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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXXXVII - Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ IX


A Terceira Margem – Parte LXXXVII - Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ IX - Gente de Opinião

Bagé, 16.11.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LVII

 

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo IX

 

Comissão Morsing

 

Foi criada, no dia 25.11.1882, uma Comissão formada por dez Engenheiros, um Secretário, um Médico, um Farmacêutico, um Desenhista e dois auxiliares para executar os estudos da futura Estrada de Ferro.

 

O Engenheiro Chefe era o sueco naturalizado brasileiro Carlos Alberto Morsing, formado em Engenharia nos Estados Unidos e que estava trabalhando em uma Ferrovia na Província de Pernambuco, o austríaco Júlio Pinkas, 1° Engenheiro, por sua vez, gozava de muito prestígio nos meios políticos.

 

A Comissão resolveu utilizar-se do levantamento realizado, numa extensão de 106 quilômetros, pela firma Collins. Os engenheiros proporiam, se fosse o caso, alterações nesta planta e realizariam seu próprio projeto até o fim da linha. No dia 19.03.1883, a Comissão chegou a Santo Antônio debaixo de fortes chuvas.

 

Os membros da Comissão fizeram, de imediato, um levantamento do que existia. Fazia três anos e meio que Collins havia se retirado de Santo Antônio. O Secretário da Comissão Ernesto Matoso Maia Forte assim descreveu:

 

Junto ao porto, está inutilizada uma esplêndida locomotiva Baldwin, já sem o sino e o apito, completamente estragada. Máquinas fixas para plano inclinado, para embarque e desembarque de cargas, armazéns em ruínas, inúmeras pilhas de trilhos Vignoles ainda bons, correame, carros de mão, alavancas, barras de ferro e aço, rebiques, parafusos, moitões, cadernais, encerados, ferramentas de toda espécie, vagonetes, rodas em eixos, carvão de pedra estragado, caixas de fumo já podre, zinco em profusão, madeiras, pilhas de dormentes apodrecidos, tornos, bigornas, malhos, marretas, fio telegráfico, isoladores etc.

 

A 2 km pela linha, existem as ruínas da serraria a vapor, alguns aparelhos telegráficos, postes, etc, etc., em completo estrago. Pelo mato, a cada passo, se encontram vestígios: pás, enxadas, picaretas, carrinhos, tudo estragado! Confrange-nos ver tantos e tantos contos de réis em perfeita perda, tanta soma de sacrifício sem resultados.

 

É preciso que Collins seja dotado de uma Fortaleza de espírito invejável para que não tivesse enlouquecido [Matoso não tinha conhecimento de que a esposa de Collins falecera em um sanatório de doenças mentais nos EUA] quando foi forçado a abandonar este belo princípio da importante Ferrovia Madeira Mamoré.

 

Lutando contra a falta de recursos próprios do lugar, com o clima, com as terríveis enfermidades, aquele distinto homem fez prodígios. Construiu 6 km de linha e estudou mais de cem, contou e aterrou vinte, isso em pouco mais de ano.

 

São incríveis os trabalhos feitos por aquele heroico Norte-americano, a despeito de todas as contrariedades. (FORTE)

 

Início dos Trabalhos e do Ataque das Doenças

 

No dia 02.04.1883, o Engenheiro Abel Ferreira de Matos iniciou os trabalhos na selva, comparando a planta de Collins com o terreno. A Comissão contava agora com 60 elementos formada por engenheiros, funcionários e trabalhadores indígenas.

 

No dia 09.04.1883, vinte dias após a chegada, 22 membros da Comissão estavam doentes, no dia 11.04.1883, este número chegava a 32, 53% do efetivo total.

 

No dia 24.04.1883, chegou, a Santo Antônio, um vapor trazendo reforços para a Comissão: eram 28 cearenses e maranhenses além de 30 Soldados do 15° Batalhão de Infantaria, substituindo os indisciplinados e indolentes militares do 11° Batalhão de Infantaria que acompanhavam a Comissão desde o início.

