Segunda-feira, 16 de novembro de 2020 - 09h02
Bagé, 16.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LVII
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ IX
Comissão Morsing
Foi criada, no dia 25.11.1882, uma Comissão formada por dez Engenheiros,
um Secretário, um Médico, um Farmacêutico, um Desenhista e dois auxiliares para
executar os estudos da futura Estrada de Ferro.
O Engenheiro Chefe era o sueco naturalizado
brasileiro Carlos Alberto Morsing, formado em Engenharia nos Estados Unidos e
que estava trabalhando em uma Ferrovia na Província de Pernambuco, o austríaco
Júlio Pinkas, 1° Engenheiro, por sua vez, gozava de muito prestígio nos meios
políticos.
A Comissão resolveu utilizar-se do
levantamento realizado, numa extensão de 106 quilômetros, pela firma Collins.
Os engenheiros proporiam, se fosse o caso, alterações nesta planta e
realizariam seu próprio projeto até o fim da linha. No dia 19.03.1883, a
Comissão chegou a Santo Antônio debaixo de fortes chuvas.
Os membros da Comissão fizeram, de imediato, um levantamento do que
existia. Fazia três anos e meio que Collins havia se retirado de Santo Antônio.
O Secretário da Comissão Ernesto Matoso Maia Forte assim descreveu:
Junto ao porto, está inutilizada uma
esplêndida locomotiva Baldwin, já sem o sino e o apito, completamente
estragada. Máquinas fixas para plano inclinado, para embarque e desembarque de
cargas, armazéns em ruínas, inúmeras pilhas de trilhos Vignoles ainda bons,
correame, carros de mão, alavancas, barras de ferro e aço, rebiques, parafusos,
moitões, cadernais, encerados, ferramentas de toda espécie, vagonetes, rodas em
eixos, carvão de pedra estragado, caixas de fumo já podre, zinco em profusão,
madeiras, pilhas de dormentes apodrecidos, tornos, bigornas, malhos, marretas,
fio telegráfico, isoladores etc.
A 2 km pela linha, existem as ruínas da
serraria a vapor, alguns aparelhos telegráficos, postes, etc, etc., em completo
estrago. Pelo mato, a cada passo, se encontram vestígios: pás, enxadas,
picaretas, carrinhos, tudo estragado! Confrange-nos ver tantos e tantos contos
de réis em perfeita perda, tanta soma de sacrifício sem resultados.
É preciso que Collins seja dotado de uma
Fortaleza de espírito invejável para que não tivesse enlouquecido [Matoso não
tinha conhecimento de que a esposa de Collins falecera em um sanatório de
doenças mentais nos EUA] quando foi forçado a abandonar este belo princípio da
importante Ferrovia Madeira Mamoré.
Lutando contra a falta de recursos próprios
do lugar, com o clima, com as terríveis enfermidades, aquele distinto homem fez
prodígios. Construiu 6 km de linha e estudou mais de cem, contou e aterrou
vinte, isso em pouco mais de ano.
São incríveis os trabalhos feitos por aquele
heroico Norte-americano, a despeito de todas as contrariedades. (FORTE)
Início dos Trabalhos e do Ataque das
Doenças
No dia 02.04.1883, o Engenheiro Abel Ferreira de Matos iniciou os
trabalhos na selva, comparando a planta de Collins com o terreno. A Comissão
contava agora com 60 elementos formada por engenheiros, funcionários e
trabalhadores indígenas.
No dia 09.04.1883, vinte dias após a chegada, 22 membros da Comissão
estavam doentes, no dia 11.04.1883, este número chegava a 32, 53% do efetivo
total.
No dia 24.04.1883, chegou, a Santo Antônio, um vapor trazendo reforços
para a Comissão: eram 28 cearenses e maranhenses além de 30 Soldados do 15°
Batalhão de Infantaria, substituindo os indisciplinados e indolentes militares
do 11° Batalhão de Infantaria que acompanhavam a Comissão desde o início.
