Sexta-feira, 13 de novembro de 2020 - 07h56
Bagé, 13.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LVI
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ VIII
Chegada em Santo Antônio (19.02.1878)
Quando
os ingleses para cá vieram, as únicas coisas que fizeram durante os dois
primeiros dias, foi beber e fumar, mas os americanos trabalham como o diabo.
(Militar do destacamento de Santo Antônio)
Em Belém, a carga do “Mercedita”
foi passada para embarcações menores. A primeira delas aportou em Santo Antônio
no dia 19.02.1878. No dia seguinte, às 06h00, já saía uma turma de engenharia
para o campo. No mês de março, apareceram os primeiros doentes. As chuvas, os
insetos e a alimentação precária minavam o entusiasmo dos trabalhadores. No dia
29.03.1878, chegaram novas provisões e iniciou-se a construção de diversos
pavilhões, inclusive de uma padaria trazendo novo ânimo ao grupo.
Tragédia dos Italianos
P. & T. Collins trouxeram, para a
região, trabalhadores de diversas naturalidades, sendo 218 deles italianos.
Desde o início, o grupo sentiu-se menosprezado já que recebiam salários menores
que os pagos aos Norte-americanos e irlandeses. Amotinaram-se os italianos se
apropriando de munições e víveres. Os revoltosos foram subjugados e 8 deles,
considerados os cabeças da rebelião, algemados e presos. Dias depois, 75
italianos fugiram de Santo Antônio e penetraram na selva rumo à Bolívia. Nunca
mais se ouviu falar deles.
Ataque das Doenças
Ainda
me acho doente e incapaz de fazer o que quer que seja, Vi um enterro ontem.
Notei que diversas pessoas iam também carregadas, mas não percebi se estavam
mortas ou não. (Engenheiro Norte-americano)
No mês de maio de 1878, eram raros os casos de trabalhadores que ainda
não tinham sido acometidos pela disenteria ou malária. As dependências da
Companhia pareciam um hospital, as esposas de Thomas Collins, e dos engenheiros
Nichols e King trabalhavam como enfermeiras. Os víveres rareavam, os trabalhos
prosseguiam cada vez mais morosos, metade das turmas estava sempre doente e os
sãos tratavam dos enfermos.
P. & T. Collins “Seringalistas” Ferroviários
Pelo contrato que assinaram antes de sair na
Filadélfia, os operários eram debitados pelo custo do transporte até Santo
Antônio até que completassem 6 meses de trabalho e só teriam direito à passagem
de volta após 2 anos. Alguns, devido à doença, perderam muito tempo, nada
tinham a receber. Não poucos estavam com débito para com a firma. Os que tinham
vencimentos a receber, podiam comprar artigos de vestuário, fumo e outras
miudezas, no armazém de P. & T. Collins, mas não conseguiam obter nem por
compra, nem por qualquer outro meio, alimento adequado ao clima, ou capaz de
estimular o apetite de um organismo combalido. (Engenheiro Norte-americano)
Church não conseguia liberar o dinheiro do empréstimo boliviano para
iniciar os primeiros pagamentos aos Norte-americanos, tornando a situação dos
Collins e de seu pessoal desesperadora.
Inauguração no 4 de julho de 1878
Em clima de festa, no dia 4 de julho, aniversário da Independência dos
Estados Unidos, Collins inaugurou os três primeiros quilômetros da ferrovia
percorrendo com a locomotiva “Church”
o pequeno trajeto. Numa curva mal projetada, porém, a locomotiva saltou dos
trilhos, a euforia durou pouco. Nesta data deveriam estar prontos 40
quilômetros de ferrovia e não apenas três. O contrato estimava a construção de
dez quilômetros por mês e os Norte-americanos estavam assentando uma média de
700 metros.
Início do Desastre
O Engenheiro Nichols, representante de Church, era o encarregado de
medir e calcular os trabalhos da P. & T. Collins e enviar ao Coronel Church
os devidos atestados para possibilitar o levantamento do empréstimo depositado
no Banco da Inglaterra. Nichols é informado por Church, no dia 16.07.1878, de
que não haveria possibilidade de pagar os empreiteiros e mesmo que o pagamento
pelos serviços prestados fosse feito isto não compensaria os enormes gastos já
feitos pelos Collins.
Em decorrência disso, os créditos que a empresa tinha em Belém e nos Estados
Unidos foram imediatamente cortados. Não havia medicamentos nem mantimentos e o
estado sanitário era catastrófico. No dia 19.08.1878, seis meses depois de
terem chegado a Santo Antônio, os funcionários que quisessem retornar aos
Estados Unidos estavam liberados desde que fosse com recursos próprios.
