Quinta-feira, 23 de julho de 2020 - 13h27
Bagé, 23.07.2020
Navegando com o Guaíba
Determinação
Sempre procurei
mostrar àqueles com quem convivo que jamais devemos estar satisfeitos com o que
somos; que devemos, sempre e sempre, buscar o aperfeiçoamento em todos os
níveis, seja espiritual, físico, mental ou intelectual. Com o passar dos anos,
uma natural acomodação é capaz de nos conduzir à mesmice, à estagnação.
Devemos combater
essa tendência, com todas as forças, com autodisciplina, superação,
estabelecendo objetivos definidos. Não devemos ter receio de tentar, medo de
fracassar. O perdedor é o que não arrisca e não o que falha tentando. No palco
da vida, temos de ser os protagonistas não os coadjuvantes.
“À Espera de
um Milagre”
A
partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado
ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me demoverá de tal propósito.
(Euclides da Cunha – Carta
a José Veríssimo)
Foi com esta
convicção, minha paixão extrema pela esposa enferma, minha fé inquebrantável no
Grande Arquiteto do Universo e na sua capacidade de operar milagres, meu amor
pela Amazônia e pelas águas, que nasceu o “Projeto-Aventura
Desafiando o Rio-Mar”.
O projeto tem como
objetivo fundamental despertar a juventude brasileira para que exerça, desde
já, uma pressão cidadã, no sentido de reverter as nefastas ações que afligem
nossa Hileia, exigindo das autoridades providências que contemplem o meio
ambiente e os povos da floresta sem, contudo, negligenciar a soberania
nacional. Nosso intuito era executá-lo depois de sairmos do Colégio Militar de
Porto Alegre (CMPA) em 2010, mas o corpo docente e discente, ao tomar
conhecimento do nosso plano, sugeriu transformar o projeto do Coronel Hiram
Reis em um Projeto do CMPA.
Começaram, então,
entusiasticamente a desenvolver um acurado planejamento de modo a contemplar
todas as disciplinas e clubes de maneira a torná-lo um projeto interdisciplinar
e multidisciplinar. Devido a esse envolvimento da Comunidade escolar do CMPA, fomos
levados a antecipá-lo e programá-lo para o período de 1° de outubro de 2008 a
04 de fevereiro de 2009.
Experiência e Respeito à Natureza
A proposta original
consistia em descer os Rios Solimões/Amazonas (Tabatinga/AM – Belém/PA) de
caiaque, reconhecer seus principais afluentes, observar a fauna, flora,
hidrografia, relevo, entrevistar autoridades locais e representantes dos povos
da floresta. A escolha do caiaque se baseou em dois requisitos fundamentais –
experiência como canoísta profissional e respeito à natureza. A experiência já
havia sido consagrada nas águas do Mato Grosso, São Paulo e Mato Grosso do Sul
quando conquistei o campeonato Sul-Mato-Grossense de Canoagem em 1989,
singrando águas brancas, quedas d’água e provas de longa distância. Numa época
em que tanto se propugna pelo respeito à natureza, o caiaque sintetiza o meio
de transporte ideal para ser usado na “Terra
das Águas”. Seu deslocamento silente não afugenta, não atemoriza a fauna;
as remadas firmes e cadenciadas seguem o ritmo da natureza sem agredir a flora
e a ausência de motores a combustão não polui, não macula os Rios.
Apresentação
No dia 21.06.2007,
no Salão Brasil do CMPA do velho Casarão da Várzea, lancei, em nome do Colégio
Militar de Porto Alegre (CMPA), da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS) e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
oficialmente o Projeto. O evento contou com a presença de todos os professores,
representação de alunos, autoridades, empresários e imprensa de Porto Alegre.
Treinamento
A partir de então,
com muito esforço e apoio de familiares, amigos e professores consegui adquirir
parte dos equipamentos necessários e manter um treinamento rígido em que
estabeleci obstáculos bem superiores aos que iria enfrentar na “terra das Amazonas”. Em menos de dois
anos, percorri uma distância de 12.590 quilômetros, equivalente à navegação da
Foz do Chuí ao México, enfrentando condições de navegação extremas. O Rio
Guaíba proporciona reais dificuldades à navegação com seus ventos fortes e
largura de até 18 km (entre a Vila Itapuã e a Praia da Faxina) bem superior à
do Rio Solimões. As diversas rotas que idealizei, atravessando o canal em
navegações contínuas superiores a 2 horas, buscaram ultrapassar as situações
que enfrentaria na Amazônia. Enfrentei ventos de 25 nós (45 km/h), que ao passar
entre os morros da Ponta Grossa e a Pedra Redonda, criam um interessante efeito
de turbilhonamento. As ondas, de até 1,5 m, surgem de todos os lados, sem um
padrão definido, exigindo muita habilidade e força do canoísta.
