharia pelo referido ex-Chefe, oferecem, como
estudos preliminares, subido valor técnico e satisfazem o fim para que foram
organizados.
O próprio Governo Imperial resolvera nomear
a sua Comissão de Notáveis formada pelos engenheiros Francisco Bicalho,
Monteiro de Barros e o Conselheiro Sobragy, os quais julgaram, também,
suficientes os estudos de Morsing para os fins que se tinha em vista.
Comissão Pinkas e a Ordem da Rosa
Aguardava
as informações para então travar com o nobre Ministro o combate que se julga
com o direito de ferir em defesa dos seus velhos companheiros da Escola
Politécnica. (Deputado Sinimbu Jr.)
Júlio Pinkas retorna a Manaus no dia 10.09.1884;
surpreendentemente, em apenas 77 dias, as turmas haviam levantado 200
quilômetros da futura Estrada de Ferro em plena selva. O Ministro da
Agricultura, numa clara afronta aos engenheiros brasileiros, mesmo sem conhecer
o resultado da Comissão Pinkas, pois as plantas ainda estavam sendo elaboradas,
resolve, no dia 25.04.1885, agraciar toda a Comissão Pinkas com a Ordem da
Rosa. No dia 29.04.1885, o Ministro da Agricultura compareceu a uma tumultuada
sessão na Câmara dos Deputados. O Deputado Sinimbu Jr. atacou a conduta abjeta
do Ministro que desprezara deliberadamente os membros da Comissão Morsing que
não mereceram por parte dele uma palavra elogiosa sequer.
O Deputado apresentou, ainda, um
requerimento dirigido ao Ministro solicitando que informasse se já estavam
concluídos os estudos da Estrada, quanto se gastara, etc.
Moção do Clube de Engenharia
No dia 01.05.1885, no Clube de Engenharia do
Rio de Janeiro, o Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcelos, funcionário do
Ministério da Agricultura, propõe, corajosamente, ao plenário, a seguinte
moção, que foi aprovada por unanimidade:
O Clube de Engenharia,
conhecendo o ato recente do Governo Imperial, que galardoou os serviços
prestados pela 2ª Comissão de estudos da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré em
complemento aos trabalhos não menos árduos e relevantes que a precederam e
foram realizados com a maior dedicação, lastima que não fossem igualmente
considerados os esforços excepcionais, os resultados obtidos e os sacrifícios
pessoais da 1ª Comissão, dirigida pelo Engenheiro Carlos Alberto Morsing.
No dia 02.05.1884, o Ministro da Agricultura
exonera dos quadros do Ministério o Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcellos,
“a bem do serviço público” procurando,
ainda, sem sucesso manchar-lhe a reputação. Em 30.05.1885, a “Revista de Estradas de Ferro” (pg.
65), estampa no seu editorial:
Revista de Estradas de Ferro, n° 005
Rio de Janeiro, RJ
Sábado, 30.05.1885
O EX-MINISTRO DA AGRICULTURA
O Exm° Sr. Conselheiro Antônio
Carneiro da Rocha terminou mal os seus dias de Ministro da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas. Uma série de fatos mais ou menos graves e
desacertados coroaram a sua administração, que não se distinguiu por notáveis
cometimentos. S. Exª, nas vésperas de retirar-se da pasta, demitiu a bem do
serviço público o distinto e honrado Chefe de Secção da Secretaria da
Agricultura, Dr. Amarílio de Vasconcellos, sem motivar tão brusca resolução.
Com que direito o ex-Ministro fez uso da circunstância “a bem do serviço público”? Com o direito do amor próprio ofendido,
por haver o digno profissional, em sessão do Clube de Engenharia, lastimado o
ato de S. Exª, relativo à remuneração de uma só das duas Comissões de estudos
da E. de F. do Madeira e Mamoré? O alvitre de S. Exª não foi correto... devia S
Exª ter demitido a todos os Engenheiros que, sendo funcionários públicos,
cumpriram o seu dever, aprovando a referida proposta no Conselho Superior do
Clube de Engenharia. Pelo que está, porém, no domínio público, e vê-se dos
artigos que adiante publicamos, o incidente do Clube não foi mais do que um
pretexto, há muito ambicionado, contra o Dr. Amarílio.
Parece haver entre os liberais
gente excelsa que não conhece, ou a quem não agrada, a máxima – resistir para
bem servir – tantas vezes proclamada pelos mais ilustres chefes de seu partido.
[...] Há procedimentos que revoltam, outros que por exagerados caem no
ridículo; o do ex-Ministro não sabemos classificar. Felizmente no Brasil, a
vontade absoluta de um homem, seja ele Governo ou outra sumidade, não consegue
abalar reputações firmadas em honrosos precedentes. [...] Em nome da Engenharia
brasileira, podemos dizer:
– Ao Dr. Amarildo de Vasconcellos não atingiu a
nota com que o ex-Ministro pretende estigmatizá-lo. Podíamos apontar mais
alguns fatos; estes, porém, que ficam consignados, e foram os últimos, por si
demonstram a nossa asserção;
– O Exm°. Sr. Conselheiro Antônio Carneiro da
Rocha terminou mal os seus dias de Ministro. E o Excelentíssimo, cuja
personalidade muito respeitamos, desculpe-nos a andada e a ousadia de virmos
tratar de sua tão pouco interessante administração. (REF N ° 05)
Discurso do Senador Henrique D’Ávila
Henrique D’Ávila, no dia 06.06.1885, no
Senado do Império, faz um pronunciamento criticando a rebelião de Engenheiros
Brasileiros contra seu Chefe francês o Engenheiro Révy, enviados pelo
Ministério da Agricultura para a construção de açudes no Ceará.