Segundo o contrato, a empresa só seria obrigada a providenciar-lhes
condução de retorno dois anos depois da chegada. Alguns venderam o que possuíam
e conseguiram chegar a Belém, outros desceram o Madeira em pequenas e
improvisadas canoas e deles não se tem notícia. Cerca de 300 alcançaram Belém
sem um níquel sequer. O cônsul Norte-americano alojou-os em dois quartos
improvisados e conseguiu dinheiro suficiente para apenas uma refeição diária
durante duas semanas. O Governo americano, finalmente, enviou um vapor para
resgatar os seus patrícios que foram transportados, em janeiro (1879), para
Nova York onde chegaram depois de dez dias de viagem trajando roupas de verão
em pleno inverno.
A Retirada
Em Londres, a demanda em torno do empréstimo do Governo boliviano
assumia proporções de desastre. Os portadores de títulos, que os haviam
adquirido na baixa, queriam liquidar a ação o mais rápido possível. Church
tentava de todas as maneiras contrapor-se à argumentação de que era impossível
construir a Ferrovia. Em fevereiro de 1879, foram enviados dois peritos
judiciais a fim de verificar a situação das obras que apresentaram relatório
desfavorável. Imediatamente alguns engenheiros e funcionários começaram a abandonar
a construção. No dia 03.05.1879, Thomas Collins e o Sr. Gray foram atacados por
Índios que os feriram gravemente. Collins foi atingido por duas flechas sendo
que uma delas atravessou-lhe o pulmão quase o matando. No dia 19.08.1879, foi
definitivamente, suspensa a construção da Estrada de Ferro e todo material
permaneceu exatamente onde estava.
Saldo do Empreendimento
Durante os dezoito meses de permanência na região, morreram 141 das 719
pessoas que vieram dos Estados Unidos. Não existe relato do número de mortes
entre os 200 Índios bolivianos e 500 cearenses que, segundo Neville Craig, foi
extraordinariamente elevado, calcula-se em torno dos 300. A firma P. & T.
Collins faliu sem receber qualquer parcela do empréstimo boliviano e a esposa de
Thomas Collins, ao retornar para os Estados Unidos da América, teve de ser
internada em um sanatório para doenças mentais. Todos os trabalhadores
regressaram a sua terra natal na mais completa miséria.
O Brasil, no dia 10.09.1881, declarou caduca a concessão dada a Church.
No trágico desenrolar desta funesta página da história, mais uma vez, apenas os
abutres especuladores faturaram muito dinheiro.
Guerra do Pacífico (1879)
Se perigos vencermos, se padecimentos nos
aniquilarem, se decepções sofrermos e atos de bravura tivermos que praticar,
serão com certeza relatados em frase singela, mas modelada em fatos
verdadeiros, acontecimentos que se deram e não nas fantasias romanescas dos que
sacrificam a realidade ao prazer das descrições de efeito.
(Ernesto Matoso - Secretário da Comissão Morsing)
O desfecho não poderia ter sido mais desfavorável à Bolívia. O Chile
apossou-se da faixa litorânea boliviana, privando-a dos portos marítimos do
Pacífico. O Governo boliviano voltou a considerar, seriamente, a rota do Rio
Amazonas descendo pelo Rio Madeira.
Tratado de 15.05.1882
O Brasil não julgou aceitáveis os termos do projeto formulado por Dom
Eugenio Caballero, Ministro Boliviano e apresentou um contraprojeto, aceito
pelo Governo boliviano, que foi convertido em Tratado relativo à navegação dos
Rios bolivianos e brasileiros e à construção da Estrada de Ferro. O Tratado
deixava patente que o Governo brasileiro desejava efetivamente construir a
Estrada de Ferro.
Artigo 1° - Sua Majestade o Imperador do Brasil, confirmando
a promessa feita pelo artigo 9° do Tratado de 27.03.1867, obriga-se a conceder
à República da Bolívia o uso de qualquer Estrada de Ferro que venha a construir
por si, ou por empresa particular, desde a primeira Cachoeira na margem direita
do Rio Mamoré até Santo Antônio no Rio Madeira, a fim de que a República [da
Bolívia] possa aproveitar o transporte de pessoas e mercadorias os meios que
oferecer a navegação abaixo da dita Cachoeira de Santo Antônio.
Artigo 2° - O uso da referida estrada será concedido,
tanto para a importação como para a exportação, livre de todo e qualquer
imposto geral, Provincial ou Municipal, e ficará sujeito unicamente à tarifa
que se estabelecer para o transporte de mercadorias sem distinção de
nacionalidade ou origem.
Cinco meses após a assinatura do Tratado, a Lei n° 3141, de 30.10.1882,
que fixava o orçamento do Império, no seu artigo 12° especificava:
O Governo fica autorizado a despender até a
quantia de 150:000$000 com os estudos da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, e
na deficiência de renda, fará para este fim as operações de crédito que forem
necessárias.
Bibliografia
FORTE, Ernesto
Matoso Maia. Impressões de Viagem por um dos Membros da Comissão –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Comissão de Estudos da Estrada de Ferro do
Madeira-Mamoré: do Rio de Janeiro ao Amazonas e Alto Madeira: itinerário e
trabalhos, 1885.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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