No dia 07.05.1883, faleceu o Engenheiro Alfredo Índio do Brasil que foi
sepultado em Manicoré. No dia 21.05.1883, o médico da Comissão resolveu
evacuar, no vapor Mauá, para o Rio de Janeiro o Chefe da Comissão Carlos
Alberto Morsing, os engenheiros Domingos Guilherme Braga Torres, Dâmaso Pereira
e Tomás Joaquim de Cerqueira (que faleceu a 25.06.1883) e o auxiliar Coelho
Ferreira. Júlio Pinkas assumiu, então, a chefia da Comissão. No dia 07.08.1883,
morre Pedro Leitão da Cunha, o terceiro Engenheiro em três meses. A situação da
Comissão era insustentável, todos estavam doentes. Júlio Pinkas decidiu pela
retirada imediata de todos para Manaus.
Plantas
da Public Works
O Sr. Júlio Batista Álvares, verificando que a Comissão estava se retirando,
entregou a Pinkas um rolo com plantas antigas. Eram os originais das plantas
que a Public Works entregara dez anos antes nos tribunais londrinos para provar
que a extensão da estrada era consideravelmente superior à que constava do
contrato com Church. Faltavam apenas as plantas do trecho entre Santo Antônio e
Jirau que tinham sido elaboradas por Collins. No dia 04.09.1883, a Comissão,
chefiada interinamente por Pinkas, chegou a Manaus e, no mesmo dia, vindo do
Rio de Janeiro, Morsing que, depois de conferenciar com as autoridades
governamentais, conseguiu mais recursos e cinco novos Engenheiros, um auxiliar
e um Farmacêutico. Morsing instalou em Manaus um escritório de engenharia para
elaborar as plantas da Ferrovia.
Medidas Tomadas por Morsing
Morsing analisou as plantas Public Works, que as elaborara há dez anos,
assim como as plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins:
1°) A Comissão considerou que as
plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins, numa extensão de 106
quilômetros, até Jirau, comparadas com o terreno eram plenamente aceitáveis.
2°) A Comissão ia continuar os
estudos do quilômetro 106 até Guajará-mirim, mas como tinham sido achadas as
plantas originais da Public Works, que se iniciavam a partir do quilômetro 128
até Guajará-Mirim, resolveu:
a) Fazer o levantamento do que faltava, entre o
final da planta de Collins e o começo da Public Works numa extensão aproximada
de 17 quilômetros;
b) Verificar no terreno se os
primeiros quilômetros da planta da Public Works estavam corretos, caso
positivo, considerar toda a planta como boa.
Não me parece suficiente a análise apenas dos primeiros quilômetros da
planta da Public Works. Dever-se-ia, por amostragem, fazer mais de uma tomada a
meio percurso e uma outra no final para só aí sim considerá-la como válida.
1° Turma - Eng° Bacelar (15.11.1883)
Huet de Bacellar retornou, depois de um mês e meio de trabalho, no dia
15 de novembro de 1883, de Santo Antônio onde foi realizar sondagens e estudar
as condições de ancoradouro de grandes vapores em Porto Velho, sete quilômetros
abaixo de Santo Antônio. Com os resultados dos trabalhos do Eng° Bacellar,
Morsing concluiu que a Estrada de Ferro deveria partir de Ponto Velho, pois ali
o Rio Madeira tinha calado suficiente para os grandes vapores que subiam o Rio
Madeira. Consequentemente foi levantada, também, a planta entre Ponto Velho e
Santo Antônio. (FERREIRA)
2° Turma – Eng° Camarão (28.01.1884)
[...] tive grande prazer de encontrar no campo,
vestígios não só da picada da Public Works como também esteios, já algo
carcomidos pela ação destruidora do tempo, [...] e que esta habitação é a que
se achava muito bem figurada na planta: assim, pois, tive um ponto firme e me
foi bastante fácil determinar a estação 13. (João José da Cruz Camarão)
A turma do Engenheiro João José da Cruz Camarão retornou, no dia
28.01.1884, depois de dois meses e meio de trabalho no Caldeirão do Inferno,
onde fizeram a checagem no terreno dos primeiros quilômetros da planta da
Public Works.