 

No dia 07.05.1883, faleceu o Engenheiro Alfredo Índio do Brasil que foi sepultado em Manicoré. No dia 21.05.1883, o médico da Comissão resolveu evacuar, no vapor Mauá, para o Rio de Janeiro o Chefe da Comissão Carlos Alberto Morsing, os engenheiros Domingos Guilherme Braga Torres, Dâmaso Pereira e Tomás Joaquim de Cerqueira (que faleceu a 25.06.1883) e o auxiliar Coelho Ferreira. Júlio Pinkas assumiu, então, a chefia da Comissão. No dia 07.08.1883, morre Pedro Leitão da Cunha, o terceiro Engenheiro em três meses. A situação da Comissão era insustentável, todos estavam doentes. Júlio Pinkas decidiu pela retirada imediata de todos para Manaus.

 

Plantas da Public Works

 

O Sr. Júlio Batista Álvares, verificando que a Comissão estava se retirando, entregou a Pinkas um rolo com plantas antigas. Eram os originais das plantas que a Public Works entregara dez anos antes nos tribunais londrinos para provar que a extensão da estrada era consideravelmente superior à que constava do contrato com Church. Faltavam apenas as plantas do trecho entre Santo Antônio e Jirau que tinham sido elaboradas por Collins. No dia 04.09.1883, a Comissão, chefiada interinamente por Pinkas, chegou a Manaus e, no mesmo dia, vindo do Rio de Janeiro, Morsing que, depois de conferenciar com as autoridades governamentais, conseguiu mais recursos e cinco novos Engenheiros, um auxiliar e um Farmacêutico. Morsing instalou em Manaus um escritório de engenharia para elaborar as plantas da Ferrovia.

 

Medidas Tomadas por Morsing

 

Morsing analisou as plantas Public Works, que as elaborara há dez anos, assim como as plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins:

 

1°)   A Comissão considerou que as plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins, numa extensão de 106 quilômetros, até Jirau, comparadas com o terreno eram plenamente aceitáveis.

 

2°)   A Comissão ia continuar os estudos do quilômetro 106 até Guajará-mirim, mas como tinham sido achadas as plantas originais da Public Works, que se iniciavam a partir do quilômetro 128 até Guajará-Mirim, resolveu:

 

a) Fazer o levantamento do que faltava, entre o final da planta de Collins e o começo da Public Works numa extensão aproximada de 17 quilômetros;

 

b) Verificar no terreno se os primeiros quilômetros da planta da Public Works estavam corretos, caso positivo, considerar toda a planta como boa.

 

Não me parece suficiente a análise apenas dos primeiros quilômetros da planta da Public Works. Dever-se-ia, por amostragem, fazer mais de uma tomada a meio percurso e uma outra no final para só aí sim considerá-la como válida.

 

1° Turma - Eng° Bacelar (15.11.1883)

 

Huet de Bacellar retornou, depois de um mês e meio de trabalho, no dia 15 de novembro de 1883, de Santo Antônio onde foi realizar sondagens e estudar as condições de ancoradouro de grandes vapores em Porto Velho, sete quilômetros abaixo de Santo Antônio. Com os resultados dos trabalhos do Eng° Bacellar, Morsing concluiu que a Estrada de Ferro deveria partir de Ponto Velho, pois ali o Rio Madeira tinha calado suficiente para os grandes vapores que subiam o Rio Madeira. Consequentemente foi levantada, também, a planta entre Ponto Velho e Santo Antônio. (FERREIRA)

 

2° Turma – Eng° Camarão (28.01.1884)

 

[...] tive grande prazer de encontrar no campo, vestígios não só da picada da Public Works como também esteios, já algo carcomidos pela ação destruidora do tempo, [...] e que esta habitação é a que se achava muito bem figurada na planta: assim, pois, tive um ponto firme e me foi bastante fácil determinar a estação 13. (João José da Cruz Camarão)

 

A turma do Engenheiro João José da Cruz Camarão retornou, no dia 28.01.1884, depois de dois meses e meio de trabalho no Caldeirão do Inferno, onde fizeram a checagem no terreno dos primeiros quilômetros da planta da Public Works.