A isto deve-se acrescentar certo
ciúme muito mal entendido contra os engenheiros estrangeiros. A engenharia
nacional está certamente muito habilitada, ninguém duvida, em matéria de viação
férrea; mas não assim em trabalhos hidráulicos, nos quais se tem cometido
verdadeiros horrores: que o diga quem tem acompanhado a construção do célebre reservatório
do Pedregulho e a não menos famosa Barra do Rio Grande do Sul. E por infundados
ciúmes move-se guerra contra profissionais distintos que vêm prestar real
serviço ao nosso país. (ANAIS, 1885 ‒ L3)
Em 29.06.1885, a “Revista de Estradas de Ferro” (pg. 81) afirma, peremptoriamente, no
editorial que o Senador Henrique D’Ávila se enganara e que o Engenheiro francês
Révy era um incompetente. A Revista faz questão de listar os engenheiros
estrangeiros que qualifica como notáveis e muito respeitados pelos colegas
brasileiros. Nesta relação, aparece o nome de Morsing, seguido do seguinte
comentário:
A ENGENHARIA NO PARLAMENTO
A Revista de Estradas de Ferro
está no seu programa, desde que pugna pelos direitos da Classe, não deixando
passar sem protesto injustas apreciações. O Exm°. Sr. Conselheiro Henrique
d’Ávila, constituindo-se defensor do Sr. J. J. Révy, depois de longo discurso
pronunciado na sessão do Senado, em 6 de junho de 1885, avançou, com referência
aos Engenheiros nacionais, a seguinte proposição:
A isto deve-se acrescentar certo
ciúme muito mal entendido contra os Engenheiros estrangeiros.
Garantimos que não anda bem
informado o Exm°. Senador. Os profissionais de mérito, vindos para o Brasil,
jamais despertaram ciúmes à nossa Engenharia; ao contrário, eles têm sido
acolhidos com respeitosas provas de alta consideração.
Hawkshaw teve as simpatias e o apreço que lhe
devíamos tributar; tão penhorado ficou, esse iminente Engenheiro, com os seus
colegas do Brasil, que ao retirar-se para a Inglaterra, como prova de
reconhecimento, instituiu a honrosa medalha que o nosso Instituto Politécnico
anualmente confere a quem, concorrendo a conquistá-la, se avantaja no “certâmen” científico.
W. M. Roberts, de saudosa
memória, contava dedicado amigo e apreciador convicto em cada um dos seus
muitos auxiliares brasileiro. Não se encontra em nossa Engenharia quem não
rendesse preito a tão digno profissional.
Carlos Alberto Morsing não
nasceu no Brasil; e nem por isso deixa de gozar a estima e o conceito a que tem
jus pelos seus méritos incontestáveis. Talvez não ignore o Exm°. Sr. Senador
Henrique d’Ávila, que são recordados, sempre com justos aplausos, os nomes de
Law, Krauss, Keller e outros de não menos notáveis engenheiros; e que não
pequeno é o número de profissionais estrangeiros que têm adotado o Brasil para
pátria.
Agora, em relação ao Sr. Révy, o
caso muda de figura; ainda assim, não sendo ele nenhum “Adonis científico”, está muito livre de inspirar ciúmes à
Engenharia Brasileira. O Sr. Révy não é tido por notabilidade... bem longe
disto. A falta de admiração, que ele imaginou causar, faz-lhe crer que haja
ciúmes. É uma ingenuidade como outra qualquer. À vista do exposto, fica sem
efeito mais esta frase do ilustre Senador:
E por infundados ciúmes inove-se
guerra contra profissionais distintos que vêm prestar real serviço ao nosso
país! (REF, N° 06)
A Revista não faz qualquer menção ao nome do
“Comendador” Júlio Pinkas,
demonstrando a tensão que existia entre o Governo Imperial e a Classe dos
Engenheiros. A mídia atenta e compromissada, daquela
época, acompanhava par e passo os
investimentos realizados pelo Governo Imperial mantendo seus eleitores bem informados.
Bibliografia
ANAIS, 1885 ‒ L3. Comissão
de Açudes no Ceará (pg.107) ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Anais do Senado
‒ Ano de 1885 ‒ Livro 3 ‒ Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria
de Anais do Senado federal, 20 de maio a 30 de junho de 1885.
REF N° 05. O Ex-Ministro da
Agricultura – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de Estradas de Ferro n°
05, 30.05.1885.
REF N° 06. A Engenharia no
Parlamento – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de Estradas de Ferro n°
06, 29.06.1885.
REF N° 34. Custo
das Estradas de Ferro do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista de
Estradas de Ferro n° 34, 31.10.1887.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H