Camarão conseguiu localizar no terreno a última estaca da planta de
Collins de onde iniciou uma linha de 17 quilômetros e 700 metros de extensão,
até a primeira estaca da planta da Public Works. (FERREIRA)
Relatório da Comissão Morsing
(02.1884)
Julgo
que não há necessidade de maiores sacrifícios em estudos sem que a construção
da estrada seja definitivamente resolvida, devendo nesse caso os estudos serem
finais e para a construção imediata. Para estudos preliminares, sou de opinião
que o que possuímos são suficientes, e é usando da faculdade que me é conferida
pelas instruções que regem a Comissão, que adoto os estudos feitos. (Carlos
Alberto Morsing)
Morsing entregou ao Ministro da Agricultura, em fevereiro de 1884, no
Rio de Janeiro, o relatório da Comissão, cujos tópicos principais são os
seguintes:
1°) Extensão
da Ferrovia, de Ponto Velho a Guajará-mirim: 361,7 km;
2°) Custo por quilômetro da
futura Ferrovia: 47:000$000;
3°) Importância despendida nesses
estudos: 196:904$238;
4°) Perdas humanas: dezenove mortos,
sendo 3 Engenheiros, um Oficial, e quinze Soldados e trabalhadores.
De posse do relatório, o Ministro resolve ouvir o 1° Engenheiro da
Comissão Júlio Pinkas que afirmou categoricamente que as plantas da Public
Works, adotadas por Morsing, não mereciam fé. O Ministro determina, então, que
Morsing retorne às Cachoeiras para levantar a planta do trecho correspondente à
Public Works. Morsing não aceita essa imposição e pede demissão do cargo de
Engenheiro-chefe da Comissão. O Ministro nomeia, então, Pinkas como chefe.
Nomeação de Pinkas
Não
tenho confiança nas vantagens presentes ou futuras da Estrada de Ferro Madeira
e Mamoré, tais como as consideram os seus apologistas. Acredito, ao contrário,
que apenas servirá a uma região limitada, pobre e sem recursos para compensar
os sacrifícios das vidas e dos capitais avultados que a sua construção e
conservação exigem. (Alexandre Haag)
O Ministro, ao nomear Pinkas que discordara
do seu antigo chefe de Comissão, comete um procedimento antiético e antiprofissional
arraigado aos nossos dirigentes brasileiros desde os tempos não republicanos.
Seu ato prestigia Pinkas ao mesmo tempo em
que coloca em cheque a capacidade profissional e o discernimento de Morsing. A
Comissão Pinkas precisava corroborar a ideia preconcebida do Ministro de que as
plantas elaboradas pela Public Works teriam sido forjadas.
O Ministro se empenhou para que a nova
Comissão tivesse mais facilidades que a anterior, solicitando um crédito de
300:000$000 (30% superior ao que despendera com o Engenheiro de origem sueca
Carlos Alberto Morsing) além do apoio que seria prestado pelo navio de guerra “Afonso Celso” que permaneceria em Santo
Antônio à disposição da Comissão.
Comissão Pinkas
Pinkas parte do Rio de Janeiro para Manaus, no dia 10.03.1884, aonde
chegou, em 01.04.1884, assumindo a Comissão dois dias depois. No dia
12.04.1884, parte para S. Antônio levando, além dos Engenheiros, trabalhadores
e empreiteiros, um destacamento da Armada Imperial. Em S. Antônio, organiza
cinco turmas de engenharia, cada uma com 21 homens, estas turmas receberiam um
batelão e víveres para três meses.
No Caldeirão do Inferno, parte do pessoal se
recusou a continuar e Pinkas reorganizou as equipes agora formadas por quatro
turmas. A primeira Turma foi instalada no dia 20.06.1884, junto à Cachoeira do
Jirau; a segunda, junto à Cachoeira dos Três Irmãos; a terceira no Ribeirão, e
a quarta mais adiante. O estudo seria feito por seções que seriam depois
agrupadas em um só projeto, com as respectivas plantas.
Bibliografia
FORTE, Ernesto
Matoso Maia. Impressões de Viagem por um dos Membros da Comissão –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Comissão de Estudos da Estrada de Ferro do
Madeira-Mamoré: do Rio de Janeiro ao Amazonas e Alto Madeira: itinerário e trabalhos,
1885.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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