 

Camarão conseguiu localizar no terreno a última estaca da planta de Collins de onde iniciou uma linha de 17 quilômetros e 700 metros de extensão, até a primeira estaca da planta da Public Works. (FERREIRA)

 

Relatório da Comissão Morsing (02.1884)

 

Julgo que não há necessidade de maiores sacrifícios em estudos sem que a construção da estrada seja definitivamente resolvida, devendo nesse caso os estudos serem finais e para a construção imediata. Para estudos preliminares, sou de opinião que o que possuímos são suficientes, e é usando da faculdade que me é conferida pelas instruções que regem a Comissão, que adoto os estudos feitos. (Carlos Alberto Morsing)

 

Morsing entregou ao Ministro da Agricultura, em fevereiro de 1884, no Rio de Janeiro, o relatório da Comissão, cujos tópicos principais são os seguintes:

 

1°)   Extensão da Ferrovia, de Ponto Velho a Guajará-mirim: 361,7 km;

 

2°)   Custo por quilômetro da futura Ferrovia: 47:000$000;

 

3°)   Importância despendida nesses estudos: 196:904$238;

 

4°)   Perdas humanas: dezenove mortos, sendo 3 Engenheiros, um Oficial, e quinze Soldados e trabalhadores.

 

De posse do relatório, o Ministro resolve ouvir o 1° Engenheiro da Comissão Júlio Pinkas que afirmou categoricamente que as plantas da Public Works, adotadas por Morsing, não mereciam fé. O Ministro determina, então, que Morsing retorne às Cachoeiras para levantar a planta do trecho correspondente à Public Works. Morsing não aceita essa imposição e pede demissão do cargo de Engenheiro-chefe da Comissão. O Ministro nomeia, então, Pinkas como chefe.

 

Nomeação de Pinkas

 

Não tenho confiança nas vantagens presentes ou futuras da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, tais como as consideram os seus apologistas. Acredito, ao contrário, que apenas servirá a uma região limitada, pobre e sem recursos para compensar os sacrifícios das vidas e dos capitais avultados que a sua construção e conservação exigem. (Alexandre Haag)

 

O Ministro, ao nomear Pinkas que discordara do seu antigo chefe de Comissão, comete um procedimento antiético e antiprofissional arraigado aos nossos dirigentes brasileiros desde os tempos não republicanos.

 

Seu ato prestigia Pinkas ao mesmo tempo em que coloca em cheque a capacidade profissional e o discernimento de Morsing. A Comissão Pinkas precisava corroborar a ideia preconcebida do Ministro de que as plantas elaboradas pela Public Works teriam sido forjadas.

 

O Ministro se empenhou para que a nova Comissão tivesse mais facilidades que a anterior, solicitando um crédito de 300:000$000 (30% superior ao que despendera com o Engenheiro de origem sueca Carlos Alberto Morsing) além do apoio que seria prestado pelo navio de guerra “Afonso Celso” que permaneceria em Santo Antônio à disposição da Comissão.

 

Comissão Pinkas

 

Pinkas parte do Rio de Janeiro para Manaus, no dia 10.03.1884, aonde chegou, em 01.04.1884, assumindo a Comissão dois dias depois. No dia 12.04.1884, parte para S. Antônio levando, além dos Engenheiros, trabalhadores e empreiteiros, um destacamento da Armada Imperial. Em S. Antônio, organiza cinco turmas de engenharia, cada uma com 21 homens, estas turmas receberiam um batelão e víveres para três meses.

 

No Caldeirão do Inferno, parte do pessoal se recusou a continuar e Pinkas reorganizou as equipes agora formadas por quatro turmas. A primeira Turma foi instalada no dia 20.06.1884, junto à Cachoeira do Jirau; a segunda, junto à Cachoeira dos Três Irmãos; a terceira no Ribeirão, e a quarta mais adiante. O estudo seria feito por seções que seriam depois agrupadas em um só projeto, com as respectivas plantas.

 

Bibliografia

 

FORTE, Ernesto Matoso Maia. Impressões de Viagem por um dos Membros da Comissão – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Comissão de Estudos da Estrada de Ferro do Madeira-Mamoré: do Rio de Janeiro ao Amazonas e Alto Madeira: itinerário e trabalhos, 1885.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·       Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·       Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·       Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·       Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·       Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·       Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·       Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·       Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·       Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·       Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·       Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·       Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·       Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·       E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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