Desafios
Procurando testar
meus limites, estabeleci percursos superiores a 70 quilômetros de extensão e,
em todas as oportunidades, tive a satisfação de atingir com sucesso as metas
propostas.
Rota Desafio 1 – Navegador José Pineda
O saudoso amigo
Pineda, irmão da professora Silvana Pineda me apresentou, através de fotos e relatos
de suas experiências como experiente navegador, um Guaíba muito mais majestoso
e desafiador. Seguindo suas sábias orientações, fui cada vez mais estendendo os
limites e passei a conhecer o Rio em toda a sua plenitude, em todo seu
esplendor e magia. O desafio que batizei com seu nome teve início às 06h15 do
dia 10.12.2007, no dia mais quente do ano. Foi um desafio de resistência física
e psicológica. Cheguei à praia da Faxina às 10h30 e, às 18h20, aportava na Raia
1 com um tempo de navegação de 09h25 (82 km).
Rota Desafio 2 – Cel Altino Berthier Brasil
Esta rota foi em
homenagem ao meu ex-mestre do CMPA, Coronel Berthier, profundo conhecedor das belezas
e mistérios da Amazônia Brasileira. Nesta prova, saí às 05h55 e naveguei até a
maravilhosa Ilha do Junco, que faz parte do complexo do Parque Itapuã, no dia
18.12.2007, retornando às 18h25 com um tempo de navegação de 09h27 (84 km).
Rota Desafio 3 – Professora Silvana Pineda
Cruzei o Farol de
Itapuã e superei os umbrais da Lagoa dos Patos em uma navegação de 80
quilômetros em 11 horas. Uma prova que se iniciou às quatro horas da madrugada,
na mágica noite do dia 07.02.2008, em que as estrelas cadentes e o céu claro,
embora sem lua, me brindaram com sua esfuziante beleza. Cheguei exatamente às
dezoito horas, após manter o compassado ritmo dos 4 nós por hora.
Rota Desafio 4 – Rosa Mística
Parti rumo à Ilha do Barba Negra às 03h15, numa noite clara, sem lua, acariciado pela brisa suave vinda do quadrante Sul, como os boletins do tempo haviam anunciado.
Depois de remar aproximadamente 45 minutos, o céu foi ficando carregado na altura da Ponta Grossa, e os ventos de proa começaram a dificultar a progressão. Decidi continuar navegando até a Ilha do Chico Manoel, esperando que até lá as coisas melhorassem. Fiz uma breve prece esperando que o Grande Arquiteto acalmasse os ventos e desviasse as pesadas nuvens de minha rota. De repente, pequenas luzes esverdeadas começaram a brilhar sobre as águas. A magia do momento me inebriava e eu via, ou sentia, que a abóbada celeste repousava nas águas do imenso Guaíba. Seriam microrganismos? Já havia presenciado fenômeno semelhante no litoral gaúcho. Depois de algum tempo, consegui identificar que aquelas pequenas cintilações eram produzidas por centenas de vaga-lumes que descansavam sobre as ternas águas antes de continuar o seu voo nupcial.
Depois de remar aproximadamente 45 minutos, o céu foi ficando carregado na altura da Ponta Grossa, e os ventos de proa começaram a dificultar a progressão. Decidi continuar navegando até a Ilha do Chico Manoel, esperando que até lá as coisas melhorassem. Fiz uma breve prece esperando que o Grande Arquiteto acalmasse os ventos e desviasse as pesadas nuvens de minha rota. De repente, pequenas luzes esverdeadas começaram a brilhar sobre as águas. A magia do momento me inebriava e eu via, ou sentia, que a abóbada celeste repousava nas águas do imenso Guaíba. Seriam microrganismos? Já havia presenciado fenômeno semelhante no litoral gaúcho. Depois de algum tempo, consegui identificar que aquelas pequenas cintilações eram produzidas por centenas de vaga-lumes que descansavam sobre as ternas águas antes de continuar o seu voo nupcial.
Cheguei à Ilha do Chico
Manoel às 06h15 e o tempo continuava fechado. Fiz um pequeno lanche e descansei
na maravilhosa Ilha do Clube Veleiros. O dia estava clareando, os ventos
novamente se transformaram em suave brisa, e observei que na altura do Farol de
Itapuã, as nuvens eram mais esparsas, anunciando bom tempo. Parti às 06h55
diretamente para a Ponta da Faxina. A Península da Faxina, com suas falésias,
vegetação nativa e abundância de pássaros, me impressionou. Decidi navegar mais
um pouco e parar na Ilhota da Ponta Escura. A ilhota, com seus canaletes, não
me chamou a atenção. Habitada e sem graça, me levou a continuar remando e a
planejar um descanso na altura do Morro da Formiga. Tentava, em vão, avistar a
Ilha do Barba Negra.
Por volta das 09h30,
mal tinha ultrapassado a Ilhota, vislumbrei no horizonte algo que mais parecia
uma Ilha de aguapés. Continuei remando, vigorosamente, por mais 30 minutos e
confirmei minhas expectativas de que era a Ilha do Barba Negra. Achei estranho
que a Ilha que eu guardara na memória, que possuía a orientação Norte-Sul, se
apresentasse transversal ao meu deslocamento.
Eu esquecera, ou o
cansaço me embotara a mente, de que a Ilha possuía dimensões importantes com
3,5 km de comprimento por 600 m de largura e elevações de 10 m. Mantenho uma remada
forte e chego, por volta das 10h20, ao morro da Formiga, coberto por mata
virgem intocada, com seus 108 metros de altura. Pude avistar suas fantásticas
praias de areias brancas circundada por rochas formidáveis. Em algumas delas,
as lontras, saciadas com comida farta propiciada pela piracema das tainhas,
tomavam, preguiçosamente, banho de Sol.
O cansaço começa a tomar conta do meu corpo e fico preocupado com a volta. Já havia remado 06h20 e ainda não tinha alcançado meu objetivo, a Ilha do Barba Negra. Decido aportar na primeira ilhota, ou praia do Morro da Formiga, que avistar. Ao ultrapassar a Ponta da Formiga, avistei uma pequena Ilha ao longe e me dirijo a ela mantendo um ritmo forte. Chego à Ilha exatamente às 11h15, sete horas após ter saído da Raia 1. É uma pequena e bela Ilha para se ver de longe, mas não para se aportar. A Ilha do Veado, como é chamada, só mais tarde é que fiquei sabendo do nome dela, quando fui confirmar minha rota, é formada apenas por rochas, alguns arbustos e cactos. As rochas dificultam a aportagem e atraco em uma pequena angra protegida das ondas.
Cancelamos o
pernoite na Ilha do Barba Negra, embora o Teixeira estivesse equipado para tal,
e iniciamos o retorno. Sem carta, sem jamais ter navegado por aquelas paragens,
o meu arrojado amigo, apoiado apenas na sua férrea vontade, estava na rota
correta, mostrando que a fibra e a determinação dos Forças Especiais (FE)
continuava viva nos seus músculos e no sangue que corre nas suas veias. Paramos
na Ilhota para conversarmos um pouco e, mais adiante, na Ponta da Faxina, onde
saboreamos alguns coquinhos silvestres antes de atravessar o canal numa
extensão de 12,7 quilômetros rumo à Ilha do Chico Manoel.
Pela
primeira vez, no trajeto, fiz uso do GPS e confirmei a direção a ser seguida. O
deslocamento, a partir das catorze horas, transcorreu bem impulsionado por
suaves ventos de popa permitindo aqui e ali surfar nas pequenas ondas. Na Ilha
do Chico Manoel, paramos uns 40 minutos e recebemos um telefonema da repórter
Carla, da Zero Hora, agendando uma sessão de fotos. Novamente desfrutei da
paradisíaca Ilha, tomei um banho reconfortante para afastar os efeitos da
canícula. Partimos, às 18h40, rumo à Ponta Grossa onde paramos brevemente e,
depois do pôr do Sol, às 20h30 nos encaminhamos, novamente orientados pelo GPS,
rumo à Raia 1. A navegação, à noite, é mágica. As luzes da Cidade refletida nas
águas serenas do Guaíba fazem a imaginação viajar. Chegamos às 21h30, cansados,
mas satisfeitos. Remamos 95 quilômetros durante 13h30. Sei que não irei navegar
durante tanto tempo na Amazônia em apenas um dia, mas um treinamento árduo
certamente nos dá a confiança e a certeza de que estamos preparados para
enfrentar os óbices que surgirem na nossa pequena Odisseia
O Forças Especiais
(Coronel Teixeira) me surpreendeu favoravelmente, novamente, uma vez guerreiro,
sempre guerreiro. Esta rota foi em homenagem à nossa querida amiga Rosângela
Maria de Vargas Schardosim, de Bagé, que tem conseguido divulgar meus artigos
em diversos periódicos nacionais.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com
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